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Antiga jacista e responsável do “mundo rural”, a minha mãe nasceu em 1935 e faleceu em outubro de 2022. Em jeito de homenagem, partilho convosco os versos que ela escreveu para se rir com as visitas na convalescença de uma perna partida durante o trabalho agrícola em abril de 1995 que levou à colocação de prótese no fémur. (publicado na Revista Mundo Rural de janeiro - fevereiro de 2023)
Foi na nossa vacaria
Que dei um trambolhão,
Caí, tive muitas dores,
Mas era a semana da paixão
Foi no dia 4 de Abril,
Ai que grande aflição!
Caí, parti uma perna
Fui logo p'rá operação!
Dei um passo em falso,
Voei como o papel.
Comecei logo a gritar:
"And' aqui ó Manuel!"
Levou-me nos braços,
disse "que tens na perna?"
a almofada que me deu
foi um monte de erva.
O Manuel ficou aflito
porque eu tinha muitas dores;
mas eu tudo ofereci
pela conversão dos pecadores.
Como não era pesada,
mas tinha coisa quebrada,
chamou o Carlos Manuel;
eu já estava desmaiada.
O David e a Fernanda
vieram logo a correr,
para me ouvir gritar;
e ficaram sem comer...
Perguntaram "O que foi?"
Pois eu estava mal.
"O melhor e o mais rápido
é levá-la para o hospital".
Ao chegar à Clipóvoa
fiquei admirada:
O letreiro diz "Urgência",
mas de urgência não tem nada!...
Logo rezei ao Senhor:
"Oh! Pobres dos doentes!
Os especialistas foram embora,
e não tinham suplentes".
Passado um certo tempo
O radiologista teve esta saída:
"Olhe, minha senhora,
está partida e bem partida!"
Já era muito tarde
Quando o meu marido diz:
"Tem que ficar internada?"
-Tem, e esperar pelo Dr. Dinis!"
O Dr Dinis chegou e disse:
-"Tem que ser operada"
-"Mas eu tenho tantas dores!"
- Vai p'ró 310 e fica curada!
De enfermeiras e empregadas
eu não tenho que dizer;
Olharam-me para me ajudarem
e deram-me de comer!
Visitas, foram muitas,
apontei-as até ao fim;
Porque eu não me quero esquecer
de quem não se esqueceu de mim!
Tive oferta de flores
e uma visita fresquinha;
Foi o meu afilhado Álvaro
que levou a minha madrinha!
Quando a vi entrar
fiquei muito admirada:
Com noventa e três anos
veio visitar a afilhada!
Que tenha paciência,
toda a gente me diz:
Até o meu médico,
Que é o Dr. Dinis.
Que tenho bom aspeto
isso são lindas tretas;
Agora eu só posso
andar de muletas!
Até o Dr. Ferreira, homem sem tempo,
(todos veem, ninguém é cego);
Pedi-lhe um conselho, e ele disse:
"- Não meto estopa nem prego!"
Sexta-Feira Santa,
foi o dia de partida:
"é preciso ter coragem
que esta parte está vencida".
Todos rezaram por mim,
causaram-me grande alegria!
mas a penitência maior
foi a carta da secretaria...
Essa foi para o marido,
que é um homem sensato;
Perguntei: "- Quanto foi?"
"- Se ficares boa, foi barato!"
Dor de corpo e da carteira,
foram dois grandes degredos;
Mas lá dizia o ditado:
"Vão-se os anéis, ficam os dedos".
Que aprenda a andar,
eu vou obedecer;
Mas tenho tanto medo
de tudo desfazer...
No regresso à cozinha,
parecia um melro a dar à asa;
Telefonei aos irmãos e amigos:
"-Atenção: Já estou em casa!"
O Carlos e a Celeste
foram uns amores:
Regaram-me o Jardim
E eu já olhei para as flores.
A Celeste é mulher boa
que não gosta de discórdia;
Deu de comer a todos,
fez obra de misericórdia.
A Aldina visitou-me
com ternura e carinho;
Também veio arrancar
a margem do cebolinho.
Da Cachada veio o Álvaro
para comigo falar;
Ainda trouxe as filhas
que ajudaram a trabalhar.
Do Porto veio a Aurora
que tem coração de veludo;
Veio trazer os folares
e eu falei-lhe de tudo.
Dia de Páscoa alegre:
Jesus ressuscitou! Aleluia!
Veio o Armando com a Nini
para me fazer companhia.
De Rio Mau também veio
A Nelita, que é enfermeira;
Disse que eu estava segura:
"- Saia, deixe a cadeira!"
Querer andar e não poder
Deu-me muito que pensar
Mas agora, com perna de ferro,
isto é que vai ser andar!...
Veio o Armando do Penas
Que é um moço com gana;
Conseguiu trazer aqui
a minha irmã Ana!
A menina Anabela,
Que é minha vizinha
foi a minha companheira
para eu não estar sozinha.
Com as galinhas a pôr ovos
e os coelhos a crescer;
O Carlos Manuel perguntou:
"Quem os ovos vai vender?"
Chama cá a prima Lurdes
Que tem habilidade e canseira;
Ela ajuda , vende os ovos,
e traz dinheiro p'rá carteira!...
Agora na vacaria
Eu não meto a colher;
É pra eles darem valor
ao trabalho da mulher...
O Carlos Manuel dá aos vitelos,
faz tudo muito bem;
O Manuel tira o leite
E não ralha com ninguém.
"Jesus, Maria Santíssima"
E os santos a ajudar;
Os amigos a pedir
para eu poder andar.
Às vezes, ai, quantas vezes,
adormecer bem queria;
mas quem faz versos não dorme,
não tem essa regalia.
há um ditado que diz:
"Virtude é saber ouvir"
Peço desculpa a todos
Escrevi isto só p'ra rir!...
Sem Jesus não somos nada,
disto eu estou ciente;
espero ficar boa;
Deus é Omnipotente.
Adélia Dias Figueiredo (1935-2022)