No domingo à noite, meia hora antes da hora prevista para acabar os trabalhos na vacaria e poder jantar, ouvi o berro de um animal que me fez adivinhar um parto a começar. Ainda faltava uma semana para a data de parto prevista, 9 meses após a Inseminação, mas a natureza (o vitelo ou vitela) é que manda. Levei a futura mamã para a zona de maternidade, terminei as outras tarefas e deixei o processo avançar.
Quando surgiram as patas da vitela ajudei ao parto, com ajuda da Carina e a presença do Luís, usando os forceps com a força necessária para puxar a vitela. Foi um parto assistido mas não difícil. Apesar disso, cansada e aborrecida, a nova mãe não quis lamber a cria. É uma coisa que às vezes acontece com esta raça de vacas leiteiras, porque não tem o mesmo instinto maternal de outras raças. Por isso levámos a vitela recém-nascida para o viteleiro, desinfetámos o umbigo, esfregámos para a estimular, secar e fomos jantar.
Depois de jantar e descansar um pouco, com ajuda do Pedro e do robô de ordenha, tirámos o leite à vaca e demos a mamar ao vitelo (como ensina o Sérgio Cortella num vídeo viral, “vaca não dá leite, tem que tirar”). Dar rapidamente a primeira refeição ao vitelo é um procedimento muito importante porque este primeiro leite, o colostro, para além de ser muito nutritivo e ativador da digestão, transmite a imunidade da mãe ao vitelo se for efetuado nas primeiras horas após o nascimento quando o intestino consegue absorver as imunoglobulinas.
Nos próximos 5 dias a vitela vai beber o leite da mãe em exclusivo, depois passará a beber do leite em pó durante 3 meses até ao desmame. Há agricultores que dão sempre leite das vacas. Uma vaca leiteira em Portugal dá em média cerca de 30 litros por dia, um vitelo precisa de 6 a 8 litros, por isso é fácil manter os vitelos com o leite de algumas vacas e sobra muito para vender. O ideal é ser pasteurizado e ser homogéneo todos os dias, portanto ordenhado dos mesmos animais, o que não é fácil numa pequena vacaria como a minha. Para mim é mais prático usar leite em pó. O custo é aproximado a usar leite das nossas vacas.
Estou a contar tudo isto porque há pessoas convencidas de que matamos os vitelos para roubar o leite às vacas. É falso. Na minha vacaria, tal como em todas vacarias que conheço, todas as vitelas são criadas para serem as futuras vacas em produção ou vendidas a outros agricultores para esse efeito. Os machos, porque não tenho espaço para os criar, são vendidos a outro agricultor que os engorda até ao abate muitos meses depois.
Isto é o que se passa na realidade e temos provas e testemunhas. Todos os animais que nascem são registados, levam o brinco com o número oficial e todos os movimentos ficam registados no sistema informático do ministério da agricultura. Nas cooperativas, organizações de produtores e serviços públicos há muita gente a trabalhar nesses registos para que todos tenhamos segurança alimentar.
De onde terá vindo essa ideia de que se matam os vitelos? Não sei exatamente, mas há 30 anos, em toda a Europa, quando houve o pânico por causa da doença das vacas loucas, as pessoas deixaram de comer carne durante meses e houve um mecanismo de retirar os vitelos para abate precoce. Ficou conhecida como “lei Herodes” e acabou pouco tempo depois.
Falta explicar um detalhe importante. O que tem esta vitela de especial? Ela é a Estrelita, filha da Estrela, a “toura” que o avô deu ao Luís no aniversário em junho de 2020 e cujo nome foi escolhido com ajuda dos amigos que seguem estas publicações. Um presente na semana em que o avô faria anos. A vida segue o seu caminho, marcado por trabalhos, lembranças e momentos especiais.
#carlosnevesagricultorPara quem quiser conhecer a história desta “toura” e do seu nome: