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Três coisas que aprendi com a minha avó Esperança

por Carlos Neves, em 29.11.20

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Entre os meus avós, a única que ainda vivia quando nasci era a minha avó paterna, que se chamava Esperança Rosa da Silva mas era mais conhecida como “Esperança Painça”. “Painço” é uma espécie tradicional de “milho” pequeno, parecido com o sorgo, já cultivado por estas terras antes do atual milho chegar da América com os descobrimentos e que era e é usado na alimentação humana e animal (para aves). Não sei exatamente como chegou essa alcunha à família, mas o bisavô Bernardino, pai da avó Esperança, já foi nomeado como "Painço" quando foi notícia no jornal em 1897, por ter sido espancado por dois capangas contratados, alegadamente num caso de ciúmes😁. Não sei se foi calúnia, caso isolado ou sintomático, mas a minha avó, bem-disposta apesar de austera e religiosa, que teve um filho padre e 3 sobrinhas freiras, parece ter puxado mais ao lado da mãe, de quem herdou os nomes de família.

As memórias que tenho dela correspondem à sua última década de vida, começando quando tinha 4 anos e me dava bolachas (embora eu preferisse fugir para a vacaria atrás da mãe) e acompanharam o declínio da sua saúde até falecer com 90 anos. Não foi à escola, mas aprendeu na “mestra” a ler e escrever. Lia sempre o jornal “A “ordem”. Dizia “auga”, como os galegos (lembro-me dela quando os ouço falar) e mandava apagar a televisão ou a luz que “estava a arder”. Agora as memórias que tenho muitas vezes presentes:
1. Durante a segunda guerra mundial, a minha avó ficou viúva (o avô morreu de insuficiência cardíaca), com 5 filhos a cargo, o mais velho com 12 anos e o mais novo com 7 meses. Desse tempo ficou o exemplo de ter governado a família com a pequena casa agrícola, tendo inclusive aumentado a área, comprando o terreno onde agora moramos, não deixando de valer aos mais necessitados da aldeia;
2. Vivendo connosco, um dia numa discussão a minha mãe disse-lhe: “Não seja teimosa” e teve resposta pronta: “Somos as duas” (e ficou tudo bem).
3. Pela boca do meu pai, aprendi um lema da minha avó que recordo muitas vezes “Antes quero que tenham raiva do que tenham pena de mim!” Não que seja bom sermos vítimas de raiva, às vezes é só ilusão dos outros, mas se houver pena é porque estamos mesmo mal...
São três pequenas e simples memórias que vos quis trazer hoje para apresentar mais uma referência da minha vida. Cada um de nós é único e irrepetível, mas é também o resultado da herança genética, da educação que recebeu e das influências que sofreu.
Lembrei-me destas coisas depois de ler que “A produção de leite é, na maioria das vezes, delegada ao longo de várias gerações”, no calendário Agros de 2020 - mês de novembro. (e obrigado ao primo Fernando Soares por algumas das imagens)

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publicado às 23:23



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