Estou há dias a adiar escrever sobre isto. Estou há dias à espera de uma resposta aos comunicados das confederações e associações agrícolas sobre o absurdo que se está a passar com o regresso do subsídio à eletricidade verde. Esta ajuda, uma das poucas ajudas à agricultura com fundos nacionais (quase tudo o resto vem de Bruxelas), foi extinta num episódio de tristes declarações do ministro Jaime Silva no Governo de José Sócrates e voltou por ocasião do orçamento retificativo de julho deste ano, por causa da pandemia. Creio que foi a única ajuda para a agricultura nesse orçamento.
Cito o comunicado da Associação interprofisisonal de horticultura do Oeste (AIHO): “A Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que aprovou a alteração ao Orçamento de Estado para o ano 2020 (OE 2020), veio reforçar o orçamento do IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas para a operacionalização da eletricidade verde (EV). Nesta lei foram criados os apoios descritos no nº 2 do artigo 309.º-A: 20% do valor da fatura para explorações agrícolas até 50 hectares (ha) ou 10% do valor da fatura para explorações agrícolas com área superior a 50 ha.”
Depois disto, o silêncio. Nunca mais se ouviu falar desta ajuda. No final de agosto, várias associações agrícolas, em comunicado, perguntaram pela ajuda. Finalmente, e volto a citar o comunicado da AIHO porque é muito elucidativo, “ A 16 de novembro de 2020, foi publicada a Portaria nº265-B/2020 que estabelece as condições e procedimentos à atribuição deste apoio financeiro. Nesta portaria, é incluído apenas apoio financeiro sobre o termo fixo da fatura (potência contratada estipulando um valor fixo por KVA contratado) não sendo considerado o consumo energético de forma global, o que torna quase insignificante o valor a receber por cada agricultor.
Com base na Lei 27-A/2020, de 24 de julho, um produtor agrícola com área até 50 ha e que consuma 3 500€ + IVA de eletricidade/ano, receberia de apoio cerca de 700€/ano. Com base na Portaria nº265-B/2020, esse mesmo produtor com o total de potência nos contadores igual a 35 KVA, receberia de apoio aproximadamente 120€.” (mas só irá receber 40 ou 50 euros, porque só conta a partir de julho). O título deste comunicado foi “O regresso da eletricidade verde é uma mão cheia de nada!"
Noutro comunicado subscrito por várias associações, incluindo a APROLEP, temos outro exemplo: “um agricultor que semeia cerca de 12 hectares de culturas arvenses de regadio e que suporta um encargo anual com a energia eléctrica a rondar 3.600€, de acordo com o que consta na Portaria, terá direito a um apoio anual de apenas 32,40€, o que se revela um valor manifestamente irrisório face à despesa global suportada (cerca de 0,9%).”
Por estranho que pareça, a “ajuda” é apenas de julho a dezembro… se pensarmos que a rega ocorre sobretudo entre junho e agosto… estamos a falar de receber 10 ou 20% da taxa do contador durante 2 meses… Nem dá para ir jantar fora. Também não é aconselhável, por causa do covid. Por falar em Covid… A portaria publicada em 16 de novembro estabelece como data limite de candidatura 30 de novembro… A candidatura é online, mas o procedimento habitual passa pela deslocação dos agricultores às associações e cooperativas onde os técnicos preenchem a candidatura. Só meia dúzia serão capazes de preencher a candidatura em casa. Talvez ainda tenham de passar no contabilista a pedir duas faturas da eletricidade... Portanto, em pleno estado de emergência, em que pedimos / obrigamos as pessoas a estar em casa, vamos obrigar centenas de milhar de agricultores, a maioria dos quais idosos, população de risco, ou mais jovens com idosos a cargo, a deslocarem-se todos, em meia dúzia de dias, às organizações agrícolas?!!! Mas o que estava a pensar quem decidiu estas coisas desta maneira? E da oposição, ninguém fala disto, porquê?
Não me interpretem mal. Estou muito grato a quem pediu esta ajuda, a quem trabalhou para que existisse, a quem a apresentou a proposta, negociou e votou positivo. Sei o trabalho que dá. Mas assim eu não quero. Sei que muitos agricultores pensam como eu. Não vou colocar a minha saúde e a dos meus em risco, por causa de uma migalha. Se não têm dinheiro, assumam. Se precisam do dinheiro para outra coisa por causa da pandemia, assumam! Se não têm vontade de dar a ajuda, assumam! Mas não coloquem em risco a saúde de técnicos e agricultores para depois dizer que deram mais um subsídio com meia dúzia de euros!