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“Sabença, Padrinho! Sabença, Vó!” Com 4 ou 5 anos, era assim que eu “pedia a benção”, como me tinham ensinado. Depois o tempo passou, cresci, deixei de pedir a benção, deixamos de ensinar as crianças a pedir a benção que ficou para o final da missa, para quem lá vai ou participa pelos meios de comunicação à distância.
Passaram-se anos sem me lembrar disto. Lembrei-me há poucos meses quando ouvi “God bless you, sir”, (Deus o abençoe!) vindo de um emigrante paquistanês, muçulmano, depois de me comprar um litro de leite e pedir informação sobre casas para alugar, em jeito de cumprimento e agradecimento. Achei estranho, ainda mais porque uma semana antes, outro emigrante, do Bangladesh, não sei que religião tinha, e que me contactou através do facebook a pedir trabalho na agricultura, também “me abençoou”. Divulguei o pedido de trabalho, não o pude ajudar, mas, entretanto, ele encontrou outra ocupação. E tudo isso aconteceu antes do covid, numa altura em que a contínua chegada de imigrantes vindos de países muçulmanos provocava alguns comentários com receios de radicalização ou pelo menos islamização da Europa que é cada vez menos cristã praticante. E este paradoxo, de serem dois não-cristãos a “abençoar-me” sem me chamarem infiel nem me tentarem converter, fez-me refletir.
Nunca me senti numa família de emigrantes, não tive ninguém na França ou Alemanha que viesse de férias em Agosto como muitos vizinhos. E, contudo, entre 5 irmãos, o meu pai foi o único que não emigrou. Um foi muito novo para o Brasil, lá viveu muitos anos até morrer e só veio de férias quando eu já era adolescente e mais alto que ele uns 25 cm (Então, Carlinhos, tá frio aí em cima?!). Outro foi Padre missionário em África (Zaire) e dois, incluindo o meu padrinho, estiveram alguns anos em Angola, de onde voltaram em 1975.
Se a agricultura foi origem de emigrantes portugueses para o mundo, hoje é destino de imigrantes que vêm para o nosso país. Em 2002, escrevi aqui no mundo rural sobre Dmitry, um dos muitos ucranianos que então vieram para Portugal trabalhar na agricultura. Dmitry já regressou à sua terra, mas outros ficaram, como o serralheiro que reparou a máquina agrícola com que alimento as minhas vacas todos os dias. Hoje, se não fossem os imigrantes, que vêm fazer os trabalhos que dispensámos, não sei onde se encontraria gente para a apanha da fruta em Odemira ou até como seria aqui ao lado nas Caxinas, onde estão já estão mais de duzentos pescadores indonésios a trabalhar nos barcos portugueses. As voltas que o mundo dá, no tempo dos problemas com Timor isso não seria possível. Portanto, os emigrantes são importantes para funcionar a economia e para dar vida a um pais e a regiões que perdem população todos os anos.
O que procuram estes imigrantes ou os refugiados que arriscam a vida na tragédia do Mediterrâneo é o mesmo que os portugueses procuram quando emigram: uma vida melhor para si e para as suas famílias. A maioria é gente humilde, séria e trabalhadora, como nós. Alguns serão mentirosos, preguiçosos e potenciais criminosos, como alguns de nós, portugueses. Por isso será errado generalizar, seja abrindo os braços inocentemente a todos sem saber quem são, seja escorraçando e discriminando a todos como inimigos.
Com o tempo, há problemas que se podem desenvolver nestas comunidades desenraizadas onde faltam os anciãos, as mulheres, as referências morais da sociedade que são respeitados e vão censurando e corrigindo os desvios de alguns. E a situação agrava-se nas periferias das cidades com as segundas gerações, os filhos dos imigrantes que crescem à solta em bandos enquanto os pais trabalham de sol a sol. E a nossa sociedade e os nossos governantes não tem feito o suficiente sobre isto.
Nós, que vivemos na Europa ocidental, neste “primeiro mundo”, apesar das crises, da miséria de alguns, apesar da solidão e das dificuldades de muitos idosos, apesar do desemprego que vai aumentar e de toda a crise pós-covid que não conseguimos ainda antever, apesar de tudo estamos mil vezes melhor do que muitos povos de África onde há fome, seca, guerras e governos ainda mais corruptos do que os da Europa. Temos por isso alguma responsabilidade para acolher aqueles que nos procuram desesperados. Mas, tal como estando num barco temos o dever de acudir a um náufrago, também temos a obrigação de controlar o limite do barco, sob pena de irmos todos ao fundo. Passando desta imagem para a nossa sociedade, temos o direito e o dever de vigiar fronteiras e controlar quantos e quem vem viver e trabalhar connosco.
Voltando à questão religiosa, mais do que a vinda de crentes de outras religiões para a Europa, preocupa-me que os nativos da Europa abandonem a prática religiosa de seus pais e avós, os valores humanistas e cristãos que foram a matriz da Europa ocidental desenvolvida e democrática e preocupa-me uma certa “guerrilha” laicista de extrema-esquerda que, curiosamente, perante a falta de ação dos moderados, talvez bloqueados pelo “politicamente correto”, ajuda a crescer um sentimento de revolta que se materializa no crescimento da extrema direita. Curiosamente, os extremos alimentam-se para crescer. E crescem em circuito fechado, em grupos fechados nas redes sociais onde somos “nós” contra os outros, os desconhecidos, os inimigos. E esses crescendos podem acabar mal.
Concluindo, aos nativos, aos imigrantes que para cá vieram, aos emigrantes portugueses que neste verão nos visitam, aos que não puderam vir por causa do covid ou de outra coisa qualquer e seja qual for a vossa preferência política, seja qual for a vossa religião, sejam crentes ou não crentes, quando eu digo “Que Deus vos abençoe” quero apenas dizer que vos desejo paz, saúde, que vos desejo o melhor e que espero que o Deus em que acredito esteja convosco! E desejo boas férias, também! (publicado no "mundo rural" de agosto-setembro 2020)