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Tal como muitos colegas agricultores, passei os últimos dias de outubro a todo o vapor para concluir as sementeiras antes do final do mês. Porquê? Por um lado, avizinhava-se mais chuva que podia impedir a entrada do trator nos campos mais encharcados. Este, na imagem, já foi semeado em setembro, para prevenir essa situação. Por outro lado, se atrasarmos a sementeira para o tempo frio de dezembro ou janeiro não teremos as ervas crescidas e maduras para colher no início de abril. Mas há uma terceira razão, uma regra que um e-mail e uma sms do Ifap (Instituto de financiamento da agricultura e pescas) me recordaram: “Como aderente da “prática equivalente” no Pedido Único 2020, relembra-se que ao abrigo do Despacho Normativo n.º1-C/2016 é obrigado a instalar pelo menos uma cultura de cobertura outono/inverno elegível até 31 de outubro. A sua destruição, colheita ou incorporação apenas é permitida a partir de 15 de março de 2021. “
Passo a explicar: Para receber os “subsídios agrícolas anuais” que Bruxelas definiu para compensar a perda de rendimento, os agricultores tem de cumprir várias obrigações de carácter ambiental. Neste caso concreto, por cultivar mais de 15 hectares, tenho de deixar 5% da área em pousio (sem cultivar) ou com culturas de interesse ecológico. Optei por semear luzerna nesses campos. Além disso, para promover a diversidade de culturas, apenas poderia semear 75 % da área com a cultura principal (no nosso caso, o milho) ou, em alternativa, posso semear 95% de milho (que preciso para alimentar os animais) se me comprometer a semear a tal “cultura de cobertura” (erva) no outono/inverno. Quais as vantagens ecológicas? Desde logo, temos duas culturas anuais e, portanto, diversidade. Depois, vamos evitar a erosão da terra por ter a cobertura vegetal durante o período de maior precipitação. As raízes da erva impedem o arrastamento da terra (podem ver isso nos taludes de autoestradas recentes). Por último, essa cultura vai utilizar o adubo que sobrou da cultura do milho, sobretudo o azoto, que as chuvas de inverno poderiam arrastar para a água dos rios ou infiltrar nas correntes subterrâneas aumentando o teor de nitratos.
Os agricultores são depois auditados / fiscalizados por uma empresa acreditada ou pelo próprio Estado. Isto é a sério. Um colega que atrasou a sementeira da erva por causa da colheita do milho e da chuva abundante de um outono passado ficou sem largos milhares de euros a que teria direito. E não adiantou reclamar. Regras são regras e há auditorias de Bruxelas.
A Política agrícola comum nasceu num momento de fome na Europa, após a segunda guerra mundial. Teve tanto sucesso que gerou excedentes e foi preciso colocar limites como as quotas de produção. Além disso, ao longo das últimas décadas passou a ter cada vez mais objetivos ecológicos, pagando aos agricultores pelas medidas agro-ambientais adotadas ou exigindo um conjunto de práticas de bem-estar animal ou de proteção ambiental, sem descurar o primeiro objetivo de produzir os alimentos que a população precisa, ao custo que o nível de vida permite pagar. Há quem ache que as exigências são poucas, apesar de aumentarem para a próxima PAC. Produzir alimentos e proteger o ambiente exige bom senso. Na teoria, atrás do teclado é fácil ser puro e criticar. Na prática temos de procurar equilíbrios.
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