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Sobre a “sucessão nas empresas agrícolas”, Marcelo Cavalcanti, agricultor brasileiro e formador na empresa “Agrotalento”, num curso em que participei, contou que, no Brasil, as grandes fazendas de criação de gado tem várias cercas desde a entrada da rua até chegar ao centro da fazendo onde estão a casa, os armazéns e abrigos dos animais. Quando é preciso entrar ou sair da fazenda de carro, se os filhos acompanham os pais na viagem, é normal serem as crianças, a partir de certa idade, a sair do carro, abrir o portão da cerca e fechar o portão depois do carro passar. «As crianças ficam muito orgulhosas com essa tarefa, mas tem gente com 30, 40 e 50 anos que continua a ser apenas o “abridor de portões” da fazenda».
Esta história lembrou-me outra que já contei no meu blog e nas redes sociais. Há alguns anos, no programa “Parabéns” que tinha na RTP, Herman José, para celebrar Alfredo Marceneiro, entrevistou um neto do fadista:
- O que faz na vida?
- Sou reformado do cinema.
- Que idade tem?
- 48.
- Ui! Se fosse agricultor ainda era jovem!
Herman exagerou, mas pouco. Em Portugal podemos ter o estatuto de “jovem agricultor” até aos 40 anos. Isto significa que podemos “instalar-nos” ou melhor, apresentar ao Ministério da Agricultura um “projeto de instalação e investimento” até ao dia anterior a completar 41 anos. Depois de muita burocracia e com a formação exigida, podemos receber um “prémio de instalação” a fundo perdido, uma majoração nas ajudas e prioridade no acesso a essas ajudas.
Há algumas razões para este limite de “40 anos”, quando se costuma considerar 30 anos a idade para ser “jovem”. Esta regra foi um pedido à Europa dos países do Sul, porque a instalação de um jovem agricultor ocorre por sucessão, portanto é preciso esperar que o pai se reforme.
Em Portugal os agricultores costumam ser como as árvores – morrem de pé. Trabalham até não poder mais. Isto acontece por necessidade, porque as pensões de reforma são muito baixas, mas às vezes também por teimosia, por quererem continuar a mandar na empresa agrícola até não poder mais. Deixar o “poder” é difícil. Preparar essa transição é um desafio. São frequentes as queixas de falta de sucessão na agricultura. Há muitas razões para isso, mas devemos começar pela nossa parte, por dar progressiva autonomia aos jovens, para que sejam capazes de tomar decisões.
A sucessão deve ser preparada com tempo e com diálogo entre todos os membros da família. Quem vai “deixar” a empresa deve fazer contas ao rendimento que precisa para a “reforma”. Deve pensar que tarefas vai continuar a fazer, e a que novas atividades se vai dedicar (bricolage, jardim, quintal, turismo…) para deixar os mais novos tomarem decisões e responsabilidades. Quem vai assumir deve fazer um plano de negócios para ver se vai ter rendimento para si, para desenvolver a empresa e para pagar a “renda” a combinar aos pais ou irmãos co-herdeiros, se for caso disso.
Há depois a formação agrícola, essencial, que pode ser no ensino profissional ao nível secundário ou no nível superior.
Haverá também que procurar bons estágios, para além da experiência “de casa”, para que os novos agricultores possam ganhar “mundo” e experiência para além da empresa familiar onde se poderão instalar.
Há depois todo o contexto do mercado, do valor dos produtos agrícolas e do valor da agricultura na sociedade. Se os filhos crescem a ver os pais em dificuldades financeiras, desanimados, naturalmente vão fugir e procurar uma vida melhor fora da agricultura.
Se a sociedade desvaloriza a atividade agrícola ou condena a agricultura desde os livros escolares como atividade poluente, causadora do aquecimento global e que maltrata os animais, cada uma destas etapas é um “puxão para baixo” no futuro da agricultura.
Há um provérbio que nos diz “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Também a preparação dos futuros agricultores, sendo uma decisão pessoal, é responsabilidade da família e da sociedade. (escrito para o Mundo Rural de Julho e Agosto de 2024)