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No final da segunda guerra mundial havia fome na Europa e a Política Agrícola Comum (PAC) nasceu para a combater.
Não há outras políticas europeias de igual relevância, mas o sucesso da PAC tornou-se um problema. À fome sucedeu um excesso de produção e a Europa passou a tomar decisões de barriga cheia. Foi correto controlar excedentes e dar atenção às funções ambientais da agricultura, mas, como se está a ver, é perigoso esquecer a função base da agricultura, produzir alimentos próximos e seguros.
Depois de meses a culpar as vacas por libertarem 5% dos gases com efeito de estufa, (esquecendo o carbono captado pelas plantas que as vacas comem) e a dizer que era preciso deixar de comer bifes para salvar o mundo, veio a seca e vieram as críticas aos agricultores por usarem água a produzir alimentos que não eram rentáveis. Aconselhava-se a importação. Veio a guerra e mudou tudo.
A comida barata já não é um dado adquirido e o mundo ocidental olha com desespero à procura de alternativas aos campos ucranianos. O biogás (aproveitamento do metano presente nos excrementos dos animais) é uma opção para substituir algum gás russo. As alternativas aos cereais ucranianos existem, mas estão longe e vão ficar cada vez mais caras, devido à especulação de quem vende e ao açambarcamento de quem compra.
Sendo otimista, penso que não faltará comida para os nossos animais ou para os nossos cidadãos, mas ficará certamente mais cara. É tempo de o Governo intervir para acudir aos mais necessitados (cidadãos ou produtores) e regular o que for possível num mercado livre, mas sem libertinagem. Sem voltar à "campanha do trigo", é preciso pensar em reservas estratégicas de produção e armazenamento de alimentos. Ouvir agrónomos e agricultores. No caso da produção de leite, sendo evidente que o mercado não funcionou em Portugal nos últimos anos, faz sentido procurar um mecanismo para ligar o preço de referência à evolução dos custos de produção e ao mercado dos produtos lácteos a nível europeu, envolvendo e comprometendo indústria e distribuição, para que a produção de leite em Portugal não desapareça ou se reduza para os níveis dos cereais.
*Produtor de leite e secretário-geral da Aprolep
(publicado no Jornal de Notícias a 17 de março de 2022)
https://www.jn.pt/opiniao/convidados/amp/nao-tomar-decisoes-de-barriga-cheia-nem-vazia-14685625.html?fbclid=IwAR2EVf8j6SZ1EUfyp8mzIC7VTv03Z8kHmshfaIsncGsZMFL7HRVVNa6Sn90