Portugal está a sofrer um período de seca severa com pastagens a morrer e barragens vazias. É normal ter as pastagens secas porque não choveu em janeiro e fevereiro vai pelo mesmo caminho, mas até ao Natal ainda choveu alguma coisa. Porque estão tão vazias as barragens, sobretudo a Norte?
A explicação mais lógica que encontrei, feita por quem analisou o balanço energético do sistema elétrico nacional, diz que a água das barragens foi gasta nos últimos meses de 2021 a produzir energia para compensar a eletricidade que faltou com o fecho das centrais a carvão.
Nestas coisas de meter água, há opiniões para todos os gostos. Segundo o Eng. Poças Martins, citado pelo DN de 16 de janeiro, “no Norte estão os campeões nacionais de perdas de água”. A acusação refere-se a municípios que perdem 80% da água. Deixo aos senhores autarcas a resposta ao diretor da Secção de Hidráulica Recursos Hídricos e Ambiente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e secretário-geral do Conselho Nacional da água, mas concentro-me na parte que me toca. Ainda segundo o Eng. Poças Martins, "A agricultura usa, em Portugal, 70 a 80% da água, e praticamente não paga por ela. Como não paga por ela, usa demais, vai regar por aspersão milho em agosto. Nem uma gota chega lá ao sítio. Se a água tivesse um preço, esses agricultores não regavam milho. Se calhar, produziam outra coisa, e o milho a gente comprava fora, como Singapura faz. (...) Em vez de plantar milho, que gasta muita água e rende pouco, tem de passar a outro tipo de agricultura, e se não for aqui, faz-se noutro lado e compramos".
Temos aqui o exemplo perfeito de um europeu que fala de “barriga cheia” após dezenas de anos sem falta de alimentos. Só damos valor às coisas quando elas faltam, seja água ou comida. Curiosamente, também li algures que agora, com as centrais a carvão encerradas e as barragens vazias, estamos a gastar milhões importando eletricidade produzida em Espanha em centrais a carvão mais poluentes do que as fechadas em Portugal. Se a Europa abdicar da sua agricultura, que é das mais eficientes do mundo, também vai gastar milhões a importar comida produzida noutro local sem conseguir controlar a segurança alimentar, a poluição e as emissões correspondentes.
Produzimos milho em Portugal desde que esta espécie chegou à Europa vinda da América há 500 anos. Comemos broa de milho, alimentamos os animais e até usamos milho para fazer cerveja. Regamos por aspersão o milho há dezenas de anos, desde que há motores e aspersores, nos meses de junho, julho e agosto, se for preciso e houver água. Conseguimos o “milagre” de ter milho quando “nem uma gota chega lá ao sítio”. Em 1992, quando tentaram fechar o antigo Estádio de Alvalade porque a cobertura podia ruir, o Eng. Edgar Cardoso, autor da Ponte da Arrábida, foi saltar para cima da pala a mostrar que estava segura. Neste ano de 2022, quando chegarmos a Agosto, se sobrar alguma água para regar, desafio o Eng. Poças Martins a trazer a sua toalha da praia para um campo de milho, debaixo do aspersor, a ver se chega alguma gota “lá ao sítio”.
(foto de 28 de agosto de 2021)