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O meu filho mais velho, o Pedro, perguntou-me se algum dia eu pensei ter uma profissão diferente de agricultor. Antes de responder, quero contar a história do meu tio Joaquim, já falecido. Na infância, ele dedicava-se mais às brincadeiras do que aos estudos. Um dia, a minha avó Esperança, sua mãe, avisada pelo professor de um possível “chumbo”, chamou-o junto do estábulo, e disse-lhe: “Ali estão as vacas, acolá tens os livros; agora escolhe!...” Ele escolheu os livros, a partir desse dia estudou a sério, emigrou para o Brasil onde já tinha família e licenciou-se em direito e contabilidade.
Entretanto, já não podemos escolher entre os livros e a agricultura. Temos sempre de escolher “os livros” antes de escolher o resto. Temos ensino obrigatório até ao 12º ano, mas podemos optar pelas escolas profissionais com cursos agrícolas. Quem tiver gosto e oportunidade de continuar os estudos tem os cursos superiores de agricultura, produção animal, florestal ou pode fazer outro curso do seu gosto e dedicar-se à agricultura a tempo inteiro ou parcial.
Antigamente, mandava-se os filhos estudar para saírem da lavoura. Umas vezes por uma visão negativa do setor, sem perspetiva de melhorar, outras vezes por uma questão prática: se dividissem a terra por todos os filhos dariam uma pequena parcela a cada um. Assim, seguindo a “lei do morgadio”, comum aqui no Douro Litoral, o filho mais velho ficava com a “casa de lavoura”, as irmãs que pudessem casavam para outras “casas agrícolas”, as solteiras ficavam sob a proteção do irmão ou iam para freiras e os irmãos iam para padres, para o exército, emigravam para o Brasil ou estudavam.
Curiosamente, assisti e vivi na pele o fenómeno oposto. Agricultores com imagem positiva da agricultura, com empresas dinâmicas, que tinham medo de que os filhos abandonassem a agricultura se fossem estudar. Isso significava ficar sem continuadores da casa agrícola. Eu não fui proibido de estudar pelos meus pais, mas nunca fui incentivado a tirar um curso superior. Fui encaminhado para uma escola profissional agrícola com a ideia de me instalar rapidamente na agricultura após a maioridade, porque os meus pais já tinham uma idade avançada. Já na escola agrícola, assisti ao esforço dos professores para que alguns colegas pudessem fazer o segundo curso, com equivalência ao 12º ano (dos 21 alunos que terminaram o 9º ano só metade continuou) e foi lá também que um professor nos incentivou a seguir um curso superior, com um exemplo muito prático: “mesmo que uma pessoa vá trabalhar como cantoneiro, se tiver estudos chega mais depressa a chefe dos cantoneiros!”
Após terminar os estudos secundários na escola agrícola, alguns problemas de saúde fizeram-me perceber que andar a cavar todo o dia não seria o mais indicado para mim. Não equacionei outra profissão, mas apontei como objetivo dedicar 60% do meu tempo à agricultura e o restante a outras atividades de menor esforço físico em que me envolvi, como o associativismo, a formação e a comunicação. Só voltei aos estudos oito anos depois de sair da escola agrícola, para fazer uma licenciatura em ciências sociais na Universidade Aberta, uma universidade pública de ensino à distância que me permitiu compatibilizar os estudos com o trabalho na agricultura e a vida associativa nos grupos de jovens da Igreja (com a ACR) e dos jovens agricultores (com a AJAP).
Não desejo que alguém vá estudar sem gosto. Não é obrigatório ter um curso superior para ter um bom rendimento, uma vida digna e ser respeitado. Por outro lado, espero que cada vez menos jovens sejam impedidos de continuar os estudos, por questões económicas ou de mentalidades, quando tiverem vocação e capacidade para isso. E aqueles que deixaram os estudos, que voltem, se tiverem vontade e oportunidade. Há exemplos fantásticos de quem aprendeu a ler ou se licenciou na idade adulta, na terceira ou quarta idade. Aprende-se até morrer e morre-se sem saber tudo.
#carlosnevesagricultor