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A agricultura e os fidalgos da Casa Mourisca

por Carlos Neves, em 14.02.22

fidalgos.jpg

A chuva deste domingo de fevereiro, além de valer ouro para regar a terra, deu-me a oportunidade para terminar a leitura dos "Fidalgos da Casa Mourisca", de Júlio Dinis.

O meu pai costumava dizer, com alguma solenidade, "os livros são os nossos melhores amigos, só nos pedem que não os emprestemos". Felizmente, neste ponto, não cumpriu o que dizia. Há alguns meses, um seu velho amigo, que eu já não via há muito tempo, apareceu de surpresa, caminhando com dificuldade e conduzido pela neta, para devolver um livro que o meu pai lhe emprestara. Por esse acaso marcante e singular, este livro passou para o topo da lista de leituras. 

Júlio Dinis era o autor preferido do meu pai, pela mão de quem li muito cedo "As pupilas do senhor reitor" e "A morgadinha dos canaviais". Ler os fidalgos foi beber um pouco da fonte onde o meu pai foi buscar os seus valores e a sua visão da agricultura, do trabalho, o gosto de ver os agricultores que prosperavam e a preocupação que sentia pelo fim de algumas “casas de lavoura”. Uma leitura boa para me abstrair das intrigas do quotidiano, rir com algumas cenas e emocionar-me com outras.

Médico e escritor, Júlio Dinis nasceu no Porto em 1839 e morreu na mesma cidade com 31 anos, devido a tuberculose. Na busca de cura para essa doença, foi viver primeiro para Gaia e depois para a casa de uma tia em Ovar. Dessas andanças rurais resultou um conhecimento da agricultura, dos agricultores e do mundo rural à volta do Porto, conhecimento que demonstra nas descrições minuciosas das desfolhadas, nos diálogos cúmplices e nas ricas personagens que criou, do José das Dornas a Tomé da Póvoa.

Acho que ninguém escreveu sobre esta agricultura do Norte Litoral como Júlio Dinis. Miguel Torga teria idêntico conhecimento da agricultura transmontana, mais pobre, áspera e dura. Júlio Dinis escreveu com gosto e admiração pela gente das casas de lavoura que não tinha medo dos bois nem do trabalho, valorizando as inovações “já abonadas pela experiência de países mais cultos”. Criticou ou que viviam nos “desperdícios da corte” e deixavam “extenuar a terra e definhar-se a propriedade”, desejando que “a riqueza do país se desentranhasse do solo onde está enclausurada”.

Os mouros andaram por cá muitos anos. Talvez por isso neste século XXI Portugal ainda parece uma casa mourisca cheia de “fidalgos” que desvalorizam e criticam uma agricultura que desconhecem. 

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publicado às 00:48



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