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Viver a Páscoa como agricultor

por Carlos Neves, em 20.04.25

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O “compasso” ou “visita pascal” é uma tradição do dia de Páscoa, no Norte de Portugal, organizada em pequenos grupos que em cada paróquia levam um crucifixo ornamentado com flores, anunciado por campainhas, a todas as casas que o queiram receber, abrindo a porta e colocando no chão um pequeno “tapete” com algumas folhas e flores. A tradição tem muitas variantes, a começar pelas roupas. Aqui no topo Norte da Diocese do Porto usamos umas capas vermelhas a que chamamos “opas”, noutras zonas usam vestes brancas ou apenas uma faixa.
Quando eu tinha 10 anos, o meu pai foi o “Juiz da Cruz” que tinha a responsabilidade de organizar o compasso e dar o almoço aos participantes e eu fui pela primeira vez no compasso, a tocar a campainha. Nos anos seguintes raramente voltei a participar no compasso porque me competia ficar na vacaria a “segurar as pontas” enquanto o meu pai participava e depois ajudar a minha mãe a preparar a mesa com um pequeno lanche para a comitiva do compasso. Só nos últimos anos voltei a participar no compasso de forma ativa.
Para um agricultor e criador de animais, participar nestas atividades pode ser difícil ou quase impossível. O trabalho nos campos ainda pode esperar, mas é preciso assegurar a ordenha, a alimentação e providenciar os cuidados necessários.
Apesar disso, através das fotos publicadas nas redes sociais, vi com satisfação que muitos colegas agricultores participaram ativamente nesta tradição pascal. Para isso certamente adiantaram o trabalho possível, levantaram-se mais cedo, organizaram as coisas e deixaram algum trabalho para depois.
Regra geral, os agricultores trabalham a terra que herdaram dos pais, a terra onde viveram os seus pais e avós e são, portanto, gente da terra e das terras, gente que conhece e mantém viva as tradições. Por isso as tradições precisam dos agricultores e os agricultores, mesmo que tenham de fazer um esforço extra, também precisam de participar nas tradições, integrar-se na comunidade e manter vivas estes momentos de festa, de encontro, de partilha, de esperança, de contacto direto com as pessoas.
Votos de uma Páscoa feliz e bom descanso para quem “andou” no compasso!
#carlosnevesagricultor #pascoa #compasso #visitapascal

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publicado às 22:43

O trator é uma ferramenta útil e perigosa

por Carlos Neves, em 20.04.25

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A civilização foi uma consequência da descoberta da agricultura. Quando os homens começaram a produzir os alimentos de que necessitavam sem precisar de serem nómadas para ir caçar e colher num sítio diferente, para além de poderem construir cidades “permanentes” ficaram com tempo livre para se dedicarem a todo um conjunto de atividades, como a escrita.
As ferramentas sempre foram essenciais para a agricultura. Primeiro pequenos utensílios de pedra lascada, depois ferramentas de metal, mais tarde alfaias de tração animal e finalmente os tratores.
Os primeiros tratores e debulhadoras, a vapor, surgiram por volta de 1850 e terão chegado a Portugal algumas décadas mais tarde. Ao longo do século XX, chegaram também a Portugal e a tração animal, de vacas, burros e cavalos, foi progressivamente substituída pelos tratores.
O primeiro trator da nossa “casa de lavoura” foi este Fordson Super Dexta que o meu pai comprou em 1963. Ainda funciona, mas faço apenas pequenos trabalhos com ele para o manter a funcionar, como “museu vivo”. Há muitos tratores como este, desta e de outras marcas, alguns ainda mais velhos, outros mais novos, que ainda funcionam e são úteis por todo o nosso país.
Neste momento existem cerca de 200.000 tratores em Portugal. Metade desses tratores não tem sistemas de proteção, como cabine ou o “arco de segurança” ou “arco de S. António”. Por causa da falta de proteção, dos terrenos perigosos, com muitos declives, por causa da falta de cuidado típica dos portugueses e da idade avançada de muitos condutores, todos os anos morrer dezenas de agricultores esmagados por tratores que capotam, que viram sobre si próprios.
Em 2019, morreram 57 pessoas debaixo de um trator. Em 2020, no artigo “Temos vacina para as mortes com trator, vamos usar?”, sugeri o seguinte:
- “Para agricultores e empresas que tenham muito trabalho para o trator, um programa para a troca/abate dos tratores velhos, poluentes e perigosos, substituindo por tratores novos, mais seguros, económicos e ecológicos com apoio a fundo perdido.
- Para quem apenas usar o trator poucas horas por ano, se estiver em bom estado de mecânica, um apoio de 90% para a instalação do arco de proteção.
- Uma boa campanha de comunicação para meter na cabeça dos mais casmurros que o arco da segurança só protege se for usado corretamente. Trazer o arco dobrado para passar debaixo das árvores ou ramadas não funciona, é como levar o capacete no braço para o caso de aparecer a polícia.
Além de poder salvar vidas todos os anos, este dinheiro não fica nos agricultores. Vai dar trabalho às pequenas empresas, aos mecânicos e serralheiros que vendem e reparam tratores e máquinas agrícolas. Acima de tudo, quanto vale uma vida? Quanto custa o socorro, o tratamento dos feridos e as reformas por invalidez aos sobreviventes?”
A primeira medida que propus, apoio à troca de tratores muito velhos (enviados para abate) por novos, foi colocada em prática nos anos seguintes, numa primeira fase com muitas limitações, depois mais abrangente. Falta a segunda parte, colocar estruturas de proteção, os arcos de segurança, nos tratores existentes. Vamos a isso?
(Escrito para a revista Mundo Rural de Março - Abril 2025)

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publicado às 22:40


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