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Tenho saudades do tempo em que o estado do tempo era um desbloqueador de conversas e não um detonador de discussões entre guerreiros do teclado. Uma pessoa chegava à sala de espera do médico, comentava que estava frio ou vinha chuva e uns acenavam com a cabeça, outros ficavam calados e outros, se quisessem, tinham conversa para ocupar o tempo de espera comentando o calor das férias do Algarve, o frio de Trás-os-montes ou a nortada da Póvoa. As discussões aconteciam entre os adeptos dos boletim meteorológico, das fases da lua, do almanaque ou dos ditados antigos como o humor da Senhora das candeias.
Agora, aparece uma notícia sobre vento e chuva e começa a discussão entre os adeptos da teoria do “fim do mundo” (que vai acabar por causa do aquecimento global) e do “fim do mês” (o que interessa é ganhar o dia a dia e depois vê-se). Para os primeiros, no limite, cada vez que alguém espirra a culpa é das alterações climáticas, para os segundos ventos de 200 km / hora é normal no inverno. Pelo meio, ou por trás de tudo isto, há sempre negócios. Uns tentam manter as vendas e outros vender novas coisas e às vezes até são os mesmos que vendem gasóleo e eletricidade, que furam num lado e colocam painéis solares no outro e ganham em ambos enquanto nós, o povo, nós consumimos a consumir, a discutir e a fazer publicidade grátis.
Para complicar, a própria meteorologia “privatizou-se” e agora em vez do boletim meterológico no fim do telejornal temos 20 canais de televisão, 40 jornais e 400 páginas “meteo” a lutar por likes e visualizações, e se alguns tentam manter o rigor, outros não se importam de anunciar a “tempestade do século” em letras garrafais quando o centro da tempestade está a milhares de kms e aqui “só” está previsto um bocado de vento e chuva. E depois, como na história do Pedro e do lobo, o povo deixa de dar atenção aos avisos e responde sempre “é inverno, é normal”, e não toma os cuidados que devia ter…
Ó gente, quando a Proteção civil faz avisos, é como quando a vossa mãe dizia “Está frio, leva o casquinho! Vem chuva logo à noite, leva o guarda-chuva ou anda para casa mais cedo!” Vocês respondiam “Ó mãe, é normal, estamos no inverno?” Então…
#carlosnevesagricultor #tempo #meteo #chuva #vento #herminia
“Ides pró campo à hora de vir!”, dizia a minha avó Esperança. Lembrei-me dela mais uma vez ao percorrer o meu arquivo de fotos, porque tenho muitas fotos do pôr do sol.
E porque vou “para o campo à hora de vir”? De uma forma resumida, a resposta pode ser “porque posso e porque quero”, uma expressão partilhada há dias por um avô que sigo nas redes sociais (que se mete frequentemente em polémicas por causa de frases como esta, sempre que o assunto não são as fotos dos netos) e que deu esta frase como um exemplo de boa resposta para quando queremos dizer a verdade sem dar muitas explicações. Mas eu quero dar algumas essas explicações e por isso vou usar a frase como mote.
Porque posso? Porque, ao contrário da minha avó que nasceu no início do século XX e ia para o campo num carro de vacas com uma sachola e uma foicinha ou foucinhão (foucinhão é aquela coisa que a geração da minha avó usava para cortar erva e a geração Z só conhece das brincadeiras do halloween ou do carnaval), eu vou para o campo num trator com cabine, sem apanhar frio e com boa iluminação fazer trabalhos com máquinas. E também posso porque, ao contrário da minha avó e dos meus pais, não tenho que voltar ao fim da tarde para fazer a ordenha das vacas, porque tenho um “robô” de ordenha a trabalhar há 12 anos. É sempre preciso acompanhar e tocar alguma vaca atrasada, mas é um trabalho mais leve e mais rápido do que a ordenha tradicional, manual ou com máquinas, por isso posso aproveitar o fim da tarde noutras atividades.
Porque quero? Porque, como li há muito tempo num cartoon de uma revista agrícola, “gosto da liberdade que a agricultura me dá, com licença do banco e do governo posso fazer tudo o que quero”. Isto para dizer que, apesar das regras que quem nos governa nos vai impondo cada vez mais, umas vezes com boa intenção, outras vezes com intenções que temos de enfrentar e muitas vezes a complicar, apesar de tudo, a atividade agrícola, sobretudo de quem trabalha por conta própria, é uma atividade livre em que podemos fazer escolhas. E eu escolho muitas vezes “ir para o campo à hora de vir”, mas não demoro muito, não fico lá toda a noite e escolho voltar a casa a horas decentes para jantar, ou “cear”, como dizia a minha avó, que almoçava de manhã, jantava ao meio dia e “ceava” à noite. #carlosnevesagricultor #pordosol #agricultura
Um dia, há mais de 30 anos, na Casa-Escola Agrícola Campo Verde, o professor de português trouxe-nos um texto das “Farpas”, de Ramalho Ortigão. Nunca mais encontrei esse texto, até comprei e li o livro, mas descobri depois que existe outro volume onde deve estar essa “farpa”, de modo que vou citar “de cor” conforme me recordo. Ramalho comentava uma notícia da chegada do Rei, de comboio, a um determinado sítio, e criticava o floreado do discurso do autarca local, algo sobre a alteza real e um trono ou degrau imaginário, e também a resposta do Rei, cheia de maneirismos e vazia de conteúdo. Dizia Ramalho que, em vez dessa treta, os discursos deviam ser sobre os problemas concretos das pessoas, por exemplo “Majestade, o povo está a passar fome porque os pomares desta terra estão a ser atacados por pulgões” e o Rei devia responder: “Muito bem, logo quando regressar ao palácio vou chamar o Primeiro-ministro para ele chamar o Ministro da agricultura para que dêem ordens aos agrónomos para investigar o vosso problema e trazer-vos uma solução!”. Pronto.
Se fosse em 2025 e eu tivesse a oportunidade de falar, diria assim: “Senhor Presidente / Primeiro-ministro / Senhor Ministro ou secretário de Estado, os Javalis estão a tornar-se um problema cada vez mais grave em todo o país e também nesta região. Na semana passada, um amigo meu fotografou um bando de 15 javalis aqui ao lado em Bagunte, Vila do Conde. Contou-me o meu amigo que nunca tinham andado javalis por ali, que no próximo verão vai haver destruição de milho como já acontece noutros locais e que os caçadores não podem ajudar a controlar a espécie por causa dos distâncias de segurança que tem de manter em relação a casas e equipamentos, distâncias que podem fazer sentido nas regiões com grandes áreas e povoação concentrada, mas que tornam impossível a caça nas zonas de minifúndio”. E ficava à espera de uma resposta. Concreta.
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