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“Alguns miúdos crescem a brincar com tratores, os mais sortudos ainda o fazem.” Li esta frase há poucos dias, numa publicação da AGDAILY e lembrei-me dela ontem quando fui
com o trator cortar erva no terreno de um colega meu em Mindelo. Nas traseiras de uma casa vizinha, dois miúdos, que não conheço e certamente também não me conhecem, brincavam sob o olhar atento de uma mãe. Ao passar perto, acenaram-me com alegria e acenei também para eles. Percebi que brincavam no chão com tratores e reboques. Estavam quase novos, devem ter sido presentes deste Natal. Os miúdos vieram mostrar-me os brinquedos deles enquanto eu trabalhava com o meu. Fizeram uma festa de cada vez que passei perto e, já recolhidos porque o fim da tarde trouxe o frio, vieram cá fora acenar e despedir-se quando perceberam que eu ia embora. Não me parece que fossem agricultores, porque a casa não tinha aspecto de “casa de lavoura” com espaço para guardar um trator no alpendre das traseiras. Acho que são miúdos que gostam de tratores… e de agricultores, já agora, o que é de destacar nos dias de hoje em que tanta gente tem uma imagem negativa da agricultura e dos agricultores. Ou talvez, porque “uma árvore a cair faz mais barulho do que uma floresta inteira a crescer”, talvez sejamos nós que damos mais importância às críticas do que aos elogios, ou pelo menos ao “apoio” implícito da maioria silenciosa que não anda na rua ou nas redes sociais a defender os agricultores mas vai ao mercado e compra os nossos produtos agrícolas.
Também no desfile de natal com tratores, na semana passada, em Vila do Conde, organizado pelos Tainadas Mundiais , havia na rua muitos rostos felizes por verem tratores e agricultores. E, se houvesse prémios para o público como houve para os tratores melhor decorados, também merecia prémio um pequenino que, acompanhado pelo pai, trouxe o seu trator para ver os nossos passar. Não tirei foto, mas houve gente que reparou, tirou foto e fez-me chegar a imagem, de que ocultei os rostos por razões óbvias de privacidade.
No artigo que li no AGDaily, sob o título “O significado de um trator para uma criança no Natal”, Kacie Hulshof escreveu que “Muitos de nós percebemos que nem todos tiveram a mesma educação. No entanto, uma coisa que temos em comum é o amor pelos tratores desde tenra idade. Seja pela admiração de ver a mãe e o pai a conduzir o trator ou simplesmente por contemplar uma máquina enorme.
Quando era miúda da quinta, ainda me lembro de ter recebido o meu primeiro trator de brincar, um John Deere. Tendo crescido apenas com irmãs, fazia com que as nossas barbies conduzissem os tratores juntamente com os cavalos que fui acumulando ao longo dos anos. Tinha apenas 4 anos. As minhas irmãs e eu brincamos com ele durante horas. Não nos preocupávamos com a marca ou com o quão novo ele era, o meu pai sempre disse que o melhor tipo de trator era aquele que funcionava(...)”
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25 de dezembro de 2024. São 19h00 e, aparentemente, o trabalho na quinta está feito, por hoje. Normalmente trabalho até às 20h30 mas aos domingos e dias de festa tentamos simplificar e reduzir o trabalho aos cuidados essenciais com os animais. Apesar disso, às vezes parece que está tudo calmo e as coisas complicam-se. Há alguns anos, neste mesmo dia 25, por esta hora, chamei a veterinária para me ajudar num parto difícil e acabámos a noite com uma cesariana complicada.
Este ano aqui na quinta já nasceram 68 vitelos. Desses, 56 nasceram sozinhos, sem qualquer ajuda e quase todos os restantes apenas precisaram de ajuda fácil, com excepção de dois ou três casos complicados. Nem sempre foi assim. Antigamente tínhamos de ajudar na maior parte dos casos e às vezes fazer muita força e pedir ajuda dos vizinhos. O que mudou? Com os registos que se fazem há décadas, em todo o mundo, fomos selecionando as vacas e touros cujas crias nascem em “parto fácil”. Além disso, temos à disposição “sémen sexado” para a inseminação artificial que permite ter 90% de fêmeas e usamos esse sémen nas novilhas, pois o primeiro parto é sempre o mais complicado. Tendo muitas fêmeas filhas das novilhas, podemos inseminar algumas vacas adultas com a raça angus, melhor para a produção de carne mas que também dá crias pequenas ao nascer e por isso partos fáceis.
Na manhã de 5 de novembro, estava tudo calmo na vacaria. Normalmente somos dois, mas nessa manhã eu estava sozinho, porque o Hugo tinha saído para levar uma pessoa da família a uma consulta médica. Passei perto do lote das “vacas secas” e procurei uma vaca que sabia estar em fim de tempo, para ver se deveria retirá-la para a maternidade, um espaço reservado, com palha. Percebi que já era tarde, porque a vaca tinha-se antecipado e já estava em trabalho de parto. Via-se uma pata do vitelo (para quem não saiba, os vitelos nascem com as patas para frente junto à cabeça, como os nadadores que se atiram para a água na piscina). Pensei que estava tudo bem e continuei o que estava a fazer por mais alguns minutos. A regra geral é que não devemos atrapalhar, devemos observar, deixar a vaca dilatar e a natureza seguir o seu caminho. Pensei melhor. Faltava a parte de “observar”. Há quanto tempo estaria a vaca em trabalho de parto? Calcei luvas obstétricas e meti a mão dentro da vaca (uma vaca é muito grande e os vitelos nascem com cerca de 40 kgs, há algum espaço). Vi que tinha uma pata virada para trás, por isso não tinha nascido sozinha. Foi fácil endireitar. Fui buscar os “forceps”, a que chamamos aparelho, amarrei as cordas às patas do vitelo, comecei a puxar com calma e o vitelo começou a sair normalmente. Também aqui, regra geral, devemos dar tempo para a vaca dilatar. De repente, quando já faltava pouco para sair, a cria (uma vitela) deu dois esticões, estrebuchou! Percebi que devia estar há muito tempo para nascer e que podia perdê-la. Não vais morrer na praia, caramba, pensei (devo ter dito palavras piores, que já não lembro e se lembrasse não escrevia aqui). Puxei rapidamente para acabar o parto. Percebi que a vitela não tinha movimentos de respiração. Tentei pendurá-la para sair alguns líquidos do nariz que deve ter ingerido durante o parto. Não consegui à primeira. Agarrei-a junto a mim, a vitela ainda molhada e escorregadia cheia do líquido amniótico, que se lixe a roupa, vai para lavar e depois eu também tomo banho, que a água lava tudo menos a má-língua. Adiantou pouco. Puxei-a para fora do estábulo, tentei provocar tosse / espirro com uma palhinha no nariz, também não vi resposta. Fui buscar o feno que tinha preparado para a cama da vitela, ajoelhei-me, esfreguei-a com força, mexia as patas, fiz compressões no peito (boca-a-boca não dá jeito). Comecei a vê-la respirar, levantou a cabeça. Escapou! Às vezes perdemos estas batalhas, mas esta ganhei e não vou esquecer. Algumas horas mais tarde, novo susto, mas falso alarme, estava só a dormir. Não mamou como é normal, mas é normal não mamar depois de uma cena destas. Um vitelo normal levanta-se ao fim de meia hora e vai procurar as tetas da vaca. Dei mais tempo. Não fazia sucção. Temos uma sonda para essas situações, para dar o leite entubando o vitelo, mas temos que usar com cuidado, para não ir líquido para os pulmões e perder tudo. Demos-lhe o leite com sonda dois ou três dias, foi vista e medicada pela veterinária, demorou mais alguns dias a levantar-se e algumas semanas até ficar com a pata direita (a tal que estava virada para trás no momento do parto). Chamei-lhe "Pretinha" mas posso mudar o nome se tiverem outra sugestão que eu goste mais.
Felizmente, isto não acontece todos os dias, mas qualquer criador de vacas têm histórias como esta para contar. Na Natureza, o final seria diferente. A vaca e a vitela teriam morrido ao fim de horas ou dias de sofrimento, sem assistência. Aqui a sua vida também terá um fim daqui a alguns anos, mas até lá daremos todos os cuidados e assistência médica para estarem com o melhor conforto possível a produzir leite e bifes para vos alimentar.
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Chegámos a Dezembro e as árvores do meu pomar ainda não perderam as folhas. Pelo contrário, nasceram folhas novas nos pessegueiros e os marmeleiros estão em flor. O milho de algumas espigas que caíram durante a silagem está nascido no meio do nabal, onde os grelos se adiantaram e não sabemos se chegam ao Natal. Novembro foi quente e a primeira semana de Dezembro continua igual. Não está fácil para a agricultura, sobretudo para aquela que é mais sensível ao clima, por exemplo a fruta e a vinha. Mas nunca foi fácil para a agricultura e se houver investigação, tecnologia e partilha, a agricultura vai lutar, adaptar-se e resistir. Felizmente, o nosso sistema milho - erva - vacas estabuladas, apesar de ser tão criticado, é um dos mais resistentes às alterações climáticas. Os silos estao cheios e a erva está a crescer. Este campo de azevém que semeei no fim de Setembro já deu um corte e está pronto a dar outro, sem ter levado qualquer adubo ou estrume, apenas aproveitando o que sobrou do milho e o estrume liquido colocado antes da sementeira. Pela nossa parte (nossa, de todos os agricultores) , não vai faltar comida na vossa mesa.
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