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No início de Novembro, assim que terminámos as sementeiras, começámos a preparar a quinta para uma visita de gente pequena mas muito importante: os colegas da escola do Luís, do primeiro ao quarto ano. No dia de S. Martinho, tentámos receber bem aqui em casa tal como ele foi bem recebido na escola e também, na posição de "embaixadores" da agricultura, mostar o melhor possível como os agricultores cultivam os campos e criam animais para alimentar a população, para que os miúdos saibam que o leite não nasce no supermercado.
Falei da história da nossa família e da "casa de lavoura", expliquei a função do Sinal, respondi a muitas perguntas, mostrei as vitelas, as novilhas e as vacas e o "passaporte sanitário" que é o seu boletim de vacinas. As crianças deram feno aos vitelos e novilhas. Em pequenos grupos viram o robô a ordenhar as vacas que esperavam em fila pela sua vez. Os miúdos sentiram a temperatura do leite quente, acabado de ordenhar, no vaso de vidro do robô. Meteram as mãos no milho e desfolharam algumas espigas na eira improvisada com os tratores à volta (Era isso que os tratores faziam reunidos ao sol, num vídeo que mostrei dias atrás). Sentiram o cheiro do feno, da silagem e do estrume, porque não há rosas sem espinhos. No final, enquanto viram alguns vídeos sobre colheita de milho silagem e milho grão e a transformação e embalamento do leite na fábrica da Lactogal, foi a hora do lanche que incluiu leite chocolatado que a Agros nos ofereceu para esta visita, junto com um pequeno livrinho sobre a origem do leite. Foi um gosto receber estes meninos, as professoras e auxiliares.
Antigamente, prever o tempo para além das horas seguintes era um exercício de adivinhação. Víamos uma “barra ao mar” e sabíamos que vinha chuva no dia seguinte. Com o céu muito vermelho ao pôr do sol tínhamos um sinal de calor. Ver as andorinhas a voar baixo era e sinal de chuva, porque as moscas também estão mais baixas (e já agora, ferram mais, porque tem que guardar provisões antes da chuva).
Há uns 30 anos, as previsões eram muito genéricas e para uma previsão mais específica tinha de se ligar para uma linha de valor acrescentado do Instituto de meteorologia. Um dia algum colega mais desenrascado, querendo cortar erva, precisava saber se teria dias suficientes de sol para secar, de modo a fazer feno. Ligou para o nosso aeroporto, então chamado “Pedras Rubras” e pediu informações. A coisa espalhou-se e foi muito útil durante algum tempo até que os funcionários do aeroporto se cansaram de dar informações a cada vez mais agricultores.
Nos últimos anos, as previsões tornaram-se mais precisas, pelo menos até 10 dias e muitos sites oferecem, de forma gratuita, previsão de chuva e vento quantificados para cada local. Todas as previsões são, como o nome indica, previsões, não são garantias e têm um grau de falibilidade. Ainda assim, há sites que nos permitem comparar as previsões dos vários “modelos” que se baseiam em diferentes computadores e fontes de informação, como as estações meteorológicas e os radares meteorológicos. Se pagarmos, podemos ter informações mais precisas e atualizadas.
Ora acontece que nós já pagamos, com os nossos impostos, o IPMA, Instituto português do mar e da atmosfera, que apresenta as suas previsões de forma muito genérica e que, na minha opinião, devia quantificar as previsões com o número de litros de chuva por metro quadrado e os kms/hora de vento previsto, como fazem sites como o windguru ou weather underground. Estou convencido que tem essas previsões disponíveis, mas não estão à vista como nos sites que referi.
Um último ponto: temos observado nos últimos anos, com mais frequência, fenómenos extremos de chuva, vento e temperaturas que afetam a agricultura e muitas vezes põe em risco os bens e a vida das pessoas . Por isso acho super-importante dar ao instituto de meteorologia todos os meios necessários para terem à disposição a melhor tecnologia existente e, por outro lado, para além de quantificar as previsões, fazê-la chegar rapidamente às pessoas em caso de alerta grave, para não suceder o que aconteceu em Valência.
Em casos extremos, como tivemos a tempestade Kirk, que estava prevista desde 10 dias antes de ocorrer, penso que os governantes devem ajudar a divulgar a informação e apelar às pessoas para se protegerem (como fazem os governadores nos Estados Unidos em caso de furacões).
E devem também dar mais formação sobre os fenómenos meteorológicos, porque o desconhecimento aliado à facilidade de espalhar qualquer teoria trouxe-nos a um paradoxo. Até à pouco tempo as pessoas duvidavam da capacidade dos meteorologistas preverem o estado do tempo. Agora acham que os meteorogistas manipulam o tempo. E os meteorologistas que deviam estar a investigar têm de passar o tempo a explicar e discutir com quem leu umas coisas na Internet e acha que sabe mais do que Acontece o mesmo na saúde e na agricultura.
Em Valência, os agricultores não falharam. Falhou muita coisa e muita gente, mas não falharam os agricultores. Pouco tempo após a catástrofe, foram com os tratores ajudar a limpar a lama e o entulho das ruas inundadas e depois de uns foram outros. Li uma frase muito forte alguns dias mais tarde, algo deste género: “Estais a ver aqueles tratores que vieram ajudar? São os agricultores locais. Lembrem-se deles também quando estiverem no mercado a escolher as vossas compras!”
Os agricultores espanhóis não são melhores nem mais generosos que os agricultores marroquinos, argentinos, portugueses ou de qualquer ponto do mundo. Eram os que estavam próximos e podiam ajudar.
Aposto que foram agricultores de todos os tipos, grandes e pequenos, horticultores ou “ganaderos”, biológicos ou convencionais, intensivos ou extensivos, como às vezes gostamos de classificar e catalogar, com um julgamento moral subentendido. Foram os que tiveram tempo, disponibilidade e “ganas” de ajudar. Não foram todos, uns porque não puderam, outros porque não quiseram, porque os agricultores são como as pessoas, há um pouco de tudo. E, como na guerra, também a família ou outros funcionários ficaram em casa a aguentar o barco e assumir as tarefas sozinhos enquanto alguns saíram para ajudar.
Foram com tratores grandes e pequenos, novos e velhos, de todas as cores e marcas, herdados dos pais (atenção à taxa de 40% sobre a herança de terra agrícola que o governo inglês quer impor, livrem-se de copiar isso!), tratores comprados usados ou comprados novos com os “subsídios” que tanta inveja causam, apesar de haver cada vez haver menos agricultores e menos jovens no setor.
Foram desimpedir as ruas com os tratores que normalmente impedem os condutores apressados de chegar tão rápido como queriam e às vezes causa longas filas de “seguidores”, sabe-se lá com que palavrões, que felizmente não ouvimos porque a cabine é insonorizada e mesmo que não seja o trator faz muito barulho. Barulho que faz algumas pessoas chamar a polícia quando tentamos fazer as colheitas à noite, antes que venha a chuva e o vento.
Foram com as cisternas que escoam a água ou combatem incêndios, com as mesmas cisternas que levam o estrume líquido para a terra e por causa das quais também muitas pessoas chamam a polícia (nunca me vou esquecer de quando o Sr. Maia me telefonou a dizer “Não vás agora ao campo porque a polícia anda à tua procura”).
Numa situação de catástrofe, mesmo que tudo esteja preparado e corra bem (o que manifestamente não aconteceu, mas essa discussão é para outro momento e outro local que não este post e esta página), é importante mobilizar toda a sociedade e todos os meios. Tal como aconteceu com os incêndios em Portugal, onde, entre muitos heróis, tivemos o exemplo do jovem que combateu o fogo na sua aldeia com alguns amigos e o trator do avô, com o motor de arranque avariado (se alguém os conhecer, diga-me se já repararam o Massey Ferguson 240, por favor), também nas cheias de Valência tivemos a prova da importância de ter uma agricultura viva, capaz de produzir alimentos, ocupar o território… e ajudar nas emergências.
#carlosnevesagricultor #agricultura #valencia #cheias #inundaciones
Vi esta imagem há meses, sem indicação do autor. Discordo. Sugere uma ideia repetida nos últimos anos com tal insistência que se tornou “senso comum”. Segundo essa ideia, a fruta maior e mais bonita é produzida ou conservada usando venenos (pesticidas), enquanto a fruta mais feia e mais pequena é produzida “sem venenos”. Pode ser uma imagem enganadora.
O medo é uma emoção essencial à nossa sobrevivência, porque nos afasta dos perigos, mas é também uma emoção aproveitada para nos manipular de modo a afastar-nos de umas escolhas e conduzir-nos para outras, regra geral, para o negócio que interessa a quem instiga esse medo.
Mas então não será preferível comer fruta feia sem resíduos de pesticidas em vez de fruta bonita com venenos? Certamente que é preferível comer fruta sem resíduos, seja feia ou bonita. O problema é que a beleza da fruta, das hortícolas ou das pessoas, por si só, não é garantia de nada.
Duas caixas de fruta, pequenas ou grandes, feias ou bonitas, sãs ou com pontos de podridão, podem ter sido produzidas no mesmo pomar, submetidas aos mesmos tratamentos, e ter sido feita uma escolha separando por calibre e por aspeto ou estado de conservação.
É muito provável que ambas tenham sido tratadas com pesticidas, porque se não combatemos as pragas e doenças a produção é reduzida ou pode ser toda destruída. Poderão ter sido usados pesticidas de origem natural ou de síntese, mas para terem efeito protetor terão que ser “venenosos” em relação às pragas e doenças. Por isso, procurar o selo de certificação do modo de produção na embalagem (biológico, produção integrada ou outro sistema), é mais importante do que o aspeto da fruta.
Pode ter acontecido muita coisa. Pode ter acontecido que na fruta com bicho, com pior aspeto, tenham sido usados um ou vários pesticidas, mas pesticidas errados ou na dose errada, enquanto na fruta mais bonita foi tudo feito de acordo com as regras.
No limite, pode ter acontecido que ambas as frutas tenham sido tratadas com o mesmo produto, mas por causa da dose ou da data de aplicação uma das frutas já não tenha resíduos, já tenha passado o devido intervalo de segurança (intervalo de tempo) e na outra ainda haja resíduos.
Há pessoas que vivem assustadas com a ideia de serem usados produtos químicos na produção de alimentos. Mas os pratos onde comem todos os dias também são lavados com um produto químico (detergente), só que nas últimas lavagens a água arrasta os resíduos do detergente. Também na comida, o importante é que não fiquem resíduos, e isso garante-se usando produtos legais, aplicados por pessoas com formação, seguindo conselho técnico, usando equipamentos afinados, com a dose correta, aplicada da forma correta, na data indicada e respeitando o intervalo de segurança e fazendo controlos.
Por outro lado, pode acontecer que não tenha sido feito qualquer tratamento, pode não haver qualquer resíduo de produto químico, mas o alimento estar contaminado com sujidade que pode conter bactérias que causam doenças mais ou menos graves.
O meu ponto é o seguinte: pode ter acontecido muita coisa que não podemos adivinhar ao tirar conclusões precipitadas através do aspeto, seja feio ou bonito.
Acusar a fruta mais bonita de ter veneno é como acusar os vencedores de uma corrida de usarem doping ou os estudantes com melhores notas de copiarem. Ora nós sabemos que "copiar" ou "dopar", só por si, não é garantia de bons resultados. De Doping não tenho experiência, mas do tempo da escola lembro-me que quem copiava, regra geral, era quem estava mais atrapalhado e mesmo a copiar muitas vezes tirava as piores notas. Insisto: a seriedade de agricultores, estudantes ou desportistas não se pode determinar apenas ordenando ao contrário a tabela de resultados.
Eu não sou produtor de fruta para vender. Não escrevi isto para me defender. Tenho apenas uma dúzia de árvores no pomar que às vezes produzem bem, outras vezes não produzem e muitas vezes dão apenas fruta pequena e feia, porque não faço os tratamentos que devia. Gosto de comer essa fruta de casa e também do mercado, de uma pequena loja ou do supermercado. E sei que uma loja ou supermercado tem que ter mais cuidado a analisar e controlar regularmente os alimentos que vende, porque se for encontrada uma peça de fruta ou uma alface contaminada numa loja, os consumidores de todo o país vão fugir dessa cadeia de supermercados.
Uma ressalva: Este texto não é, de modo nenhum, uma crítica a um projeto fantástico chamado "fruta feia", que coloca à venda as frutas fora de calibre, com pior aspeto. É ótimo evitar o desperdício de fruta que esteja boa, só por ter mau aspeto, mas ter mau aspeto também não quer dizer que seja boa. Só isso.
Tanto quanto possível, tenha o seu pomar ou uma fruteira no jardim. Tanto quanto possível, compre produtos locais ou nacionais. Tanto quanto possível, compre fruta e hortícolas da época, numa dieta completa com um pouco de tudo, mas sem medos irracionais que parecendo lógicos são enganadores. Adaptado do que escrevi para os leitores do Mundo Rural em setembro-outubro de 2024. Bom apetite!
Últimas sementeiras das últimas parcelas, última selfie das sementeiras e penúltima vez que tive de escoar a semente da tremonha do semeador para trocar de sementes... Olhei para o tabuleiro, achei que dava uma foto bonita e ao publicar achei que dava um bom passatempo adivinhar o que era e deu muitos comentários no meu Facebook ... O que está aqui são sementes, se correr bem vai ter o mesmo aspeto que teve no ano passado, como podem ver nas imagens. É uma mistura de sementes leguminosas, nomeadamente tremoços, tremocilha, ervilhaca, serradela e trevo encarnado. Há também uns grãos de aveia que tinham ficado da mistura anterior, não fazem mal mas não fazem parte da mistura original. As sementes estão "inoculadas" com Rhizobium, tem uma espécie de calcário para fixar o Rhizobium, que é uma bactéria que vive no solo e num processo de simbiose (benefício mútuo) fixa o azoto em pequenos nódulos nas raízes das leguminosas. No início da primavera esta cultura é cortada, triturada e enterrada, servindo como "Adubo verde" para alimentar a cultura seguinte, neste caso, milho, aumentando também a matéria orgânica no solo. Faço isto apenas numa parcela que fica muito distante da vacaria (é longe para levar estrume) ou onde não posso levar meter estrume, por difícil aceso ou outras razões. No resto da área, em 95% da área que cultivo, como fazem todos os agricultores meus vizinhos, semeio erva para alimentar os animais e com os excrementos dos animais fertilizo a terra. No entanto, para quem não precisa de erva, acho que esta técnica é de considerar...
#carlosnevesagricultor #proterra #leguminosas #rhizobium #sideração
“Quando vires as barbas do teu vizinho a arder, põem as tuas de molho”...
...e se o vizinho estiver com ”água pela barba”, prepara-te para a inundação!
Impressionantes as imagens da tragédia e os números de mortos e desaparecidos que nos chegam de Valência, Espanha. Esta semana, na Rádio Renascença, Ana Galvão, ao relatar a história de sobrevivência de uma jovem, contou também de forma emocionada como os tratores agrícolas estavam a ser importantes para ajudar nas limpezas da lama após as inundações. Entretanto tornaram-se virais as imagens de dezenas de tratores a chegar a Valência para esses trabalhos.
Sem querer ser oportunista, penso que é oportuno lembrar que a importância da agricultura ultrapassa a produção de alimentos.
A agricultura, os agricultores e os tratores que por vezes incomodam na estrada, que às vezes até levam alguma lama dos campos para a estrada, também servem para limpar as estradas nestas situações em que os bombeiros, autarquias e exército não chegam para acudir a tudo e a todos ao mesmo tempo. As cisternas, que às vezes incomodam ao fertilizar a terra com os excrementos dos animais, e por causa das quais algumas pessoas chamam a polícia, são as mesmas que servem para proteger as casas dos incêndios ou acudir nas inundações. Os campos junto às linhas de água servem para a água se espalhar e reduzir velocidade em vez de inundar rapidamente as zonas urbanas.
Há cerca de 15 anos, também aqui na minha freguesia houve inundações e o presidente da junta de então veio pedir aos agricultores para ajudarem os bombeiros pois só tinham pequenas motobombas incapazes de escoar as caves inundadas de alguns prédios.
A nossa situação não será muito diferente de outras no país. Temos uma ribeira que é um fio de água ao longo de todo o ano. Parte dos seus braços afluentes secam no verão, mas entretanto nos últimos 30 anos, na sua pequena “bacia hidrográfica” foi construída uma autoestrada, uma zona industrial, foi duplicada a linha do comboio para receber a linha do metro e foram construídas muitas casas. Tudo coisas que impermeabilizaram áreas onde a água antes se infiltrava ou escorria lentamente. A hipótese de uma chuva forte causar inundações aumentou. E, como vamos observando, as hipóteses de haver eventos extremos como chuva ou vento forte são mais frequentes.
É verdade que pouco podemos fazer perante fenómenos dantescos, mas será que fizemos esse pouco? Será que as nossas autarquias e governos fizeram tudo o que podiam para limpar as linhas de água ou seguiram a velha máxima romana de “pão e circo”, nas festas no Verão como a cigarra da fábula de La Fontaine? O dinheiro nunca chega para tudo e haverá que escolher as prioridades.
Assim como se ensinaram as populações rurais a proteger-se dos incêndios no centro da aldeia, não haverá nada a treinar sobre inundações nas zonas baixas das cidades? Estamos a dar todos os meios aos meteorologistas para fazerem as previsões? Essas previsões estão a ser comunicadas de forma clara, objetiva e eficaz? Em países que costumam ser afetados por furacões vemos os governadores a avisar as pessoas para se protegerem. Não ficaria mal e não custará muito se os nossos governantes fizerem o mesmo. Temos de aumentar a nossa cultura de segurança e prevenção, porque vai fazer cada vez mais falta. Como a agricultura.