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Histórias da história das regas

por Carlos Neves, em 27.08.24

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Durante séculos, os agricultores da minha região regaram os terrenos com “engenhos”, tocados por vacas ou mulas, que tiravam a água de poços. Os poços estavam no ponto mais alto dos terrenos e a água corria por gravidade, regando por alagamento, “ao rego”. Ainda era assim quando o meu pai nasceu e cresceu. Ainda hoje se rega muita área por alagamento, desconheço se ainda funciona algum engenho desses. Há 73 anos, o meu pai comprou o primeiro motor de rega a petróleo, da marca “Winsconsin”. Havia outros motores, Bernard, mais caros e com um som característico. Há 60 anos comprou o primeiro trator, este Fordson Super Dexta e meia dúzia de anos mais tarde esta bomba de rega para o trator, “Perrot”. Os três trabalharam em conjunto por mais de 35 anos consecutivos, nos meses de verão, tirando água de uma pequena ribeira e de pequenos poços onde em tempos funcionou o “engenho” tocado pelas vacas.

 Depois de fazer a ordenha e alimentar as vacas pela manhã, o meu pai saía com o trator, a bomba, o aspersor, o tripé e meia dúzia de canos de rega (tubos de plástico com 56 metros) tudo encavalitado no trator. Tivemos “canos de rega” brancos da “Facar”, com uns fechos que parecem molas da roupa, depois tubos amarelos e por fim tubos brancos com engates azuis e orelhas brancas, da Heliflex, acho…

Há cerca de 15 anos a bomba de rega deixou de ser necessária e ficou arrumada. O trator foi destinado à limpeza diária do estábulo. Deixámos de cultivar um terreno mais pequeno, deixámos de regar outros e no campo maior colocámos motor elétrico com sondas de nível e comando à distância por telemóvel.

Entretanto surgiu a oportunidade de cultivar novos terrenos, com água de rega disponível mas sem eletricidade e a bomba de rega voltou ao serviço com outros tratores. Agora, neste fim de verão e de tempo de rega, uma pequena avaria no Massey-Ferguson fez-me voltar a colocar o “velhinho” Ford Dexta ao serviço, agora que já está livre do trabalho diário na vacaria. Trabalhou 3 dias e portou-se bem.

Para ligar a bomba de rega às mangueiras que conduzem a água usamos engates “Bauer”, em metal, com uma pequena alavanca e ganchos. Ao conduzir o trator num caminho de pedras ou numa estrada irregular, esses engates pendurados na bomba de rega têm um tilintar característico. Não é igual às campainhas que anunciam o compasso, mas é um tilintar que anuncia… o trabalho da rega. Há dias, ouvi esse tilintar do trator a voltar a casa conduzido pelo Hugo, recuei na memória até à minha infância e lembrei-me do meu pai a voltar da rega e fiquei a pensar no que já andámos para aqui chegar…

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publicado às 21:16

Os portões da sucessão na agricultura

por Carlos Neves, em 10.08.24

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Sobre a “sucessão nas empresas agrícolas”, Marcelo Cavalcanti, agricultor brasileiro e formador na empresa “Agrotalento”, num curso em que participei, contou que, no Brasil, as grandes fazendas de criação de gado tem várias cercas desde a entrada da rua até chegar ao centro da fazendo onde estão a casa, os armazéns e abrigos dos animais. Quando é preciso entrar ou sair da fazenda de carro, se os filhos acompanham os pais na viagem, é normal serem as crianças, a partir de certa idade, a sair do carro, abrir o portão da cerca e fechar o portão depois do carro passar. «As crianças ficam muito orgulhosas com essa tarefa, mas tem gente com 30, 40 e 50 anos que continua a ser apenas o “abridor de portões” da fazenda».

Esta história lembrou-me outra que já contei no meu blog e nas redes sociais. Há alguns anos, no programa “Parabéns” que tinha na RTP, Herman José, para celebrar Alfredo Marceneiro, entrevistou um neto do fadista:

- O que faz na vida?

- Sou reformado do cinema. 

- Que idade tem?

- 48.

- Ui! Se fosse agricultor ainda era jovem!

Herman exagerou, mas pouco. Em Portugal podemos ter o estatuto de “jovem agricultor” até aos 40 anos. Isto significa que podemos “instalar-nos” ou melhor, apresentar ao Ministério da Agricultura um “projeto de instalação e investimento” até ao dia anterior a completar 41 anos. Depois de muita burocracia e com a formação exigida, podemos receber um “prémio de instalação” a fundo perdido, uma majoração nas ajudas e prioridade no acesso a essas ajudas. 

Há algumas razões para este limite de “40 anos”, quando se costuma considerar 30 anos a idade para ser “jovem”. Esta regra foi um pedido à Europa dos países do Sul, porque a instalação de um jovem agricultor ocorre por sucessão, portanto é preciso esperar que o pai se reforme.

Em Portugal os agricultores costumam ser como as árvores – morrem de pé. Trabalham até não poder mais. Isto acontece por necessidade, porque as pensões de reforma são muito baixas, mas às vezes também por teimosia, por quererem continuar a mandar na empresa agrícola até não poder mais. Deixar o “poder” é difícil. Preparar essa transição é um desafio. São frequentes as queixas de falta de sucessão na agricultura. Há muitas razões para isso, mas devemos começar pela nossa parte, por dar progressiva autonomia aos jovens, para que sejam capazes de tomar decisões.

A sucessão deve ser preparada com tempo e com diálogo entre todos os membros da família. Quem vai “deixar” a empresa deve fazer contas ao rendimento que precisa para a “reforma”. Deve pensar que tarefas vai continuar a fazer, e a que novas atividades se vai dedicar (bricolage, jardim, quintal, turismo…) para deixar os mais novos tomarem decisões e responsabilidades. Quem vai assumir deve fazer um plano de negócios para ver se vai ter rendimento para si, para desenvolver a empresa e para pagar a “renda” a combinar aos pais ou irmãos co-herdeiros, se for caso disso.

Há depois a formação agrícola, essencial, que pode ser no ensino profissional ao nível secundário ou no nível superior.

Haverá também que procurar bons estágios, para além da experiência “de casa”, para que os novos agricultores possam ganhar “mundo” e experiência para além da empresa familiar onde se poderão instalar.

Há depois todo o contexto do mercado, do valor dos produtos agrícolas e do valor da agricultura na sociedade. Se os filhos crescem a ver os pais em dificuldades financeiras, desanimados, naturalmente vão fugir e procurar uma vida melhor fora da agricultura. 

Se a sociedade desvaloriza a atividade agrícola ou condena a agricultura desde os livros escolares como atividade poluente, causadora do aquecimento global e que maltrata os animais, cada uma destas etapas é um “puxão para baixo” no futuro da agricultura.

Há um provérbio que nos diz “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Também a preparação dos futuros agricultores, sendo uma decisão pessoal, é responsabilidade da família e da sociedade. (escrito para o Mundo Rural de Julho e Agosto de 2024)

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publicado às 22:08

Sorria, está no Algarve

por Carlos Neves, em 02.08.24

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Temos esta placa no nosso jardim, em Árvore, Vila do Conde. Foi colocada pelo meu pai há uns bons pares de anos, quando remodelou o jardim, talvez inspirado por outras placas mais conhecidas, as que diziam "Sorria, está na Maia" que encontrávamos na nacional 13 a caminho do Porto.
Serviu para fazer sorrir quem nos visitava e para nos divertirmos. Quando perguntava à minha mãe "onde está o pai" a resposta era "está no Algarve".
O Algarve não era destino de férias do meu pai. Quando era mais novo, limitado pelo trabalho, não podia ir mais longe do que a "Praia de Árvore". A partir da altura em que pôde sair porque eu já ficava a substituir, preferiu viajar pelo mundo. Nos últimos anos da vida, teve aqui o seu espaço para ler, descansar e apanhar sol.
Nem sempre podemos ir para o Algarve, mas quase sempre podemos arranjar o nosso espaço de descanso dentro dos nossos limites.
Li um dia que "A vida é como um cobertor curto. Puxamos para cima e destapamos os pés, puxamos para baixo e destapamos a cabeça, mas as pessoas que encolhem um pouco as pernas conseguem dormir aconchegadas".
Desejo-vos boas férias, dentro do que for possível...
#carlosnevesagricultor
#férias

 

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publicado às 20:38


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