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Antigamente não era melhor

por Carlos Neves, em 29.12.23

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Numa recente publicação da minha página do facebook sobre o percurso do leite desde a vaca até à fábrica, perante o relato de como decorria o processo de recolha do leite há 60 anos, sem refrigeração e pasteurização, alguém comentou:  “Bons tempos. Agora já nem sei se é leite que bebo". Não respondi na altura, porque este pensamento, muito comum, precisa de uma resposta mais longa e fundamentada.

O valor de uma coisa depende da quantidade em que existe no mundo, da quantidade que temos e da falta que nos faz (no fundo, da oferta e da procura). Ouro e diamantes valem muito porque são raros, mas se estivermos numa estrada do deserto e longe de tudo, uma garrafa de água vale mais do que ouro nesse momento.

Quando temos fome, damos valor aos alimentos. Quando sentimos que existe risco para a saúde, damos valor à segurança dos alimentos. Na nossa sociedade, no “mundo ocidental”, temos fartura. A maioria das pessoas tem dinheiro suficiente para comprar comida e tem a poucos metros de casa ou à distância de um clique uma enorme variedade de alimentos seguros e controlados, mas também tem saudades da sua infância passada no campo onde viveram os seus avós e tem saudades porque era mais jovem, tinha mais saúde, mais sonhos e mais anos de vida pela frente, mas a vida não era mais fácil e o leite não era melhor.

Antes de haver máquinas de ordenha, tanques frigoríficos para guardar o leite e fábricas para pasteurizar e tirar gordura do leite, as vacas eram ordenhadas à mão, em cima do estrume, debaixo de pó e o leite era transportado em bilhas de metal levadas por carroças, sem arrefecer, até à fábrica ou ao consumidor da cidade. Na primeira metade do século XX, a qualidade da leite era tão baixa que surgiram em Portugal modernas vacarias ou “lactários” dentro das cidades, promovidas por benfeitores ou pelas autoridades, para alimentar as crianças mais pobres com leite melhor do que era levado do campo pelas leiteiras, as senhoras que transportavam e vendiam leite. Não havendo cadeia de frio, era preciso adicionar algum conservante ao leite. Não havia análises. Muitas crianças nasciam mas não sobreviviam até à idade adulta por causa da fome e de doenças de origem desconhecida, muitas vezes devido à falta de higiene.

Hoje as vacas são criadas em modernos estábulos muito melhores do que os velhos “aidos”. Têm acompanhamento veterinário. São obrigatoriamente controladas para as doenças que se podem transmitir aos humanos . São ordenhadas com máquinas de ordenha que se lavam automaticamente com água quente e detergente. O leite é imediatamente arrefecido, armazenado no tanque frigorífico e transportado em camiões isotérmicos até à fábrica onde não pode entrar sem ser analisado para garantir que não tem resíduos de antibiótico. É filtrado, homogeneizado, pasteurizado ou ultrapasteurizado para eliminar as bactérias patogénicas e podem tirar-lhe uma parte da gordura. É colocado em embalagens esterilizadas e não leva conservantes, podendo dispensar a conservação em frio no caso do leite UHT. É certo que nesse processo perde algum sabor, mas é mais fácil, mais barato e mais cómodo de transportar, conservar  e consumir. É a forma mais razoável de oferecer o leite ao consumidor de forma segura e económica.

Houve uma evolução equivalente na produção da manteiga, do queijo e dos iogurtes. Mantém-se e recuperam-se produtos artesanais e todos os dias surgem novidades no mercado. Apesar de todos os ataques ao “leite” por parte de quem pretende ocupar o “espaço no estômago” com outros produtos mais caros e menos nutritivos, os corredores de supermercados têm uma variedade enorme de leite para beber, de queijos, de iogurtes e agora recentemente muitos produtos à base da proteína do leite. Produzimos um alimento com 10.000 anos de história e temos motivos para dar valor a toda a evolução, toda a tecnologia e toda a gente que trabalha na cadeia do leite para oferecer ao consumidor toda esta variedade de alimentos com mais controlo e segurança alimentar do que existia “antigamente”.

Publicado em https://vacapinta.com/es/hemeroteca/vaca-pinta-42.html



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publicado às 22:35

Um vídeo de Natal que vale a Pena ver

por Carlos Neves, em 22.12.23
Vídeo de Natal do Projeto LEITE É VIDA e da APROLEP - Associação dos Produtores de Leite de Portugal
Protagonizado por jovens produtores de leite de Barcelos, Famalicão e Vila do Conde.
https://www.youtube.com/watch?v=4K5LAskNIHc 

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Feliz Natal das nossas famílias para as vossas famílias.
Que este Natal seja recheado de amor, saúde e paz.
Nós, produtores de leite, vamos continuar a fazer o nosso melhor para alimentar os portugueses. Festas Felizes!

 

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publicado às 14:00

Ajudar quem me ajudou

por Carlos Neves, em 04.12.23

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Ao longo do ano, fui partilhando nas minhas páginas das redes sociais (“carlosnevesagricultor” no facebook, instagram, web e youtube) imagens dos meus trabalhos agrícolas. Na época de colheita do milho para silagem, tenho mais trabalho, mais motivos para fotografar e mais imagens para partilhar. 

Em certas ocasiões, coloco a legenda “ajudar quem me ajudou”, para não enganar as pessoas que ficariam a pensar que eu cultivo uma centena de hectares e nunca mais acabo de colher. Fico surpreendido pelos comentários e elogios que recebo, como se fosse caso raro. Será que a colaboração entre agricultores é um exclusivo da minha região?

Antigamente, as desfolhadas, as vindimas e outras colheitas eram motivo de convívio entre agricultores com as suas vastas famílias ou equipas de trabalho. Depois, há 50 anos, as desfolhadas foram trocadas pela silagem individual feita com os pequenos tratores e máquinas que cortavam uma linha de cada vez, e cada família de agricultores passou a guardar o seu milho...

Conforme escrevi num texto sobre a silagem de milho, “uma das primeiras memórias que tenho com trator é de ir ao colo do meu pai a cortar silagem, devia ter 5 anos. Nesse tempo a silagem exigia-nos “abrir caminhos à foucinha” antes de poder entrar com o trator (não se deixavam caminhos de rega no meio dos campos) e meter esse milho “à posta” para dentro da máquina – trabalho duro e moroso, agravado num ano de inverno precoce que nos obrigou a cortar dois lameiros assim, com a foucinha e levar manualmente para a máquina. Foi com essa máquina que comecei a ensilar. Como eu ainda era pequeno a minha mãe andava comigo no trator a ajudar e o meu pai transportava a silagem. No silo, outra trabalheira, a silagem era espalhada com ancinhos e forquilhas antes de ser calcada com o trator que, aprendemos todos mais tarde, também serve para espalhar sem precisar de ganchos e forquilhas.

Era com uma dessas máquinas que andava a ensilar a 11 de setembro de 2001, quando caíram as torres gémeas em nova Iorque. Nesse ano já só ensilei um campo mais distante dessa forma, porque desde o ano 2000 que passámos a recorrer à prestação de serviço de corte de silagem com automotriz. Nessa altura os vizinhos receberam a “novidade” com críticas e desconfiança, mas rapidamente se renderam e aderiram. Agora fazemos num dia o que demorava um mês antigamente.

Trocar as pequenas máquinas de ensilar pelas grandes automotrizes de cortar milho exigiu chamar novamente os vizinhos agricultores com vários reboques para ajudar na colheita. Já não vem toda a aldeia à procura do milho rei, mas como agora somos poucos agricultores, vem quase todos os agricultores de cada aldeia... e depois cada um de nós vai com o reboque ajudar a recolha da silagem do milho dos vizinhos que nos ajudaram... ou da silagem de erva... e da "festa" da desfolhada de antigamente passámos para um almoço-convívio de trabalho, na casa de casa um ou no restaurante mais próximo.”

No último desses almoços de silagem deste ano de 2023, numa mesa de restaurante reservada como “lavrador – 8 pessoas” (achei este detalhe delicioso como a comida), aqui numa freguesia vizinha, fiz uma sondagem e confirmei que 90% dos agricultores dessa freguesia colhem o milho para silagem desta forma, em equipa, em “sociedade”.

As “sociedades de silagem” procuram-se constituir entre agricultores de proximidade, amizade, família e dimensão aproximada (não seria justo pedir ao vizinho para me ajudar a guardar 20 hectares em dois dias se ele apenas vai precisar da minha ajuda em metade da área e do tempo). 

Trabalhar desta forma permite-nos conviver (muito importante para quem passa muitas horas sozinho no trator ou com os animais), aprender formas diferentes de executar as tarefas rotineiras e rentabilizar o equipamento que temos (tratores e reboques). Trata-se de um negócio de “troca direta”, não é uma forma de solidariedade como acontece quando alguém é vítima de uma doença, de um acidente ou tempestade em que os vizinhos se juntam para ajudar.

As opções de fazer a silagem sozinho com o equipamento que já temos ou contratar a prestadores de serviços o “trabalho completo” da silagem também são igualmente legítimas, respeitáveis e podem ser economicamente as mais corretas. No imediato, fica mais barato pagar todo o trabalho do que investir num trator e num reboque grandes que vão trabalhar poucas horas. Além disso, nas horas em que vamos trabalhar para os vizinhos deixamos para trás o cuidado dos animais e outras tarefas necessárias. São tudo fatores a considerar, todas as opções são legítimas e devemos ponderar e respeitar as escolhas que cada agricultor faça em liberdade. Há muitas regras que os agricultores são obrigados a respeitar, por causa do ambiente, das alterações climáticas, da segurança alimentar e do bem-estar animal, regras obrigatórias para receber as ajudas da PAC, mas na forma de colher o milho ainda podem fazer escolhas como empresários livres! Boas colheitas, bons trabalhos, bons convívios, com os colegas, com os amigos ou com a família. E boas festas!

(escrito para o Mundo Rural Novembro Dezembro 2023)

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publicado às 19:23


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