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No livro “As Guerras do Trigo” (Edições Zigurate, 2022), o autor Scott Reynolds Nelson percorre os últimos 12 000 anos da humanidade para explicar como o controlo e organização da produção, armazenamento e distribuição do trigo para o fabrico do pão condicionou a história dos impérios e das guerras que os formaram e destruíram. A narrativa deste livro começa precisamente em Odessa, o porto Ucraniano cujo bloqueio na atual guerra aumentou o preço dos cereais e colocou em risco a alimentação de muitos países, em particular dos mais pobres, até que um acordo mediado pela ONU e pela Turquia permitiu retomar a exportação.
Não é meu objetivo fazer um resumo das 382 páginas do livro, mas apenas partilhar um aspeto que me chamou a atenção na página 158, num capítulo relativo ao período entre 1864 e 1884, quando a Europa abriu as suas portas ao trigo americano para combater a terrível fome causada pelo míldio da batata. Na Bélgica, Antuérpia tornou-se um dos principais portos de entrada e processamento do trigo. O farelo e a sêmea que sobravam da moagem foram usados para alimentar porcos e vacas. “Os agricultores de Antuérpia e das regiões que se estendiam pelo Reno e pelos seus afluentes trocaram os arados por pocilgas, os campos por pastagens e as plantas por animais (…) os trabalhadores europeus começaram a consumir alimentos a que apenas os mais abastados tinham tido acesso até então, como manteiga, bacon, queijo e chocolate”.
Reparei neste pormenor porque, para além da guerra do trigo na Ucrânia, temos atualmente no mundo ocidental uma guerra à proteína animal presente na carne, leite, ovos e até peixe, tendo as rações como pilar fundamental da criação. Uma das armas mais usadas nesta guerra é a acusação de que a produção de alimentos para a pecuária ocupa a maior parte das terras agrícolas no mundo bem como os novos terrenos que resultam da desmatação de florestas. Na realidade, para além de muitas das terras usadas para pastagem não terem capacidade agrícola, muitos dos cereais e proteaginosas são primeiramente destinadas à alimentação humana (óleo de soja, por exemplo) ou à produção de energia (biocombustíveis) e só os restos, os subprodutos, são incorporados nas rações: bagaços de soja, de colza, a polpa de beterraba, a polpa de citrinos, destilados de milho, etc, etc. Os animais, em particular os ruminantes, são "recicladores" de sobras que iriam para o lixo se não fossem desta forma aproveitados. Isto acontece naturalmente nas casas agrícolas onde o porco ou outros animais domésticos comem os restos do almoço e acontece no setor pecuário de forma organizada através das fábricas de rações.
Antiga jacista e responsável do “mundo rural”, a minha mãe nasceu em 1935 e faleceu em outubro de 2022. Em jeito de homenagem, partilho convosco os versos que ela escreveu para se rir com as visitas na convalescença de uma perna partida durante o trabalho agrícola em abril de 1995 que levou à colocação de prótese no fémur. (publicado na Revista Mundo Rural de janeiro - fevereiro de 2023)
Foi na nossa vacaria
Que dei um trambolhão,
Caí, tive muitas dores,
Mas era a semana da paixão
Foi no dia 4 de Abril,
Ai que grande aflição!
Caí, parti uma perna
Fui logo p'rá operação!
Dei um passo em falso,
Voei como o papel.
Comecei logo a gritar:
"And' aqui ó Manuel!"
Levou-me nos braços,
disse "que tens na perna?"
a almofada que me deu
foi um monte de erva.
O Manuel ficou aflito
porque eu tinha muitas dores;
mas eu tudo ofereci
pela conversão dos pecadores.
Como não era pesada,
mas tinha coisa quebrada,
chamou o Carlos Manuel;
eu já estava desmaiada.
O David e a Fernanda
vieram logo a correr,
para me ouvir gritar;
e ficaram sem comer...
Perguntaram "O que foi?"
Pois eu estava mal.
"O melhor e o mais rápido
é levá-la para o hospital".
Ao chegar à Clipóvoa
fiquei admirada:
O letreiro diz "Urgência",
mas de urgência não tem nada!...
Logo rezei ao Senhor:
"Oh! Pobres dos doentes!
Os especialistas foram embora,
e não tinham suplentes".
Passado um certo tempo
O radiologista teve esta saída:
"Olhe, minha senhora,
está partida e bem partida!"
Já era muito tarde
Quando o meu marido diz:
"Tem que ficar internada?"
-Tem, e esperar pelo Dr. Dinis!"
O Dr Dinis chegou e disse:
-"Tem que ser operada"
-"Mas eu tenho tantas dores!"
- Vai p'ró 310 e fica curada!
De enfermeiras e empregadas
eu não tenho que dizer;
Olharam-me para me ajudarem
e deram-me de comer!
Visitas, foram muitas,
apontei-as até ao fim;
Porque eu não me quero esquecer
de quem não se esqueceu de mim!
Tive oferta de flores
e uma visita fresquinha;
Foi o meu afilhado Álvaro
que levou a minha madrinha!
Quando a vi entrar
fiquei muito admirada:
Com noventa e três anos
veio visitar a afilhada!
Que tenha paciência,
toda a gente me diz:
Até o meu médico,
Que é o Dr. Dinis.
Que tenho bom aspeto
isso são lindas tretas;
Agora eu só posso
andar de muletas!
Até o Dr. Ferreira, homem sem tempo,
(todos veem, ninguém é cego);
Pedi-lhe um conselho, e ele disse:
"- Não meto estopa nem prego!"
Sexta-Feira Santa,
foi o dia de partida:
"é preciso ter coragem
que esta parte está vencida".
Todos rezaram por mim,
causaram-me grande alegria!
mas a penitência maior
foi a carta da secretaria...
Essa foi para o marido,
que é um homem sensato;
Perguntei: "- Quanto foi?"
"- Se ficares boa, foi barato!"
Dor de corpo e da carteira,
foram dois grandes degredos;
Mas lá dizia o ditado:
"Vão-se os anéis, ficam os dedos".
Que aprenda a andar,
eu vou obedecer;
Mas tenho tanto medo
de tudo desfazer...
No regresso à cozinha,
parecia um melro a dar à asa;
Telefonei aos irmãos e amigos:
"-Atenção: Já estou em casa!"
O Carlos e a Celeste
foram uns amores:
Regaram-me o Jardim
E eu já olhei para as flores.
A Celeste é mulher boa
que não gosta de discórdia;
Deu de comer a todos,
fez obra de misericórdia.
A Aldina visitou-me
com ternura e carinho;
Também veio arrancar
a margem do cebolinho.
Da Cachada veio o Álvaro
para comigo falar;
Ainda trouxe as filhas
que ajudaram a trabalhar.
Do Porto veio a Aurora
que tem coração de veludo;
Veio trazer os folares
e eu falei-lhe de tudo.
Dia de Páscoa alegre:
Jesus ressuscitou! Aleluia!
Veio o Armando com a Nini
para me fazer companhia.
De Rio Mau também veio
A Nelita, que é enfermeira;
Disse que eu estava segura:
"- Saia, deixe a cadeira!"
Querer andar e não poder
Deu-me muito que pensar
Mas agora, com perna de ferro,
isto é que vai ser andar!...
Veio o Armando do Penas
Que é um moço com gana;
Conseguiu trazer aqui
a minha irmã Ana!
A menina Anabela,
Que é minha vizinha
foi a minha companheira
para eu não estar sozinha.
Com as galinhas a pôr ovos
e os coelhos a crescer;
O Carlos Manuel perguntou:
"Quem os ovos vai vender?"
Chama cá a prima Lurdes
Que tem habilidade e canseira;
Ela ajuda , vende os ovos,
e traz dinheiro p'rá carteira!...
Agora na vacaria
Eu não meto a colher;
É pra eles darem valor
ao trabalho da mulher...
O Carlos Manuel dá aos vitelos,
faz tudo muito bem;
O Manuel tira o leite
E não ralha com ninguém.
"Jesus, Maria Santíssima"
E os santos a ajudar;
Os amigos a pedir
para eu poder andar.
Às vezes, ai, quantas vezes,
adormecer bem queria;
mas quem faz versos não dorme,
não tem essa regalia.
há um ditado que diz:
"Virtude é saber ouvir"
Peço desculpa a todos
Escrevi isto só p'ra rir!...
Sem Jesus não somos nada,
disto eu estou ciente;
espero ficar boa;
Deus é Omnipotente.
Adélia Dias Figueiredo (1935-2022)
Nos últimos meses, nos Estados Unidos, o preço dos ovos subiu para valores nunca vistos, passando os 5 dólares por dúzia (4,6 euros). Para acalmar as pessoas assustadas com o preço dos ovos e as teorias da conspiração que entretanto surgiram, o meu colega Derrick Josi, mais conhecido por TDF Honest Farming, publicou um pequeno vídeo. Não sendo produtor de ovos, ele é agricultor e produtor de leite no Oregon e apresentou 3 razões para a subida do preço dos ovos:
Primeira razão, o aumento dos custos de produção, sobretudo combustíveis, energia e rações para alimentar as galinhas à base de cereais;
Segunda razão, a gripe das aves levada por aves migratórias para os aviários, obrigou ao abate de milhões de galinhas. A gripe das aves não é novidade nos Estados Unidos ou na Europa, mas as novas regras de bem-estar animal que proibiram as gaiolas nos aviários e obrigam à saída das galinhas para o exterior aumentaram os casos de contágio.
Terceira razão, que toda a gente que tenha um galinheiro no quintal conhece, as galinhas produzem menos ovos quando está frio. Quando as galinhas estavam fechadas no aviário com temperatura e luz controlada isso não as afetava, tendo acesso ao exterior reduzem a produção. Também na Nova Zelândia a mudança de regras nos aviários levou à falta de ovos e aumento do preço.
Pelo que vi no gráfico que encontrei e partilho aqui, o preço já está a baixar e é provável que o setor encontre um novo equilíbrio e resolva essas dificuldades com alguma nova técnica ou aumentando o número de galinhas nos períodos frios, mas outra coisa chamou - me a atenção. Por estes dias surgiu também no jornal Público um artigo a dizer que esta é uma boa ocasião para experimentar os ovos artificiais, à base de plantas, porque os ovos naturais já estão mais caros. Isto fez-me recordar que as regras de bem-estar animal são muitas vezes adotadas como solução de compromisso após a pressão de quem pretende proibir a criação de animais mas sabe isso é impossível de repente e portanto vai fazendo o que pode supostamente para melhorar as condições de vida dos animais mas também para tornar mais difícil a produção animal e mais caros os produtos de origem animal. Assim, pouco a pouco, vão apertando o cerco. Eu concordo com a adopção de regras de bem-estar animal devidamente fundamentadas na ciência, mas temos que estar atentos, avaliar as consequências e rever as decisões, se necessário.
(Foto de Mary’s Farming Minute, gráfico de Trading Económics)
#carlosnevesagricultor