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A jornalista Fernanda Câncio decretou (twetou) que “está oficialmente tudo doido” porque encontrou leite à venda a 4,99€ e o assunto “viralizou”. Acontece que não se tratava de leite de vaca, o que subentendemos quando escrevemos apenas “leite”, mas neste caso era “leite de cabra biológico” importado.
Fiquei curioso e fiz uma pequena pesquisa na net. Não encontrei à venda de origem nacional, mas podem comprar leite de cabra a 2,35 ou 2,55 nos hipermercados de referência, leite francês ou espanhol de marca do fabricante. Entretanto, um colega que é criador de cabras explicou-me que o leite nacional, usado para produzir queijo, é vendido pelos produtores entre 90 cêntimos e 1€ por litro.
Em relação ao leite de vaca, é possível encontrar o leite meio gordo UHT a 86 cêntimos nas marcas brancas e na casa dos 90 cêntimos nas marcas do fabricante. O leite meio gordo UHT é o leite mais vendido e tem o melhor preço. Os leites especiais (com cálcio, sem lactose, leite fresco, etc) estão quase todos acima de 1 euro. Em setembro de 2021 ainda era normal encontrar leite meio gordo a 43/44 cêntimos e às vezes a 39. O que se passou?
O custo do leite aumentou ao longo dos últimos anos, em particular nos últimos dois anos, mesmo antes da guerra na Ucrânia. Aumentou o custo das rações, dos adubos e dos combustíveis, por causa do arranque da economia mundial pós-pandemia e por causa de grandes compras da China, que pareceu “adivinhar” o que vinha aí. Apesar disso, o leite continuou a ser usado como produto-isco para atrair os consumidores aos supermercados. Estava sempre em promoção, tanto em Portugal como na Espanha. Tivemos o pior preço aos produtores em toda a Europa nos últimos anos, apesar do aumento de custos e seca severa. Chegou a ser possível comprar mais barato leite UHT embalado num supermercado português do que leite cru vendido por um agricultor holandês à sua cooperativa. Os produtores foram abatendo animais, foram desistindo, encerrando vacarias, a indústria e a distribuição começaram a sentir falta de leite no mercado e a situação tornou-se evidente no verão de 2022, quando compradores espanhóis vieram comprar leite aos maiores agricultores portugueses. Surgiram aumentos significativos aos produtores portugueses e espanhóis entre setembro e novembro, de modo que preço médio do leite ao produtor em Portugal subiu para 54,4 cts/ kg, em novembro, um aumento de 72% face a 2021 (dados da EU), apesar de ainda ficar abaixo da média comunitária, que em setembro era 57,8 cts/kg de leite cru. Esses 54 cts são a média de um preço de 50,4 cts nos Açores e 56,7 cts no continente. Com 6% de Iva vai quase para 60 cts, mas o agricultor entrega o Iva do leite ao Estado.
Desde 1 de novembro não houve aumentos aos produtores e penso que o preço deverá manter-se estável nos próximos meses, mas é muito difícil fazer previsões.
P. S. - Para além dos custos de produção, também aumentaram os custos de transporte, pasteurizaçao e embalagem.
No início do ano costumo colher amostras de terra para analisar o solo preparando as culturas de Primavera. O tempo incerto com chuva frequente obrigou - me a aproveitar algumas abertas enquanto os miúdos estavam na escola mas este fim de semana pudemos finalmente colher as últimas amostras em conjunto.
Recordando o que já contei noutros anos, colher amostras de terra é uma tarefa relativamente leve, sem riscos e que nos permite caminhar, conhecer os campos, apresentar as árvores e contactar com a natureza enquanto fazemos algo útil.
Em cada parcela de terreno, caminhamos em zig-zag, levando uma sonda com um tubo metálico que se espeta no solo até 20 cm, se roda e retira para colher uma pequena amostra. As amostras dos vários pontos juntam-se no balde e depois são colocadas num saco, devidamente etiquetado, que os técnicos da cooperativa encaminham para o laboratório de solos.
Repito as análises a cada dois anos, para saber como evolui o pH do solo, o teor de matéria orgânica e dois macronutrientes, fósforo e potássio. Não se analisa o azoto porque ele é facilmente arrastado pelas águas e não permanece no solo da mesma maneira.
As análises regulares ao solo permitem-me poupar dinheiro, por não aplicar adubo desnecessário, proteger o ambiente, porque esse excesso de adubo iria causar poluição, corrigir o PH com adição de calcário se for preciso e e aplicar a dose correta de cada nutriente para ter a melhor produção possível em qualidade e quantidade.
Com o resultado das análises, vou depois recorrer ao aconselhamento dos engenheiros agrónomos da cooperativa e das empresas de sementes e fertilizantes, valorizando também o chorume ou estume aplicado na terra, para fazer uma correta gestão dos nutrientes do solo.
#carlosnevesagricultor