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Caminhos de rega

por Carlos Neves, em 30.06.22
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Ontem usei a velha fresa para limpar as ervas daninhas que cresciam em alguns caminhos de rega. Noutros campos passei a capinadeira para o mesmo fim. Chamamos "caminho de rega" ao espaço livre que deixamos no meio das searas de milho para que possa passar o "trenó" onde está fixado o "canhão de rega", "bico" ou "aspersor". Quando o meu pai comprou esta fresa há 42 anos, não havia caminhos de rega. Colocavam-se os tubos amarelos da "Facar" pelo meio do milho com os pequenos aspersores ou com o tripé do canhão de rega, e era um esforço enorme para mudar a rega de sítio. Depois vieram os tubos brancos da heliflex mas o serviço não melhorou. Antes disso, há 50 anos para trás, também não havia caminhos de rega, regava-se por alagamento com a ajuda de regos abertos pelos arados entre as linhas do milho.
Nessas alturas havia muita gente para o trabalho agrícola e era quase um sacrilégio deixar assim um caminho no meio do campo sem semear. Depois, numa fase de transição, o meu pai passou a semear sorgo na zona do caminho da rega e no cabeceiro, porque "abrir os caminhos" à foucinha e carregar para o reboque ou mais tarde meter à posta na máquina de ensilar era outro frete que exigia a ajuda de jornaleiros e familiares que deixaram de existir. Se os nossos avós vissem estes "caminhos" por semear que hoje deixamos nos campos iam moer-nos o juízo, mas os tempos são diferentes. Antigamente faltava terra para cultivar, hoje falta gente para a trabalhar manualmente, e desta forma com menos gente e com as máquinas conseguimos cultivar mais área que entretanto ficou disponível.
Curiosamente, quando usamos "rega gota a gota" não são precisos caminhos de rega e com as "novas"automotrizes para ensilar (coloquei aspas porque já chegaram há 20 anos à nossa região) também não precisamos destes caminhos para começar a ensilar. Antigamente eram necessários porque a máquina cortava uma linha de milho ao lado do trator.
#carlosnevesagricultor

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publicado às 23:09

As nossas férias e alguns postais

por Carlos Neves, em 19.06.22

Pode ser uma imagem de 1 pessoa, em pé, monumento e interiores

Após a visita à Feira Nacional de Agricultura, em Santarém, na quinta-feira, 9 de junho, aproveitamos meia viagem e seguimos para umas mini-férias a Sul, pensadas há muito mas marcadas em cima da hora, porque há sempre questões de trabalho e família a ponderar. Na manhã seguinte, o mais cedo possível, com mais hora e meia de viagem fomos a Sevilha visitar a sua enorme catedral gótica onde repousam os restos mortais de Cristóvão Colombo. Mesmo ao lado da Catedral está o Real Palácio Alcazar de Sevilha, também enorme com a sombra refrescante dos seus jardins. Deixámos rapidamente os 40 graus de Sevilha e passámos as últimas horas dessa tarde na praia de Monte Gordo. Voltamos lá nos dias seguintes e na manhã de hoje, fora as horas de calor, que foi muito, mas a praia e a água estavam fantásticas.

E contar isto vem a propósito de quê? Bom, partilho estas coisas para que saibam que estamos bem e despertar uma pontinha de inveja (boa) que sirva de exemplo. Um agricultor ou qualquer outra pessoa não tem que estar prisioneiro do seu trabalho. Pode tirar férias, mesmo que sejam curtas, mesmo que sejam próximas, mesmo que sejam simples. Mesmo que seja ir uns bocados à praia como fizemos há 2 anos e faremos no resto do verão, se não houver oportunidade de fazer mais alguma "escapadinha".
Como é evidente, não há tempo para a escrita de grandes textos por estes dias, mas houve imagens e episódios que deram alguns "postais":

Postal de férias I
Pode ser uma imagem de flor, árvore e ao ar livre
A A49 é a auto-estrada espanhola que dá seguimento à Via do Infante / A22 e nos permitiu ir de Vila Real de Santo António a Sevilha em pouco mais de hora e meia. É uma estrada muito bonita, pelos arbustos floridos ao longo de todo o trajeto (nas bermas e separador central) e por estar ladeada por muitos camposcde girassol e alguns de trigo. Um passeio bonito, um encanto para os olhos. A qualidade das fotos não permite mostrar toda essa beleza porque é muito limitada por serem fotos tiradas de um carro em andamento.
 
Postal de Férias II - agricultura na praia
Pode ser uma imagem de ao ar livre e texto que diz "T&M GESTÃOAGRO-SILVICULAS, CAMPOS Agrícolas DA SERVIÇOS Prestações de Serviços Alentejo e Algarve com 966 f tmcampos 143 756"
- Olha a bola de Berlim!!!
Fiz sinal ao vendedor e esperei que chegasse ao pé de nós. Pedi uma bola de alfarroba com creme e meti conversa ao reparar na publicidade colocada na frente da caixa.
- Então diz aí que presta serviços agrícolas e vende bolas de Berlim?!
E ele explicou que são duas atividades complementares, que na praia estão muitos potenciais clientes das limpezas e vedações que fazem na zona Sul de Portugal, apesar da falta de mão de obra. Fica aqui o contacto, para o caso de precisarem. A bola de alfarroba estava muito boa.
 
Postal de férias III - Orgulho de ser agricultor
Pode ser uma imagem de 2 pessoas, pessoas em pé e ao ar livre
"Os homens não nascem todos iguais, só os melhores se tornam agricultores." É esta a tradução da frase que está escrita nesta T-shirt que costumo usar nas férias.
Está escrita em inglês porque a comprei há cerca de 20 anos na feira agrícola do Canadá, em Toronto, e traz-me boas memórias dessa viagem realizada com 20 graus negativos, menos 60 do que encontrei nestas férias e algumas peripécias que um dia gostava de contar. Nessa altura ainda havia um sentimento generalizado de "pena" dos agricultores, pobres, sujos, analfabetos, "obrigados" a ser agricultores por não terem capacidade de fazer outra coisa. Hoje isso acontece cada vez menos, a agricultura é cada vez mais uma opção, mas na habitual tradição de passar do oito para o oitenta, trocou-se a "pena" pela "raiva" dos agricultores que "destroem o ambiente" ou "provocam o aquecimento global".
O meu objectivo ao usar esta T-shirt não é ser arrogante, entrar no campeonato das profissões mais importantes ou dizer a toda a gente na praia que sou agricultor, até porque acho que na rua, na praia ou no Shopping o agricultor deve passar despercebido, mas tão só marcar uma posição com algum humor e uma pontinha de orgulho para equilibrar as posições habituais. Bom domingo, bom descanso, boas férias!
 

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publicado às 11:05

A soberania alimentar de Portugal e a "Desglobalização"

por Carlos Neves, em 04.06.22

FB_IMG_1654324363358.jpg

Só temos cereais para um mês em Portugal. Parece mau? Já foi pior. Quando a guerra começou só tínhamos cereais para 15 dias. Como de costume, há navios a caminho de Portugal e cereais “comprados” para abastecer o país até final do ano mas muito mais caros, como é evidente. O mercado já estava sob pressão e a guerra na Ucrânia veio agravar tudo. Era moda poupar no armazenamento, mas algo está a mudar. O mundo que nas últimas dezenas de anos avançou em força para a globalização está agora num processo de “desglobalização”. Até onde irá, não sei.

Portugal deu um enorme contributo para a globalização com os descobrimentos. As vantagens do comércio internacional foram defendidas em 1817 pelo economista inglês David Ricardo baseando-se no Tratado de Methuen, o “Tratado dos panos e dos vinhos”, realizado entre Portugal e a Inglaterra em 1703. Segundo essa teoria económica, cada país ganha em exportar aquilo em que é mais competitivo e importar de outros países aquilo em que é menos produtivo. O desenvolvimento dos transportes e a paz global das últimas décadas aumentaram a globalização. A China tornou-se a fábrica do mundo e o que nos permitiu ter acesso a coisas de baixo preço e tirou da fome e miséria milhões de chineses, importando comida do resto do mundo.

Entretanto, um navio encalhou no canal do Suez e provocou um enorme congestionamento de mercadorias que paralisou fábricas em todo o mundo. Depois o combate à pandemia fechou fronteiras, faltaram chips, a pandemia foi bloqueando economias e os transportes de forma desfasada e agora a guerra na Ucrânia veio mostrar a dependência energética da Europa em relação à Rússia. O mundo ocidental percebeu que, a troco de coisas baratas, comida barata e energia barata, estava refém de parceiros económicos perigosos. 

Do prado ao prato, é preciso aumentar o armazenamento. A Alemanha aconselhou os cidadãos a ter em casa reservas para 10 dias. Penso que é um bom conselho para acautelar uma tempestade, um ataque informático, uma greve ou outra coisa que impeça os transportes de funcionarem como é habitual. Não deixar esvaziar a despensa, o depósito de combustível ou os silos de ração da vacaria. Ter alguma produção própria e manter os stocks altos. 

A Europa dos excedentes que tomava decisões de “barriga cheia” já tinha esquecido o objetivo inicial da PAC, acabar com a fome após a segunda guerra mundial. Nas últimas revisões, a PAC tornou-se cada vez menos alimentar e cada vez mais ambiental. Nos últimos meses está tudo a ser repensado. O primeiro objetivo da agricultura tem que ser a alimentação. 

Não é tempo de voltar à policultura de subsistência em que cada família comia aquilo que cultivava, mas quem puder cultive alguma coisa no seu quintal. Não é tempo de voltar a fronteiras nacionalistas, mas penso que o bloco europeu deve ser autosuficiente na alimentação. Apesar da agricultura ter sido “moeda de troca” nos acordos comerciais com os países para onde a Europa queria vender carros e outras tecnologias, também na agricultura temos vantagem em importar máquinas, fertilizantes e muita coisa que não temos cá e, por outro lado, vender a melhor preço alguns dos nossos produtos. 

Talvez não seja razoável produzir 100% do trigo em Portugal, mas podemos produzir mais do que os 5% atuais. Podemos produzir mais milho e arroz. Podemos produzir mais frutas, hortícolas, vinho e muitos outros produtos em que tenhamos vantagem e que podemos exportar para quem nos vende o trigo e outros produtos. Podemos substituir os 500 milhões de euros que importamos de leite e produtos lácteos de valor acrescentado por produtos nacionais. Podemos fazer tudo isso se pagarem aos agricultores um preço justo que cubra os custos de produção. Não se trata de viver orgulhosamente só, trata-se de criar e manter reservas para estar seguro, ter poder negocial e não ir às compras com fome.

#carlosnevesagricultor

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publicado às 07:33


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