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Entre muitas fotos e vídeos de tratores e reboques a ensilar milho, alguém comentou: “Parecem formiguinhas a levar comida para casa! ” Entendi o comentário como elogio de alguém que conhece a história da cigarra que passou o verão a cantar e que não guardou reservas para o inverno, como a previdente formiga. Esta fábula terá sido escrita por Esopo, na Grécia, 600 anos antes de Cristo e foi recontada por Jean de La Fontaine há 400 anos. Ao longo dos séculos, serviu para ensinar a trabalhar e poupar.
No final do Século XX, nos anos 90, António Alçada-Baptista escreveu a “contra-fábula da cigarra e da formiga”. A formiga vivia então cheia de stress a trabalhar na bolsa de valores enquanto a cigarra era artista musical, mas, no fim do verão em que não tirou férias, a formiga descobriu que a cigarra tinha conseguido um contrato para passar o inverno a cantar em Paris. Disse-lhe então: “se lá encontrares um tal de La Fontaine manda-o para o raio que o parta, sim?” 😊 Percebe-se a moralidade sobre o excesso de trabalho, mas não se iludam com o exemplo dado. Para ter sucesso a cantar ou chutar uma bola também é preciso muito trabalho.
Chegámos aos anos 20 do século XXI e agora as cigarras são ativistas nas redes sociais e dedicam-se a criticar as formigas. As formigas já não são o modelo a seguir. Mais do que gozadas, são agora criticadas pela forma como trabalham e cada vez mais condicionadas pelas regras que as cigarras vão promovendo, por exemplo antes de votações do orçamento.
Focadas no trabalho, as “formigas-agricultores” não estão preparadas nem têm tempo e paciência para responder às cigarras no mesmo tom e juntam ao stress do trabalho o stress de serem criticadas e mal pagas. As voltas que este mundo deu!...
#carlosnevesagricultor
Era manhã de dia feriado mas os animais precisavam de comer. Carreguei a mistura com silagem de erva para as novilhas, depois seguiu-se a silagem de milho para as vacas. Faltavam apenas 500 kgs para ter a carga completa quando ouvi “pfffffff…”, o que me alertou para qualquer coisa estranha. Sem que nada fizesse prever, tinha furado um dos tubos do óleo que faz funcionar o motor da “fresa” que carrega o milho. Por sorte, a avaria não afetava a mistura e distribuição da comida e assim pude completar a carga recorrendo ao trator com pá carregadora, enquanto pensava como resolver esta avaria num feriado. Por sorte e boa vontade de quem lá manda e trabalha, a oficina estava aberta. “Só estamos aqui meia dúzia, mas aparece que dá para desenrascar isso”, disse-me o patrão. Não era só meia dúzia. Quando cheguei, também encontrei meia dúzia de colegas agricultores, uns a chegar, outros a sair, outros à espera da reparação de dois reboques para transporte de silagem e uma retrofesa com semeador de erva.
A agricultura não pára porque não pode parar. Os animais têm de ser alimentados, cuidados e ordenhados. As sementeiras e colheitas tem que ser feitas nos dias e horas que sobram com bom tempo na janela temporal apropriada. A agricultura não pára porque os agricultores não páram e tem uma enorme equipa por trás que os apoia e acompanha.
Os agricultores são cada vez menos e para cultivar a terra precisam de máquinas e equipamentos cada vez maiores. Já não são apenas os veterinários que têm de estar de plantão para um parto difícil ou outra doença urgente. A máquina ou robô de ordenha, o tanque de refrigerar o leite, as máquinas de colher o milho, as uvas ou a fruta não podem parar muito tempo.
Ontem levei um trator à oficina para trocar uns parafusos mas a maior parte dos mecânicos andavam fora, nos campos, a dar assistência às máquinas. Ao fim da tarde, o eletricista veio resolver um problema com uma câmara de vídeo. Um colega agricultor e prestador de serviços dizia-me na semana passada: Na hora de comprar, eu não escolho apenas um trator, em primeiro lugar preciso de um serviço de assistência que funcione.
Com as silagens e vindimas na reta final e com outras colheitas ainda a decorrer, fica aqui a minha homenagem e agradecimento a todos os que fazem horas extra para nos “desenrascar”.
#carlosnevesagricultor