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Bem-estar animal

por Carlos Neves, em 31.05.21

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Dizia o meu pai que “nós não devemos dizer que somos sérios, os outros é que devem dizer isso de nós”. Há 90 anos, quando ele nasceu, quase toda a gente tinha uma vaca, umas ovelhas e umas cabras no quintal, um porco à porta da cozinha e algumas galinhas por todo o lado. Portanto toda a gente sabia como era criado o seu “alimento”. Há 30 anos, os nossos vizinhos ainda vinham com uma cântara buscar o leite durante a ordenha ou comprar uma dúzia de ovos e, portanto, viam como eram tratados os animais e não se deixariam impressionar por um vídeo ou documentário editado e manipulado.
Hoje somos menos de 5% a alimentar os outros 95% que estão longe, na cidade. Mesmo quando moram perto, vão ao supermercado comprar o leite que o agricultor vendeu à cooperativa, passou pela fábrica, pelo armazém e pelo supermercado, o frango que passou no matadouro ou a batata que passou na central hortícola antes de seguir o restante percurso.
Entretanto, há quem queira vender novos produtos para substituir a proteína animal que consumimos há muito tempo (através da caça e da pesca) e criámos, desde que domesticamos os animais, há 10.000 anos. E há também quem não queira comer carne, ovos ou leite e não queira que os outros comam. E lançam acusações sobre a forma como os animais são tratados. E os consumidores, agora distantes dos produtores, ficam com dúvidas e exigem respostas. Por causa disso, quem recolhe, transforma e comercializa o leite que produzimos avançou com um processo de certificação em bem-estar animal.
Quando me ligaram há meses para marcar a visita de controlo da certificação, acedi com um misto de satisfação e apreensão. Sempre fui positivo, mas cuidadoso, em relação a “exames”. Já vamos no segundo ano e no ano passado não houve problemas, portanto este ano também devia correr bem, pensei. Ainda assim, na véspera do exame “queimei pestanas” a rever o manual de auditorias que nos enviaram. Esta semana chegou o diploma.
O bem-estar animal é uma ciência. Há uma série de critérios científicos definidos e verificados por veterinários. Um desses critérios analisa a reação dos animais à aproximação de um humano. Quem faz a inspecção, neste caso, uma veterinária, aproxima-se sucessivamente das vacas e regista se elas fogem com medo ou se aproximam curiosas. Há sempre excepções de feitio, há sempre um animal mais assustado ou manso, mas se a maior parte se aproxima é sinal que costumam ser bem tratadas. Há imagens (e certificados) que valem mil palavras, por isso fico por aqui… Bom domingo!
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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publicado às 08:27

As cachopas do Rui

por Carlos Neves, em 30.05.21

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O Rui Santos publicou esta foto num grupo de agricultura, apenas com a legenda “Trabalho finalizado”. O Bruno, da Trofa, disse que eram as “famosas cachopas”, mas na terra do Rui, em Vouzela, chamam-lhes “meninas” ou “bonecas”, nome também apontado pelo meu homónimo Carlos Neves, de Angeja. Em Vila Verde chamam-lhes “viúvas”. Para o Filipe Azevedo, são “cadouços". Na terra do Carlos Pinto são “cachouxos”. Eu disse que aqui em Vila do Conde chamávamos "coucos" e alguém da Póvoa de Varzim disse o mesmo, olha a coincidência :) . Na terra do Edgar são “macacos”. No Ribatejo nunca viram. Na terra do Marco Costa são “camouchos”...

E eu achei fantástica toda esta viagem por nomes e terras, e pensei que só faltava explicar o que é isto, para quem não soubesse, mas o Borges Silva antecipou-se: “O meu pai ensinou-me a fazer “cachopas” . Fiz tantas, depois ficavam a secar, eram carregadas no reboque do trator, descarregadas na eira, malhava-se para tirar a semente e depois punha-se em volta dum poste da luz em cimento, a que dávamos o nome de “medas” ou “moreas” de palha, com 4 metros de largo por 8 de altura, ficava em forma de cone, no final cobria-se com um bocado de plástico, atávamos uma corda em volta do poste, apanhando o plástico e mesmo no fim púnhamos um pneu por cima do plástico para o vento nao levantar o plástico nem a chuva entrar e estragar a palha. Era o modo de armazenar palha para os animais. Depois, quando era para dar palha aos animais, “ripávamos” a palha por baixo ... velhos tempos!”.
Acrescento só se se colhe o azevém ou outra erva quando já está maduro, mas antes de cair a semente. Depois fica a secar uns dias no campo, atada e levantada desta forma, até ir malhar para a eira, como explicado.
Também fiz isto pelo menos uma vez. Depois, como havia pouca mão de obra, durante alguns anos o meu pai improvisava: apanhava o azevém com o “reboque forrageiro” / “apanhador da erva”, levava para a eira e calcava com o trator. Atualmente, alguns vizinhos que ainda recolhem a própria semente de erva passaram a usar pequenas “ceifeiras-debulhadoras” que simplificam o trabalho… Mas depois é preciso ainda secar a semente, limpar, guardar e não fica com a mesma perfeição das sementes que compramos às empresas especializadas. É sobretudo um trabalho suplementar para o qual muitos de nós não tem tempo, porque hoje cada um de nós, com menos gente, além de ter mais animais, cultiva as terras que na geração anterior eram cultivadas por várias famílias. Por isso compramos a semente da erva para o Outono.
Recolher as próprias sementes, para autoconsumo, ou comprar sementes certificadas e que resultam do trabalho de investigação e seleção de agrónomos são opções diferentes para realidades diferentes. As duas são válidas. Portanto, quem quiser, compre sementes, quem não quiser comprar, faça cachopas! :) , bem feitas como as do Rui Santos 😀, ou o que lhe quiserem chamar, aceito mais sugestões de nomes que não estejam na lista😀
#carlosnevesagricultor
Foto de Rui Santos

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publicado às 08:55

As vacas ou os livros?

por Carlos Neves, em 26.05.21

 

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O meu filho mais velho, o Pedro, perguntou-me se algum dia eu pensei ter uma profissão diferente de agricultor. Antes de responder, quero contar a história do meu tio Joaquim, já falecido. Na infância, ele dedicava-se mais às brincadeiras do que aos estudos. Um dia, a minha avó Esperança, sua mãe, avisada pelo professor de um possível “chumbo”, chamou-o junto do estábulo, e disse-lhe: “Ali estão as vacas, acolá tens os livros; agora escolhe!...” Ele escolheu os livros, a partir desse dia estudou a sério, emigrou para o Brasil onde já tinha família e licenciou-se em direito e contabilidade.

Entretanto, já não podemos escolher entre os livros e a agricultura. Temos sempre de escolher “os livros” antes de escolher o resto. Temos ensino obrigatório até ao 12º ano, mas podemos optar pelas escolas profissionais com cursos agrícolas. Quem tiver gosto e oportunidade de continuar os estudos tem os cursos superiores de agricultura, produção animal, florestal ou pode fazer outro curso do seu gosto e dedicar-se à agricultura a tempo inteiro ou parcial.
Antigamente, mandava-se os filhos estudar para saírem da lavoura. Umas vezes por uma visão negativa do setor, sem perspetiva de melhorar, outras vezes por uma questão prática: se dividissem a terra por todos os filhos dariam uma pequena parcela a cada um. Assim, seguindo a “lei do morgadio”, comum aqui no Douro Litoral, o filho mais velho ficava com a “casa de lavoura”, as irmãs que pudessem casavam para outras “casas agrícolas”, as solteiras ficavam sob a proteção do irmão ou iam para freiras e os irmãos iam para padres, para o exército, emigravam para o Brasil ou estudavam.
Curiosamente, assisti e vivi na pele o fenómeno oposto. Agricultores com imagem positiva da agricultura, com empresas dinâmicas, que tinham medo de que os filhos abandonassem a agricultura se fossem estudar. Isso significava ficar sem continuadores da casa agrícola. Eu não fui proibido de estudar pelos meus pais, mas nunca fui incentivado a tirar um curso superior. Fui encaminhado para uma escola profissional agrícola com a ideia de me instalar rapidamente na agricultura após a maioridade, porque os meus pais já tinham uma idade avançada. Já na escola agrícola, assisti ao esforço dos professores para que alguns colegas pudessem fazer o segundo curso, com equivalência ao 12º ano (dos 21 alunos que terminaram o 9º ano só metade continuou) e foi lá também que um professor nos incentivou a seguir um curso superior, com um exemplo muito prático: “mesmo que uma pessoa vá trabalhar como cantoneiro, se tiver estudos chega mais depressa a chefe dos cantoneiros!”
Após terminar os estudos secundários na escola agrícola, alguns problemas de saúde fizeram-me perceber que andar a cavar todo o dia não seria o mais indicado para mim. Não equacionei outra profissão, mas apontei como objetivo dedicar 60% do meu tempo à agricultura e o restante a outras atividades de menor esforço físico em que me envolvi, como o associativismo, a formação e a comunicação. Só voltei aos estudos oito anos depois de sair da escola agrícola, para fazer uma licenciatura em ciências sociais na Universidade Aberta, uma universidade pública de ensino à distância que me permitiu compatibilizar os estudos com o trabalho na agricultura e a vida associativa nos grupos de jovens da Igreja (com a ACR) e dos jovens agricultores (com a AJAP).
Não desejo que alguém vá estudar sem gosto. Não é obrigatório ter um curso superior para ter um bom rendimento, uma vida digna e ser respeitado. Por outro lado, espero que cada vez menos jovens sejam impedidos de continuar os estudos, por questões económicas ou de mentalidades, quando tiverem vocação e capacidade para isso. E aqueles que deixaram os estudos, que voltem, se tiverem vontade e oportunidade. Há exemplos fantásticos de quem aprendeu a ler ou se licenciou na idade adulta, na terceira ou quarta idade. Aprende-se até morrer e morre-se sem saber tudo.
#carlosnevesagricultor

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publicado às 07:04

E Ralis de tratores, não há?

por Carlos Neves, em 23.05.21

Em fim de semana marcado pelo rali de Portugal, aqui estou a partilhar informação útil, ou, pelo menos, divertida😀. Claro que há Ralis de tratores😊! Na agricultura temos de tudo, como na farmácia😅.

1. Campeonato de motolavoura

Eu teria 8 ou 9 anos quando acompanhei o meu pai ao campeonato nacional de motolavoura. Não me recordo onde foi, talvez terras do estado, em Vairão ou Paços de Ferreira… as fotos e vídeos super oito que tenho são de pouca qualidade. Recordo-me de ver alguns tratores em alta velocidade a "sacar piões" ao dar as voltas na cabeceira do campo… e um trator David Brown, a lavrar em marcha lenta, muito lenta. Ganhou. Era um concurso de perfeição do serviço e não de velocidade 😉.
Ver aqui o campeonato mundial : https://youtu.be/PnB_dEGS4lo

 

2.Gincanas de tratores

Muito populares entre os agricultores. Exige - se velocidade e perícia para conduzir o trator com reboque num percurso de obstáculos. A Gincana mais famosa tem sido a da agrosemana. Pode ver aqui alguns dos melhores momentos de uma das edições:
https://www.youtube.com/watch?v=PFGXZS7J2rQ

 

3. Rali de tratores

Muito populares entre os agricultores nos países de leste. Pode ver aqui um exemplo, na Rússia:
https://www.youtube.com/watch?v=OafII8gikw0

 

#carlosnevesagricultor

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publicado às 12:36

A biodiversidade, as flores da Dinamarca e a minha luzerna

por Carlos Neves, em 22.05.21

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(imagens de 2017 a 2020)

Hoje é o dia internacional da diversidade biológica e circula pelas redes sociais a foto de um campo com flores com o texto: “Na Dinamarca a lei obriga os proprietários de “grandes terrenos agrícolas” a semear em 5% da área flores para as abelhas”. Ora bem, na avaliação do meu “agro-polígrafo” pessoal😊 a informação é “imprecisa”; De facto, essa regra dos 5% é uma regra da atual PAC, Política Agrícola Comum, para toda a União Europeia, incluindo a Dinamarca - pode haver ligeiros ajustes locais. Um agricultor que cultive mais do que 15 hectares de terreno, para receber as ajudas anuais da EU, tem de deixar 5% da área em “superfície de interesse ecológico” – pode ter flores para abelhas ou outras opções - ver explicação abaixo; No meu caso, optei por semear luzerna, uma leguminosa, planta fixadora de azoto, que não precisa de adubação azotada, não precisa de herbicidas (os sucessivos cortes na primavera-verão-outono eliminam a concorrência – só perde no inverno), fica vários anos na terra (não preciso semear todos os anos) e em solos profundos, como é o caso, não preciso de regar - também não teria como o fazer.
O ideal seria fazer rotação pelos vários terrenos, mas optei pelos mais pequenos, difíceis de trabalhar o milho e mais próximos de casa – para colher a luzerna em verde para alimentação das novilhas. Seria excelente para as vacas se tivesse luzerna para dar regularmente, mas também seria um acréscimo de trabalho. Ah, e dá flores, mas não sei se as abelhas gostam 😊.
Agora a regra dos 5%, a partir da página do IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP:
“SUPERFÍCIES DE INTERESSE ECOLÓGICO (SIE)
Se as terras aráveis de um agricultor ocuparem mais de 15 hectares da exploração, o agricultor deve deter na sua exploração uma superfície correspondente a pelo menos 5% dessas terras aráveis de interesse ecológico (SIE).
São consideradas superfícies de interesse ecológico as seguintes superfícies:
Terras em pousio;
Culturas fixadoras de azoto (ervilha, ervilhaca, serradela, trevos, fava, tremoço, tremocilha, soja, grão de bico, feijão, luzerna, e amendoim, e mistura destas espécies) desde que cultivadas em parcelas com IQFP 1 e 2, com a exceção das zonas vulneráveis do continente;
Mistura de culturas fixadoras de azoto com outras culturas, desde que as espécies das culturas fixadoras de azoto se mantenham predominantes (maior ou igual a 50%);
Florestação de Terras Agrícolas implementadas ao abrigo do Desenvolvimento Rural;
Elementos paisagísticos no âmbito da condicionalidade:
Galerias ripícolas em rede Natura;
Elementos lineares da orizicultura (valas de drenagem, valas de rega e marachas ou cômoros).
Bosquetes localizados no interior das parcelas de superfície agrícola, no âmbito da condicionalidade (BCAA 7);
Pousio com plantas melíferas (espécies ricas em pólen e néctar)”
#carlosnevesagricultor

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publicado às 23:19

Excesso de efluentes? Mostrem as contas

por Carlos Neves, em 18.05.21

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O Jornal da Notícias de 17 de maio de 2021 trazia a acusação de que a “Exploração pecuária polui mais de 30% dos rios e albufeiras” apontando “Metade da área de Portugal Continental com excesso de azoto animal por causa dos efluentes”.

Reparei que nada se dizia sobre a poluição de origem industrial, as fossas sumidouras das casas e algumas ETAR dos esgotos domésticos que ainda não existem ou funcionam plenamente. Ainda assim, o assunto deve preocupar-nos a todos e ser analisado com rigor para cada setor e, no caso, cada agricultor, assumir as suas responsabilidades.
O artigo baseia-se na “Estratégia nacional para os efluentes agropecuários e agroindustriais” (ENEAPAI) onde vai buscar uma série de dados que mereciam uma análise mais cuidada. Talvez agrónomos e investigadores possam ajudar. Da minha parte, quero deixar duas notas:
A estratégia apontada, dando prioridade à valorização agrícola dos efluentes, onde sejam necessários para fertilização, merece a minha concordância. Houve tempos, não muito distantes, em que se pensou construir ETAR para tratar o chorume das vacas; sempre que tive oportunidade, dei a minha opinião de que seria um erro, pelo gasto energético no transporte, no tratamento e risco de avarias que seria ainda maior do que já ocorre nas ETAR industriais e dos esgotos urbanos.
O princípio está correto, mas as contas que fiz contestam o exemplo escolhido no artigo, que por acaso é o meu concelho. Segundo a notícia, Vila do Conde, com 53 metros cúbicos de efluentes (chorume) por hectare é “largamente excedentário”. Ora, se consultarmos as tabelas das “boas práticas agrícolas” quanto à composição do chorume de bovino em Azoto (53 x 4,5 = 238 kg de N) , Fósforo ( 53 x 1,7=90 kg de P) e Potássio (53 x 9 = 477 kg de K) e quanto às necessidades das culturas habituais (milho no verão e aveia no inverno, cerca de 310 kgs de N + 130 kgs de P + 410 kgs de K) vemos que não há excedentes de azoto e fósforo na média do concelho e que ainda será preciso colocar algum adubo. Há outros números? Valores mais atuais? Apresentem.
Certamente haverá casos pontuais de empresas agrícolas com excesso de efluentes por hectare, mas não muito longe haverá outras quintas e terrenos com falta de nutrientes. É preciso fazer as contas. É preciso mais rigor. Na utilização dos efluentes, dos adubos… e nos textos sobre o assunto.
#carlosnevesagricultor

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publicado às 08:27

Ó pai, como é que este lixo veio aqui parar?

por Carlos Neves, em 15.05.21

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Sabes, Luis, algumas pessoas atiram lixo para o chão, depois o vento ou a água da chuva arrastam o lixo para os rios e depois para o mar. Quando chove muito acontecem inundações. A água salta fora dos rios e traz com ela algum lixo que fica aqui no campo.
Esta foi a explicação que dei ao Luís para o lixo que encontramos numa parte do terreno onde fomos semear as flores para as abelhas, junto à ribeira da granja. Foi um terreno que comprámos há pouco tempo e que antes esteve muitos anos abandonado a receber cheias e acumular lixo. É um caso particular entre os nossos terrenos, mas todas os campos na berma de estradas recebem lixo. Garrafas de plástico ou vidro, panos, latas de bebida que ficarão na terra milhares de anos ou que acabarão no estômago dos animais a provocar dores e até a morte. Resíduos que um dia, através do ciclo da alimentação, podem acabar no prato de quem os deitou fora. Vidros que podem furar pneus ou ferir os pés de um animal ou de uma pessoa. Arames que fazem parar as máquinas com detetores de metais ou, quando não há esses detetores, ou quando os ímans não chegam, podem acabar por provocar a morte por perfuração e infeção dos animais que ingerem no meio da erva sem perceberem.
Há casos em que é preguiça. Outros casos parecem maldade, doença ou falta de uso do cérebro. Só isso explica a razão para deitar o lixo para o chão ou para dentro de um campo quando há um contentor do lixo 100 metros antes e outro 100 metros depois.
Nas primeiras viagens que fiz ao estrangeiro, no tempo da escola, recordo o cuidado que se tinha com o lixo porque havia multas pesadas para quem deitasse lixo para o chão. Fica aqui uma dica para os ministros das finanças e do ambiente.
A culpa não é do plástico, nem dos fabricantes de plástico, de vidro ou das latas de refrigerante. O plástico não vai sozinho para o chão, para os campos, para os rios ou para o mar. Alguém o atirou. Não acredito que sejam os meus leitores habituais, mas é gente que anda por aí sem pensar no mal que faz. Partilhem este texto, façam circular a mensagem. Pode ser que alguém ponha a mão na consciência. Pode ser que os professores falem na escola sobre esta questão de cidadania. Pode ser que os padres falem na missa sobre este pecado. Pode ser que as pessoas “influentes” falem disto nas redes sociais ou na comunicação social. Se mudarmos uma pessoa que seja, já valeu a pena!

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publicado às 12:36

O que fazem os agricultores quando já está tudo feito?

por Carlos Neves, em 14.05.21

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Passada a fase da colheita da erva, das lavouras e da sementeira do milho, o silêncio reina sobre os campos e sobre as redes sociais 🙂 de quem terminou as sementeiras. Quem ainda não terminou também fez uma pausa por causa da chuva dos últimos dias. Para quem já semeou, está o trabalho todo feito? Vejamos alguns exemplos:

1. Com temperatura acima de 20 graus, ao fim de uma semana o milho começa a nascer. De certa forma, o “milho-bébé” 🙂 precisa de atenção redobrada como os bébés das outras espécies vegetais e animais. Depois de verificar que todo o milho está a nascer e não houve falhas no semeador ou na semente, temos de visitar regularmente os campos semeados para acautelar ataques de pragas, sobretudo insetos do solo (“roscas” e “alfinetes”) mas também lesmas, caracóis, pássaros que arrancam o milho jovem (corvos e gralhas) e mais tarde uma nova praga, a lagarta desfolhadora. E depois virá, em alguns casos, a monda química, a sacha e adubação antes de começar a rega.
2. Para quem tem animais, como nós temos vacas leiteiras, o trabalho de alimentar e ordenhar nunca parou, mas podemos agora dar uma atenção redobrada a alguns cuidados extra: limpezas, desinfeções, controlo de moscas, manutenções do equipamento… por exemplo, ontem estivemos a trocar as tetinas de silicone da maquina (robô) de ordenha.
3. No fim das sementeiras é tempo de fazer a manutenção das máquinas e alfaias. As coisas mais simples todos fazemos em casa (lavagens, lubrificações com massa consistente e parafinação, limpeza de filtros, etc), outras exigem a deslocação à oficina: esta semana fui colocar um pequeno vidro que foi substituído por fita cola nas últimas semanas. A fita-cola cinzenta é uma das coisas mais importantes para o agricultor, depois do canivete, do alicate, dos fios, dos arames e wd40 (passe a publicidade 🙂 )
4. Quem tem hortícolas, frutas ou vinhas tem de fazer semanalmente os tratamentos, ainda mais nestes dias de chuva e calor, que o povo diz “estar bom para o arejo” (ataque de míldio).
5. Burocracia: Temos de registar as sementeiras, adubações e tratamentos dos campos, nascimentos, tratamentos e movimentações dos animais, levar as faturas ao contabilista, etc. - não esquecer as candidaturas das ajudas anuais até 31 de maio!
6. Apesar da folga que estes dias de chuva trouxeram, será tempo de preparar os sistemas de rega, trabalho dificultado pela dispersão das parcelas que exige motores e canalizações para aproveitar a água disponível nas captações que fizemos ao longo de gerações.
Muito a propósito, um colega canadiano partilhou a definição de agricultura de uma colega dos Estados Unidos : «Fazer agricultura é dizer “depois desta semana as coisas vão abrandar um pouco...” e repetir isto sucessivamente ao longo de toda a vida» 🙂

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publicado às 20:13

Viagens na minha Árvore

por Carlos Neves, em 12.05.21
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(apontamentos sobre “Memórias de um lápis de lousa)
“Memórias de um lápis de lousa” é um livro da autoria do meu conterrâneo Fernando Pinheiro que, entre outras coisas, foi diretor do jornal “Terras do Ave” onde também escrevi durante 15 anos. No livro, quase esgotado, mas que espero possa ter alguma reedição, Fernando Pinheiro relata-nos deliciosas e divertidas memórias da sua infância passada na nossa freguesia de S. Salvador de Árvore, situada 3 km a sul da sede do concelho, Vila do Conde.
Não posso, naturalmente, desvendar as várias histórias desse livro, para que os que o venham a ler tenham ainda o mesmo prazer que eu tive de viajar no tempo pelas vielas, campos e bouças até à infância do autor, nascido aqui em Árvore em 1943, mas quero abordar dois pontos que me chamaram a atenção.
A lavoura e os lavradores
Na página 70 do seu livro de memórias, a propósito de uma história caricata que envolveu um agricultor, Fernando Pinheiro explica aos leitores que «“lavrador” e “casa de lavoura” eram os termos usuais para designar quem possuía terras e nelas trabalhava» e que essas expressões, entretanto «consideradas pejorativas, foram substituídas por “agricultor” e “exploração agrícola”». O autor conclui: “Estranhamente entendida por alguns como uma promoção social, não o é de facto, mas também não será por aí que virá mal ao mundo.”
De facto, eu acompanhei com esperança, essa mudança de nomes. “Lavrador”, para mim e para muitos, significava velho, rude, sujo, agricultor era remediado / classe média e “chique” era ser “empresário agrícola”, que talvez seja o nome mais correto. Este “upgrade” de nomes lembra-me que também os varredores passaram a “técnicos de limpeza pública”, as empregadas das escolas a “assistentes operacionais” e por aí adiante (tudo profissões que me merecem o máximo respeito).
Curiosamente, há poucos meses, numa conferência online em que me apresentaram como titular de uma “exploração agrícola”, chamei a atenção para carga negativa da palavra “exploração”. Este nome deve ter tido origem na junção da agricultura com as pescas e a “exploração mineira” no “setor primário”, mas há uma diferença entre quem faz um buraco para extrair ouro, pedra ou petróleo, onde há efetivamente uma “exploração”, e aquilo que fazemos quando criamos animais ou cultivamos a terra. Como disse na altura, posso comprovar com análises da terra que, em geral, os campos que cultivo têm agora teores de matéria orgânica ou de nutrientes superiores a quando comecei a trabalhá-los. Muitos terrenos são limpos e drenados pelos agricultores. Portanto, não estamos a “explorar” a terra, estamos a cultivar, criar e cuidar o melhor possível, tal como fizeram os nossos antepassados desde que se inventou a agricultura. Por isso, como disse também na ocasião, sempre que possível deixo de lado a palavra “exploração”, apesar de ser o termo técnico correto e prefiro a “lavoura”, palavra que os nossos colegas açorianos nunca deixaram de usar e que significa labor, trabalho.
Os grilos
Uma das histórias mais divertidas do livro é o relato da “ida aos grilos” dos miúdos da escola. Experiência que eu também fiz algumas décadas mais tarde, procurar a toca dos grilos pelo som do “cri-cri”, meter uma palhinha e em último recurso fazer xixi para o grilo sair da toca, apanhar e levar o grilo para a casinha de plástico comer folhas de alface e cantar durante o verão. O capítulo termina num tom de saudade, porque o dono do campo já partiu para a vida eterna, porque o tanque da rega do campo, onde as mulheres lavavam as mantas está agora submerso num denso silvado, as latadas (ramadas) desapareceram e “até os grilos, dizimados pelos pesticidas, rareiam agora nos prados”. Aposto que é uma boa descrição do que sente muita gente em relação a muitos locais do nosso meio rural. Mas este local eu conheço. Nunca entrei nesse campo, mas passo ao lado dele muitas vezes porque cultivo outros campos próximos. Curiosamente, trabalhava num desses campos enquanto ouvia na rádio um dos filhos de Fernando Pinheiro moderar um debate na rádio TSF sobre a agricultura e as alterações climáticas.
É verdade que os grilos quase desapareceram dos campos arvorenses e, apesar de já ter feito alguns contactos, não consegui ainda uma explicação fundamentada sobre as causas: pesticidas, lavouras anuais que destroem as tocas, outra coisa? Uma coisa é certa, continua a haver muita vida no solo. Num dos campos que cultivo, ao colher amostras de terra, o Luís exclamou: olha, pai, uma minhoca. Nesse e noutros campos mostrei-lhe os montes das toupeiras, que cavam a terra procurando minhocas e insetos. Toupeiras são sinal de vida. Antigamente caçavam-se as toupeiras, era mais passatempo dos idosos que das crianças, felizmente essa prática também caiu em desuso, porque as toupeiras são animais úteis. Ajudam a controlar alguns insetos do solo, autênticas pragas que podem destruir as culturas. Por causa de outros insetos para os quais as toupeiras não bastam, usamos inseticidas todos os anos. Portanto, apesar de tudo, ainda há muita vida no solo. E, entretanto, alguns inseticidas foram proibidos e os cientistas vão procurando novos produtos menos tóxicos. O caminho é para a frente.
É verdade que o tanque está abandonado, mas por um bom motivo: todas as pessoas agora têm água canalizada e máquina de lavar, dentro das suas casas. É verdade que as ramadas aqui nesta terra foram quase todas cortadas, porque esta terra, muito próxima do mar, tem poucas condições para produzir vinho de qualidade, mas não falta bom vinho português, de melhor qualidade que antigamente. E o dito terreno, todo o terreno, continua a ser regado, agora com motor direto do poço. Continua cultivado pelos descendentes. E se um dia esta ou outra família não puder cultivar, outros agricultores, perdão, lavradores, estarão disponíveis para arrendar. Não há campos abandonados em Árvore, a menos que seja opção do proprietário.
“Antigamente” as coisas não eram todas melhores. Evoluiu-se imenso, deixou-se para trás muita pobreza, outra ainda persiste e alguns caminhos não terão sido os melhores. Mas quando nós dizemos que antigamente é que era bom, significa sobretudo que temos saudade de ser mais novos. E isso também é bom, significa que fomos felizes ou, pelo menos, que o tempo nos ajudou a esquecer o mau e lembrar o bom. Queria só deixar esta nota como sinal de esperança. Como escrevi noutro lado, “faz-nos falta esta perspetiva de sermos elos da cadeia da vida. Não somos o centro do mundo, nem o princípio nem o fim da história. Beneficiamos do que os nossos pais e avós plantaram. Semeamos agora o que os nossos filhos e netos irão colher. A vida já existia antes de nós e continuará depois. Somos passageiros temporários deste comboio. Espero que este texto vos dê serenidade para desfrutar da viagem…”
(publicado na edição Maio / Junho da revista mundo rural)

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publicado às 23:34

Semeando flores - Operação pollinator 2021

por Carlos Neves, em 09.05.21

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(resultado de 2020)

Sábado, 8 de maio de 2021:

- Ó Luís, vamos semear flores para as abelhas?

- Ó pai, mas nós não temos abelhas!

- Pois… :) 

Bem, não não temos colmeias de abelhas, mas “temos” direito à visita de abelhas, borboletas e outros insetos que, pulando de flor em flor e da parte masculina para a feminina das flores, transportam nas patinhas o pólen, ajudando assim a polinização, isto é, à fecundação das flores  e reprodução das plantas. Em termos práticos isto significa mais flores, mais insectos, mais biodiversidade e melhor produção de

milho, legumes ou frutas. 

Tal como no ano passado, semeámos uma mistura de várias leguminosas, desenvolvida pela Fertiprado para a operation pollinator, promovida pela Syngenta. Coentros, colza, sanfeno, trevos, ervilha e tremocilha. 

Faz sentido usar uma berma em declive ou junto a um curso de água, o canto improdutivo de um terreno com pivô (sendo um círculo regado, os cantos ficam livres), outros locais difíceis de trabalhar com as máquinas, a entrelinha das culturas permanentes como vinhas e árvores de fruto.Faz sentido deixar algumas silvas e outras plantas silvestres ou árvores nas bordaduras dos terrenos. 

Para receber as ajudas da atual PAC, 5% dos meus terrenos (e de todos os agricultores que cultivam mais de 15 hectares) estão com uma cultura diferente, no caso uma leguminosa, luzerna. Assunto a desenvolver num próximo texto.

Praticar agricultura moderna, de precisão, baseada na investigação e na ciência, para a máxima eficiência de recursos utilizados, será a única forma de alimentar todos os que vivem e os que vão nascer, de uma forma económica e socialmente sustentável. Dar atenção a pequenos/grandes detalhes e estar aberto ao que a ciência nos vai ensinando sobre a biodiversidade e a conservação é uma forma de cultivar de forma ambientalmente sustentável e duradoura. Saibam mais sobre este tema pesquisando sobre “Operação pollinator” e seguindo as publicações do agricultor João Coimbra, no blog “Milho Amarelo”.

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