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Hoje é o dia internacional do milho e há muito por contar

por Carlos Neves, em 24.04.21

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legenda: Campo de produção de milho semente; fonte da imagem: Agrolink - produção de sementes de milho

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legenda: Esquema de produção de milho híbrido; fonte da imagem: Agrolink - produção de sementes de milho

 

Hoje, 24 de abril, é o dia internacional do milho mas as minhas sementeiras estão paradas porque o S. Pedro ligou a rega. Isso é bom ou mau? Esta chuva é ótima para o milho que já semeei nos campos mais secos e menos boa para algumas zonas húmidas que arrisquei semear porque a primavera foi demasiado seca até agora. Mas é bom ou mau? Globalmente esta chuva é boa, vale ouro, mas também tem aspetos negativos: Para vós, não agricultores, impede os vossos passeios de desconfinamento, estraga o negócio das esplanadas. Para nós, agricultores, atrasa a colheita das ervas que ainda estão no campo, as lavouras e sementeiras. Mas, pesando prós e contras, esta chuva é boa. Se eu mandasse alguma coisa, diria: ”Venha, mas temperadinha e só por uns dias!.. 🙂 ” Fiz esta introdução para dizer que na vida real as coisas não são boas ou más de forma simples como nas discussões da internet sobre as formas de fazer agricultura.
O milho é o cereal mais cultivado do mundo, acima do trigo e arroz. A palavra milho vem do latim “millium”, termo oriundo do número “mil” devido à quantidade de grão de cada espiga. Este nome era usado na Europa para o “milhete” ou “painço” até aos navegadores nos trazerem da América Central o milho que hoje conhecemos.
Gostava de poder viajar no tempo para assistir à cena da “domesticação” do milho (Zea Mays) há cerca de 9000 anos no México a partir da planta “Teosinto” pelos nativos da altura. Parece que foi alimento fundamental para Olmecas, Aztecas, Maias e Incas. Como terá sido recebido o primeiro “inventor” do milho? Terá sido olhado com desconfiança? Atacado nas redes sociais? Terá o feiticeiro da aldeia organizado a destruição daquele campo como fizeram outros ativistas 9.000 anos depois em Silves? Como terá sido recebido na Europa? Não sei exatamente, mas sabemos que aqueles que escolheram o novo “milho” foram os que sobreviveram e deixaram descendência.
Há diferenças significativas entre as variedades o milho pipocas, milho doce, milho branco e milho amarelo, de grão redondo ou dentado, mas depois há um número enorme de variedades dentro de cada um destes grupos, em especial do milho amarelo usado para alimentação animal (grão ou silagem), produção de energia (biogás ou etanol) e outros usos industriais. Podemos utilizar as sementes de uma planta de milho para produzir novas plantas no ano seguinte, mas os milhos híbridos, resultantes do cruzamento de duas linhas puras (ver imagem), são mais produtivos. Não consegui descobrir quando começou a produção de semente de milho híbrido, mas desde pequeno que para mim foi normal ver o meu pai usar milhos híbridos comprados às várias empresas que depois colocam os cartazes a assinalar as diferentes variedades nos “campos de ensaio” ou simplesmente a fazer publicidade nos restantes campos.
Mesmo que todo o milho tenha folhas verdes e grãos amarelos, entre as “variedades” é diferente a cor da flor masculina (pendão) e feminina (a “barba” da espiga) e variam muitas outras coisas: a altura da planta, a quantidade de produção de forragem ou de grão, a resistência à acama (cair), a digestibilidade, o teor de amido / energia acumulado na espiga e a duração até à colheita. São todos esses fatores que nos levam a escolher as sementes que compramos em cada ano, baseado na nossa experiência, na experiência dos colegas, no conselho técnico e nas diferentes propostas comerciais. A semente de milho híbrido é muito cara, cerca de 200 euros por hectare, mas isso é apenas 10-20% do custo final, por isso compensa investir em boa semente para ter produção e na qualidade. Também compro a “batata de semente” e as sementes das ervas. São selecionadas, certificadas, limpas de infestantes e com germinação assegurada.
Desconheço que neste momento haja produção de milho semente em Portugal. O milho híbrido que semeio, devidamente certificado depois de tratado / desinfetado para não ser atacado pelos insetos do solo) foi produzido na França, Hungria, Roménia ou noutros países. Há mais de 30 anos, o meu tio Carlos “Penas” produzia aqui em Árvore milho semente para uma empresa e era uma trabalheira para a família fazer o corte dos pendões nas linhas assinaladas para o efeito. Além desse trabalho, há um enorme trabalho de laboratório, de investigação, de recolha de dados e experimentação por parte de cada empresa que concorre no mercado, procurando apresentar os milhos mais vantajosos para os agricultores e para cada situação: mais produtivos, mais digestivos, mais resistentes à seca e menos exigentes em nutrientes.
Fica aqui a minha palavra de respeito, admiração e agradecimento a toda a gente que em todo o mundo trabalha na fileira do milho de semente. Pessoas normais, iguais aos agricultores, aos consumidores e a todas as outras pessoas que querem viver a vida, ser felizes, criar os filhos e deixar-lhes o mundo um bocadinho melhor do que encontraram. Pessoas que trabalham em empresas nacionais ou multinacionais iguais a muitas outras empresas que produzem telemóveis, computadores, carros, televisões, jornais ou serviços de internet e redes sociais que depois são usados para criticar os agricultores e as empresas de sementes. Empresas que que procuram o lucro como como todas a empresas, e essa procura é moral se não for ilegal, a fugir aos impostos ou a esconder dados de investigação. Empresas cuja atividade tem de ser fiscalizada pelo Estado. Pessoas e empresas são muitas vezes acusadas e tratadas como criminosas por causa do medo do milho transgénico (que nunca semeei), mas sobre o qual hei-de escrever no futuro, depois de parar a chuva e terminar as sementeiras. Bom fim de semana!
#carlosnevesagricultor

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publicado às 14:39

Ervas - tempo de colher, avaliar e projetar

por Carlos Neves, em 22.04.21

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O tempo de colheita também é para nós, agricultores, tempo de avaliação e projeção da próxima sementeira. Avaliar a escolha das sementes, a data de sementeira, o semeador, a técnica usada, a fertilização, o "corte de limpeza", os cortes múltiplos ou o "corte único" até à escolha da data de colheita e da técnica utilizada (feno? Silagem? Rolos de fenosilagem?)

Esta é uma avaliação pessoal de cada agricultor mas é também o trabalho das empresas que seleccionam, multiplicam e vendem sementes. Tenho pena que, com a pandemia não tenha sido possível realizar os habituais dias de campo para visitarmos em grupo os "campos de ensaio" onde as várias empresas experimentam nas condições locais e apresentam o seu trabalho e as suas sementes.
Ontem, em dia de chuva e de pausa nas minhas sementeiras de milho, tive oportunidade de visitar, de forma breve, o campo de ensaio da Fertiprado em Beiriz, Póvoa de Varzim, já em fase adiantada, muito focado nas misturas / consociações entre as gramíneas tradicionais que usamos com resultados conhecidos (azevém, tritical, aveia, cevada) e as leguminosas que vamos aprendendo a usar para enriquecer a forragem em proteína, enriquecer o solo em azoto e aumentar a biodiversidade e promover os insetos polinizadores.
Fico à espera das pesagens e das análises do laboratório deste e de outros ensaios para projetar as sementeiras do próximo Outono. E entretanto nos próximos dias vou escrever sobre a escolha da semente do milho.
#carlosnevesagricultor

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publicado às 13:22

Sobre os mais velhos: Sentem-se bem na agricultura? Então continuem!

por Carlos Neves, em 18.04.21

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Há dois anos, no início de Maio de 2019, acompanhei o meu pai, então com 88 anos, a uma consulta de grupo no IPO, para avaliar o tratamento que tinha iniciado.
- Então, como se sente? - perguntou uma médica.
- Bem, ontem fui fazer um trabalho com o trator ao campo e senti-me bem, não tive dores!
- E você foi andar de trator no estado em que tem os ossos?
Perante o nosso ar de espanto (nunca tinha sido colocada qualquer limitação de atividade), o médico do lado acrescentou, com o ar condescendente e professoral dos seus cabelos brancos:
- Mas sentiu-se bem? Então continue!...
Semeei ontem o milho no campo onde o meu pai tinha passado a retrofresa há dois anos. Não tirei fotos nesse dia, mas fiz um pequeno filme dele a trabalhar noutro campo, na sementeira da erva, em outubro desse ano. Recordei-me deste episódio por estes dias quando vi duas publicações do agricultor canadiano, Farmer Tim (ver fotos), com o seu pai de 80 anos a fazer uma sementeira e a sua mãe a receber um pequeno borrego para retomar a criação que teve há muito tempo. Houve ainda outra publicação mais deliciosa onde passei os olhos mas à qual perdi o rasto: Nos Estados Unidos, a satisfação de um senhor de 89 anos aos comandos de um enorme trator também para ajudar as sementeiras, para o qual tinha subido com dificuldade – e um vídeo onde se vê um jovem a retirar o pequeno escadote necessário para a subida até ao primeiro degrau.
Foi dos Estados Unidos que veio um filme com o título “Este pais não é para velhos”, mas de lá também vêm estes exemplos. Qualquer uma dessas publicações diz-nos que, de um ou do outro lado do atlântico, a vossa comida é produzida não só por algumas mãos calejadas pela idade, mas também por famílias que cuidam dos mais velhos ou dos mais novos e os integram nas atividades possíveis das quintas.
Ao longo dos anos, as estatísticas mostraram que Portugal tem os agricultores mais velhos da Europa. Isto é devido a um aspeto negativo, a baixa percentagem de jovens agricultores, mas também podemos ver pelo lado positivo: Em Portugal os agricultores duram muito tempo 😊. No Centro e Norte da Europa, é comum os agricultores retirarem-se completamente da atividade ao atingir a idade da reforma, vendendo as suas empresas agrícolas aos filhos ou a outros que se queiram instalar na atividade. Em Portugal a reforma para os agricultores é apenas a mudança de contribuinte para pequeno pensionista. Por causa dessa pensão ser pequena, muitos tem de continuar a trabalhar por necessidade. Outros querem manter-se ativos, por opção. É importante que se mantenham ocupados, mas que o façam em segurança. Há uma diferença entre as atividades acompanhadas do pai do Farmer Tim ou do outro agricultor, em planície, e os idosos que em Portugal morrer a conduzir tratores sem cabines ou arcos de segurança em locais de declive acentuado.
Não é fácil encontrar o equilíbrio. Não é fácil dizer a um pai que deve manter-se em atividade mas lembrar-lhe aos mesmo tempo que já não é um rapaz novo, que não pode subir àquela escada ingreme para podar uma fruteira ou continuar a conduzir o trator como se tivesse 20 anos. Talvez trocar o trabalho nos campos distantes pela horta ao pé de casa seja uma opção. Trocar a criação de vacas no monte por gado mais “miúdo” no curral pode ser outra opção. Sentem-se bem? (Com cuidado 😊), continuem!

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publicado às 12:34

Desenrascar, ajudar... e cuidado!

por Carlos Neves, em 15.04.21

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Na quinta-feira da semana passada, ao início tarde, ligou-me um colega agricultor:

- Estás muito ocupado hoje?
- Bem, já fui a dois stands de tratores comprar peças, ainda tenho de passar numa oficina a consertar um tubo que rebentou esta manhã, ir ao colégio buscar o miúdo mas a meio da tarde já estou em casa…
- Precisava que me viesses desenrascar hoje com o reboque. tinha a silagem marcada para o início da tarde mas por causa de avarias só vou começar ao fim da tarde e a essa hora quem estava combinado vir ajudar tem que fazer a ordenha…
- Ok, conta comigo! - respondi. Ele já me tinha vindo ajudar mas só estava previsto eu devolver a ajuda noutra ocasião
Começámos já perto das 19h00, o que deu algumas belas fotos do pôr do sol mas teria valido um ralhete da minha avó, por “Ir para o campo à hora de vir!”. Ela dizia sempre “ide cedo para vir cedo” 🙂 .
Já depois das 20h00 com o crepúsculo a avançar rebentou um tubo do meu reboque… Depois de muito procurar conseguimos desenrascar com um tubo de uma alfaia do meu colega que estava parada, mas se fosse preciso já havia um reboque de um vizinho para emprestar...
Regressei a casa às 22h00 e o resto da equipa ficou a terminar a colheita dos campos mais próximos do silo onde não precisavam da minha ajuda. Devem ter trabalhado até perto da meia noite. Muitos tratores e tratoristas andaram entre campos e estradas nesse dia e nessa noite, porque no dia seguinte se esperava chuva.
No sábado só havia previsão de chuva para quarta-feira, portanto marquei o resto da minha silagem para terça-feira, cortando a erva sábado ao fim do dia e no domingo de manhã.
Segunda-feira, depois de deixar o trator na oficina para a reparação de uma pequena avaria que detetámos ao lubrificá-lo no fim de semana, vejo que as previsões anteciparam a chuva para terça… e antecipei a minha silagem para a tarde desta segunda-feira. Foi a minha vez de ligar a toda a gente para me "desenrascar". Ao fim da tarde a minha silagem estava feita e enquanto o Hugo ficou a fechar o silo com outra ajuda ainda consegui semear um campo que tinha a terra preparada, mesmo que para isso tenha chegado para jantar às 22h30. Terça acordei com o som da chuva no telhado. Soube bem ouvi-la a cair, sobretudo sabendo que conseguimos guardar a colheita antes dela chegar.
Só com muita entreajuda, muito “desenrascar” e muita boa vontade dos colegas, dos prestadores de serviços e dos mecânicos é que conseguimos guardar as culturas no melhor ponto possível de acordo com os imprevistos do tempo. E, já agora, aproveito para agradecer a paciência dos vizinhos que por esses dias aguentam o pó, barulho e cheiros. Não há rosas sem espinhos, é o preço da paisagem verde.
Agradeço e peço também a paciência e o cuidado dos condutores que se cruzam com as nossas máquinas e tratores nas estradas. Ah, muito importante, quando levamos uma alfaia suspensa atrás do trator, como uma charrua, muita atenção e ainda mais paciência para não ultrapassarem quando estamos a virar à direita para entrar nos campos ou num caminho, porque quando viramos à direita o “rabo” da máquina vai para a esquerda, ok??? Obrigado!

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publicado às 00:03

A erva das "touras" 😀

por Carlos Neves, em 11.04.21

- O Luís não está aqui contigo?

- Não, deve estar ali com as novilhas…

- Disseste-lhe para dar erva?

- Não, porquê?

- Queres ver a gravação? (vou meter em alta velocidade que isto demorava uns minutos :) )

... 

PS - Cada ser humano é único e irrepetível. Cada criança é ainda mais especial. Gosto muito da frase que um dia ouvi: “Cada vez que Deus faz uma pessoa, no final parte a forma”. Mas, dito isto, quero dizer que, na sua espontaneidade, o Luís não é diferente dos outros meninos e meninas que crescem em quintas, fazendas ou granjas, por esse mundo fora, a criar vacas, cabras ovelhas, porcos, coelhos ou galinhas, a plantar hortícolas ou a colher frutos e que nestes dias de pandemia e confinamento passaram ainda mais tempo em casa. Não mostro aqui os seus “melhores momentos” (pois também tem o seu “lado lunar”, como a canção do Rui Veloso) por vaidade, por ser melhor ou diferente. Apenas para lembrar que na agricultura somos essencialmente famílias a cultivar a terra e a criar animais para vos(nos) alimentar. Tanto em pequena como grande escala, nas "micro-granjas" ou nas vacarias com centenas de vacas, 99% da nossa comida é produzida por empresas/quintas familiares. Por pais que sonham que os filhos continuem a sua atividade e se preocupam em conservar, aumentar e deixar uma terra mais fértil. Por filhos que respeitam o legado dos pais idosos e contam ainda muitas vezes com a sua presença, o seu conselho e a sua ajuda. Um dia próximo vou também escrever sobre os mais velhos. Por agora, votos de um bom domingo, em família, nem que seja em contacto remoto com a família! Mantenham-se em contacto! Abraço!

#carlosnevesagricultor

Link do vídeo: https://youtu.be/gIkYc_PBTvA

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publicado às 08:02

Bons e maus exemplos (Liam e Sócrates)

por Carlos Neves, em 10.04.21

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O meu colega Gareth Wyn Jones , agricultor e Blogger do País de Gales, Reino Unido, partilhou uma publicação da Liam's Chicken Farm (A Quinta de galinhas do Liam):
“Olá, eu sou o Liam, tenho 10 anos e administro a minha própria granja em Cross Hands. Comecei há dois anos com 6 galinhas e no momento tenho pouco mais de 35 galinhas. Vendo ovos frescos na minha 'pequena' loja de fazenda (atrás da cerca viva) na Estrada Pontardulais (no beco sem saída) em Cross Hands.
Pronto para desfrutar de ovos frescos da fazenda? As galinhas ficam fora o dia todo e têm acesso a uma área arborizada. Espero vê-lo em breve! Diolch Liam”
Nada mais sei sobre o Liam, além deste texto e 3 ou 4 fotos que publicou na sua página, mas posso imaginar que tenha apoio dos pais neste seu pequeno negócio. Lá não devem conhecer o ditado “gado de bico nunca fez ninguém rico” (exceto se forem milhares de bicos😀…). Deve ter bons EXEMPLOS.
Em Portugal também temos bons exemplos, mas os maus exemplos têm mais atenção. Por exemplo, gostamos de enriquecer depressa e sem trabalho. Têm vindo a público histórias de youtubers que são seguidos por milhares de miúdos e ganham dinheiro à custa deles para comprar carros de luxo enquanto “alegadamente” “ensinam” a ganhar dinheiro sem trabalhar, investindo em criptomoedas e coisas parecidas. Gente nova no velho esquema da pirâmide, em que os primeiros espertos ganham dinheiro enquanto conseguem enganar os palermas seguintes.
Na agricultura, há dezenas de anos, também tivemos um esquema da pirâmidade, com minhocas para compostagem. Criavam-se minhocas para vender a outros que esperavam ganhar dinheiro a vender minhocas… os primeiros tiveram o lucro, os últimos o prejuízo. Tivemos ainda um ex-primeiro-ministro sob suspeita numa série de negócios. Pode escapar à prisão por falta de provas mas não consegue explicar-nos como levou uma vida de luxo com base numa herança da mãe e nos dinheiros de um amigo. Parece que venceu mas entrou num beco sem saída: ou assumia que era corrupto como o acusam ou desculpava-se dizendo que é um gastador irresponsável e incompetentente que não serve para governar.
Haverá sempre gente a tentar viver de esquemas, a enganar os outros e a si próprios, mas quem faz avançar o mundo e quem o alimenta são os miúdos e as suas famílias que criam galinhas, vacas, ovelhas, que cultivam, que ajudam os pais, é a gente que trabalha no duro todo o ano, que é capaz de entrar pela noite dentro para colher a erva antes que venha a chuva estragar, mesmo a vender barato, a ganhar pouco e às vezes a perder dinheiro porque há outros mais “espertos” que se aproveitam pelo caminho do prado ao prato.
#carlosnevesagricultor

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publicado às 07:39

Este feno dava um filme!

por Carlos Neves, em 03.04.21

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"-Já é Páscoa???” - perguntou (gritou!) o Luís à mãe quando chegou do colégio e me viu a cortar a erva aqui na Arroteia de Cima, o campo onde está a vacaria e todo o “assento de lavoura”. Há alguns meses alguém lhe deve ter dito que só haveria silagem de erva ou feno por altura da Páscoa e ele leva estas coisas muito a sério, tal como as máquinas ou reboques que cada trator pode engatar. Por isso, a seguir essa cena que perdi, tive direito ao interrogatório que já partilhei há tempos enquanto cortava o resto da erva na sua companhia.

Antigamente só cortávamos as ervas para feno depois da Páscoa, lá para o fim de Abril. Na Páscoa, o meu padrinho, o tio David, trazia sempre um grande Pão de ló, de uma pastelaria da Póvoa de Varzim, mas nós comíamos primeiro o que a minha mãe fazia em casa, no forno do fogão a lenha, de modo que o pão de ló do padrinho era quase todo torrado no forno e guardado nas caixas de bolachas vazias ou nos tupperwares disponíveis e depois sabia pela vida, algumas semanas mais tarde, na merenda dos dias de guardar o feno. Essa era a parte boa, além do convívio com o padrinho e com as outras pessoas que vinham ajudar a carregar o feno.
“-Estive a ver as previsões e a melhor ocasião para enfardar é domingo à hora do almoço!” - disse eu à família, meio a sério e meio a brincar, uma semana depois de cortar a erva. Na verdade a previsão apontava o domingo como o dia mais quente e seco, como se quer na hora de enfardar, mas como eu tinha semeado azevém galego (uma variedade regional que produz pouco mas é precoce e seca rápido), os dias tinham estado bons para secar, com vento leste e tínhamos mexido a erva várias vezes, estava convencido de poder enfardar no sábado e deixar para domingo apenas os trabalhos essenciais que não podemos adiar, ligados à ordenha, alimentação e cuidados das vacas.
Na véspera, sexta-feira, engatámos o Massey Ferguson à enfardadeira, fizemos as últimas lubrificações e parecia tudo afinado. O Massey Ferguson enfardou muitos anos até ser substituído pelo Renault, porque são os dois tratores que permitem inverter o funcionamento da tomada de força, necessária para quando a enfardadeira encrava com algum pedaço de feno maior, mas este ano voltei a usá-lo porque estava livre e quis “matar saudades”. Foi fixe mas arrependi-me, não pelo perigo de andar sem arco de segurança, porque aqui o risco era mínimo, mas porque, sem cabine, ao fim de uns minutos tive de pedir aos miúdos para irem meter protetor solar, e trazer também protetor e um chapéu de abas largas para mim, que ainda estamos muito branquinhos depois do inverno e é cedo para apanhar o primeiro escaldão ou ficar com remorsos sobre cancro da pele…
Tinha “encordoado” a erva em pequenos cordões para continuar a secar. Sábado ao meio dia tentei enfardar, mas os fardos ficavam pesados - ainda havia alguma humidade que podia causa bolor no armazenamento (com fardos grandes, mais apertados, até pode causar incêndios). Adiar o enfardamento é um stress enorme quando temos as pessoas marcadas para ajudar, medo que venha chuva e a família enervada a dizer –“Está boa, avança!”, mas como íamos resolver com a prata da casa e não havia chuva no horizonte, adiei para o dia seguinte e aproveitei para dar mais uma cambalhota à erva com o encordoador, para secar um pouco mais.
Enfardei após o almoço de domingo, sem remorsos de privar a família do passeio – afinal não se podia sair de casa. A enfardadeira velhinha e portou-se “mais ou menos” – lá foi deixando uns fardos por atar, encravando e obrigando-me a ir para debaixo dela atar os fios – o que é giro para tirar fotos mas nada mais. Já com ¾ da erva enfardada teve uma avaria maior. Fiz bem em parar, pois só vi depois o que se passara, tem uma roda dentada partida e precisa de uma revisão profunda no atador. Com tempo, tenho de ver se compensa reparar. Chamei depois um colega com uma enfardadeira de rolos para outro campo, onde não podia entrar a automotriz da silagem e, num rolo, colocou quase tanto feno como num reboque de fardos pequenos.
Estes fardos pequenos são muito práticos para dar aos vitelos ou pequenos ruminantes, mas há motivos para as vacarias de maior dimensão terem deixado de usar este sistema. Isto é muito giro para fazer umas horas por ano, uma tarde de convívio e ginásio ao ar livre, mas andar dias a carregar fardos pesados, ficar com os dedos a doer de pegar nos fardos pelos fios, amarrar cargas e virar reboques em “caminhos de cabras”, fazendo centenas ou milhares de fardos por ano exigia uma mão de obra que já não existe – emigrou para o estrangeiro ou para a cidade, com todo o direito, à procura de uma vida melhor. Nós, os poucos que ficámos na terra e continuamos a produzir comida para todos, tivemos de comprar ou alugar máquinas maiores e passar a fazer a silagem, os rolos de erva plastificados e usar outras novas tecnologias que são criticadas por quem usa novas tecnologias na ponta dos dedos, não sabe o que passámos mas quer comida barata produzida à moda antiga. É por isso que temos de explicar estas coisas. Santa Páscoa para todos!
#carlosnevesagricultor #feno #agricultura

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publicado às 16:21

Uma charrua que empurra o trator!

por Carlos Neves, em 02.04.21

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Tenho uma vaga memória da primeira charrua que o meu pai comprou para o trator Ford Super Dexta 45, mas sei que lavrou muitos hectares de Vila do Conde nesses primeiros anos a partir de 1963, quando havia poucos tratores. Recordo-me que era uma charrua azul e foi trocada por outra laranja, da marca “Curval”, no início da década de 80, após a chegada do Massey Ferguson 265. Era uma charrua feita aqui na Junqueira, em Vila do Conde, com uma inovação exposta na feira de Braga - uma “mola” que funcionava como fusível para não empenar a charrua quando encontrava alguma pedra. Era uma charrua “2 ferros / 12 polegadas”. A largura de trabalho das charruas mede-se sempre em polegadas, não sei porquê. Mais tarde, na “Metalúrgica Arvorense”, essa charrua foi aumentada para 14 polegadas e levou aivecas “Galucho” (A aiveca é aquela parte brilhante que vira a terra).

Após comprar o trator Lamborghini, em 1990 o meu pai comprou uma nova charrua na “Casa Catela”, em Vila do Conde. A Casa Catela vendia motores de barcos e máquinas agrícolas e funcionava no edifício que fora anteriormente o “Teatro Afonso Sanches” nos tempos áureos do bairro balnear e é agora o pão quente “Forninho”, na rua que desce do Hospital até ao mar.
Em 1991, ainda com 17 anos, tirei a carta de condução de trator num curso de “operador de máquinas agrícolas” ministrado pela Leicar, junto à Escola agrícola, em S. Pedro de Rates. Nessa ocasião anteciparam para 16 anos a idade mínima para tirar carta de trator, depois restringiram essa opção aos tratores até 3500 kg de peso bruto, mas nessa altura dava para todos e aproveitei. Tendo carta de trator e não tendo ainda carta de carro, uma vez fui de trator para a escola agrícola. Estacionei à porta da Escola e o trator chamou a atenção aos técnicos da Direção Regional de Agricultura que nesse dia foram dar uma palestra sobre mecanização agrícola.
- De quem é aquele trator?
- É meu.
- E que Charrua puxa?
- Uma charrua “2 ferros / 18”.
- E tem força para puxar? Que charrua é?
- É uma Kverneland, respondi.
- Ah, assim já percebo, isso é uma charrua que empurra o trator!
A charrua é uma alfaia que exige imenso esforço ao trator. Há 30 anos, esta charrua norueguesa, pelo desenho avançado da sua aiveca, causava menos atrito, “puxava” menos pelo trator (“empurrar” era um exagero😊) e tinha fama de ser a melhor do mundo. Mais tarde, em 1998, quando comprei o primeiro Jonh Deere 6210, de 90 CV de potência, mandei colocar mais um “corpo”, ficando a charrua com “3 ferros” e desde então é esse o conjunto que tem lavrado as nossas terras e as outras que, entretanto, alugámos, além de familiares e vizinhos que nos ajudam noutras tarefas. Hoje há outras marcas de charruas com boa reputação, maiores, com aivecas recortadas, em forma de “ripes”, que exigem ainda menos esforço aos tratores. Não sei qual será a melhor, mas não voltei a ouvir falar de charruas que “empurram o trator” 😊.
#carlosnevesagricultor

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publicado às 00:14

Silagem de erva 2021

por Carlos Neves, em 01.04.21

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"O processo de conservar forragem sob a forma de silagem é antigo, tendo já sido usado por egípcios e romanos, em fossas, silos e depois em barris de vinho, durante a época medieval. No século 19 o processo de ensilagem desenvolveu-se na Europa e chegou aos Estados Unidos, de tal modo que em 1888 decorreu o 5º congresso da Silagem em Nova Iorque.
Este processo de conservação baseia-se na fermentação láctica da matéria vegetal rica em açúcares, nomeadamente milho ou ervas como azevém, trigos, aveia, cevada, em que as bactérias lácticas, na ausência de oxigénio, degradam a matéria orgânica produzindo ácido láctico e outros ácidos orgânicos, baixando o pH, o que permite a conservação ao longo de todo o ano, podendo-se assim aproveitar as plantas da época de maior produção para alimentar os animais ao longo de todo o ano de forma estável e regular. Perdem-se alguns nutrientes em relação à erva fresca, mas a silagem é mais nutritiva e digestiva que o feno.
O milho é cortado e ensilado diretamente, quando já tem cerca de 30-35% de matéria seca. Como a erva verde, nesta altura, tem muito mais humidade que iria , cortámos, espalhamos e deixamos secar 2 ou 3 dias antes de recortar, carregar para os reboques, transportar para o silo, calcar a silagem para tirar o máximo de oxigénio e cobrir com plástico para que não possa voltar a entrar oxigénio. Se houver um buraco no plástico do silo (ou do rolo de erva plastificado) o oxigénio que vai entrar vai permitir o desenvolvimento de bolores e apodrecimento da matéria vegetal.
É possível que algumas pessoas tenham a ideia que alimentar as vacas com silagem é um processo moderno e artificial, por oposição às alimentação direta na pastagem com erva fresca. Pelo contrário, como expliquei atrás, a silagem é um processo natural com milhares de anos. Nem todos os países ou regiões têm condições de pastagem durante todo o ano ou possibilidade para deslocar os animais ao pasto. Por isso as silagens de milho e erva são a base da alimentação das vacas que produzem a maior parte do leite no mundo."
(fotos de 31 Março 2021. Texto de 25 de Abril de 2020)

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