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Entre os vários presentes e lembranças que recebi neste natal, quero partilhar aqui (lamento, só posso partilhar a imagem, não dá para partilhar uma fatia 😊) uma dupla surpresa, este queijo que me ofereceram. Surpresa pela oferta e pelo queijo em si. Não sou especialista de queijos e, portanto, não vou estar com muito detalhes descritivos, mas este queijo tem uma forma de prato achatado, “esborrachado”, mas sem rachas, devido a ser amanteigado. Lembra vagamente o queijo camembert. Sabe (soube😊, a toda a família) muito bem. Já acabou.
É um queijo da ilha do Pico, onde a produção de leite atravessou muitas dificuldades há alguns anos, com os produtores a passarem meses sem receber devido a uma cooperativa que terá falido. É um queijo diferente de uma ilha diferente, numa embalagem de aspeto original e instrutiva, que me ensinou o que são os mistérios da ilha do Pico (se não conseguirem ler a explicação na imagem terão de comprar o queijo 😊).
Nunca estive na ilha do Pico. Em junho de 2003, com a minha esposa, nas nossas primeiras férias, tivemos viagem marcada para o Pico a partir do Faial, depois de passar 3 dias em S. Miguel, mas, estando eu constipado e com febre, ficámos pelo Peter’s café na Baia da Horta e pelos restantes encantos da Ilha do Faial.
Este queijo é um excelente exemplo do que pode ser um futuro melhor para a produção de leite nos Açores e em Portugal continental: produzir diferente, com valor acrescentado; produzir mais queijo para substituir o queijo importado e para que sobre menos leite nos Açores que depois é oferecido, despejado e desvalorizado em promoções a 39 cêntimos nos supermercados de Portugal continental, o que é muito mau para todo o setor leiteiro.
#carlosnevesagricultor
(texto publicado no "mundo rural" de dezembro)
Vamos lá tentar ver as coisas pelo lado positivo: se está a ler este texto, é porque sobreviveu a 2020, talvez o ano mais difícil da história recente do mundo ocidental.
Escrevo nos últimos dias de Outubro, quando batemos recordes diários de casos positivos de Covid-19. Não sei como vai evoluir até ao final do ano e em 2021.Continuo a pensar que não vai correr tudo bem nem vai ficar tudo mal. Vai correr mais ou menos, mais duro para uns, mais leve para outros.
A agricultura não parou. As vacas continuaram a arrotar metano ao digerir a erva, mas a poluição baixou. Não faltou comida na mesa, nem no supermercado, nem na horta de um amigo.
Na Europa, foi aprovada mais uma reforma da PAC, que os ministros da agricultura e o parlamento europeu dizem ser mais verde, mais ecológica, apesar da opinião contrária dos ambientalistas que queriam mais dinheiro para os seus ideais e projetos.
Entretanto, o Presidente da República disse que teremos de repensar o natal. Não podemos ter 50 ou 100 pessoas à mesa. Anda por aí muita gente indignada, mas acho que é fácil perceber a recomendação de celebrar o natal com o núcleo familiar mais restrito para não agravar o risco de propagar a doença. Vai doer a ausência. Mas também dói a doença, dói mais e pode ser irreversível. Quando isto passar, a correr bem, com vacinas a funcionar, já poderemos celebrar com normalidade o natal de 2021, as outras festas e as feiras agrícolas.
Mantenham a distância física, mas aproximem se das pessoas pelos meios de comunicação à distância. Telefonem, mandem e-mail, escrevam, façam vídeo chamadas, reuniões de zoom, etc, etc. Mantenham sentido crítico sobre o que se publica nas redes sociais. Há muita gente que gosta de criticar por criticar, de “incendiar” para ver arder e espalhar boatos ou coisas agradáveis aos ouvidos de quem está revoltado mas que podem enganar muito e fazer mal. Escolham bem se confiam no vosso medico de família, no diretor do hospital da vossa zona, nos médicos que estão na urgências de covid e não-covid ou numa pessoa que vos apareceu no Facebook, no Youtube ou no whatsapp. De vez em quando, desliguem das redes sociais. Cuidem da saúde física e da saúde mental. Fiquem bem, passem um bom natal com produtos agrícolas nacionais. Ofereçam, comam bem, bebam bem (pouco e bom), e mimem-se. Santo Natal! E um ano novo melhor!
#carlosnevesagricultor
Estávamos a 30 de novembro e no grupo “Leite é Vida” a Marisa Costa lutava para fazer um vídeo de Natal, com testemunhos de vários agricultores e produtores de leite a desejar boas festas, tal como fizemos no início da pandemia desejar cuidado e saúde. O ano passado foi mais fácil para nós, pois o António, a Vânia, a Theresa e a restante família Campos trataram de tudo.
Desta vez, como de costume, o Sérgio Moninhas respondeu imediatamente ao desafio de mandar um vídeo, a Manuela Dias Pimenta também, mas os restantes convidados demoravam a reagir. Foi aí que, meio a sério meio a brincar, eu sugeri fazermos um vídeo a cantar, inspirado por exemplos americanos e espanhóis, apesar de não serem vídeos de Natal. Se eles conseguem, porque não havemos de conseguir? O ano passado, para o encerramento do colóquio nacional do leite, também descobrimos que o Manuel Maia é agricultor / veterinário / organista quando aceitou tocar o "Shalow" da Lady Gaga e Bradley Cooper. De certeza, insisti, haverá por aí agricultores que cantam no coro da igreja, no rancho folclórico ou em algum grupo musical, para além dos que simplesmente gostam de cantar, como eu. A Marisa continuava a torcer o nariz, mas a Ana apoiou a ideia e sugeriu convidar o Rui Nova para ajudar.
Bati à porta certa no dia seguinte. Bastou um telefonema para a minha prima Lurdes e a "família Penas" mostrar que podia ser a Kelly family portuguesa. A Lurdes sabe cantar e tem boa voz, o marido Manuel toca acordeão, a filha Isabel, para além do curso de medicina, toca órgão e viola, o irmão Álvaro tem uma voz linda que canta e encanta no salmo na missa, a esposa Florinda e os filhos Nuno e Pedro ajudaram no coro e as vacas fizeram o cenário para a sequência base do nosso filme. Pedi de manhã, filmaram á tarde e no dia seguinte tinha no mail o vídeo e o instrumental.
Depois foi "só" passar umas horas ao telefone, eu, a Marisa e o Sérgio, a ligar, convidar, mandar mensagens, "atirar o barro à parede ", pedindo para gravar com o telemóvel na horizontal e com o mesmo ritmo do primeiro vídeo. Para cantar, se tivessem coragem, ou pelo menos dizer umas breves palavras. Pouco a pouco, com falhas de comunicação pelo meio, surgiram as “peças do puzzle”, vindas de produtores de todo o pais, veterinários, podólogos de bovinos, mecânicos, técnicos de refrigeração do leite... Depois a equipa Norte Litoral TV fez em tempo recorde o milagre da montagem e edição, a parecer que cantamos todos bem. 13 de Dezembro, domingo à noite mandaram-nos a primeira versão, sugerimos pequenos acertos, o "grupo leite é vida" deu ok com nota máxima e pela meia noite o vídeo ficou online no YouTube e agendado para publicar no Facebook na manhã do dia seguinte, com um comunicado pronto a ser divulgado pela Nélia Silva da Comunicland.
Tudo parecia correr bem, reações positivas, quando o Eduardo Soares manda uma mensagem: "Então e o vídeo do meu irmão?" Referia-se ao irmão gémeo Filipe Soares. Só ao fim de vários anos aprendi a distingui-los, é mais fácil pela voz, mas não a cantar em família… Bem, fiquei espantado... Eu de facto estranhei o Eduardo ter mandado três vídeos e num deles só havia uma criança, mas era escuro e pensei que tivesse mandado um filme de ensaio por engano… O cenário era diferente do que ele me tinha prometido ( o viteleiro) mas ele tinha dito que o irmão não podia filmar… quando o vídeo chegou, eram quase 10h da noite, espreitei à pressa no telemóvel e encaminhei os vídeos que tinham vitelos para o Rui Nova, pois já passava da hora combinada. Não me passou pela cabeça que tivessem feito um esforço imprevisto para a família do Filipe também filmar e não olhei para o rosto das esposas e dos miúdos, que são diferentes… bem, já apresentei as desculpas, já nos rimos com isto e considerem, portanto, que está a toda a família Soares representada, bem como todo o setor leiteiro, pois era esse o nosso objetivo. Portanto, com mais ou menos imprevistos, desejo “A todos um bom natal, que seja um bom natal para todos nós! “
#carlosnevesagricultor
#natal
#boasfestas
O calendário Agros deste dezembro lembra-nos que a palha não serve apenas para fazer a cama do Menino Jesus no presépio. Também a usamos para garantir o bem-estar na cama dos vitelos, nas primeiras semanas de vida. Aliás, no presépio, que significa manjedoura, representamos o nascimento de Jesus num humilde abrigo de animais.
Dei comigo a pensar: Quem diria! A palha, quase sem valor, acabou por ter uma função tão importante. Mais tarde, Jesus perguntou (Mt 21, 42): «Vocês nunca leram isto nas escrituras? "A pedra que os construtores rejeitaram veio a tornar-se pedra angular" (Salmos, 118, 22).
Ou, na versão mais recente de Mafalda Veiga,
“Geme o restolho, a transpirar de chuva
Nos campos que a ceifeira mutilou
Dormindo em velhos sonhos que sonhou
Na alma a mágoa enorme, intensa, aguda
Mas é preciso morrer e nascer de novo
Semear no pó e voltar a colher
Há que ser trigo, depois ser restolho
Há que penar para aprender a viver”
Penso que vem a propósito distinguir palha de feno. Feno é erva seca, cortada inteira ainda verde, com espiga, cortada na Primavera ou Verão antes da espiga estar madura e depois seca ao sol. Geralmente fazemos feno de azevém ou outra gramínea semelhante, às vezes com trevos à mistura. A melhor variedade para fenar, por secar mais rápido, é o tradicional azevém galego, embora seja menos produtivo e nutritivo que as modernas variedades de azevém. Por outro lado, o feno bravio dos lameiros de Trás-os-Montes tem um cheiro especial, a aromáticas selvagens...
Palha é o que sobra da planta colhida já seca, depois de tirarmos a espiga. Podemos ter palha de milho (que antigamente servia para fazer cabaneiros que abrigavam máquinas, animais e depois ainda dava para comer, enganando a fome às vacas) e palha de arroz, mas a palha mais comum, que vemos a circular na estrada em camiões com grandes fardos, é palha de trigo ou cevada. Enquanto o feno tem valor nutritivo, pois é rico em proteínas, a palha não tem valor alimentar, mas é uma importante fonte de fibra, fundamental para o bom funcionamento do rúmen das vacas, em conjunto com produtos que alimentam mas tem pouca fibra, como é o caso da silagem de milho, da erva fresca e da ração. Por falar em erva, era costume os lavadores darem uma refeição reforçada de erva na noite de natal, conta o meu pai que havia até a disputa sobre quem levava para casa o maior carro de erva. No fundo, ainda temos esse gosto de saber que os animais que criamos também tem direito à sua "ceia de natal".
Por falar em Natal, uma das memórias que tenho da infância na "Casa de Quintão" onde vivi até aos 6 anos, era colocar palha no chão da cozinha na noite da consoada, para brincarmos todos. Era um costume aqui de Árvore, mais comum no vizinho lugar da Areia. Ainda fizemos pelo menos uma vez na nova casa, mas depois o costume perdeu-se. Aposto que os miúdos iam adorar a experiência, mas acho que a minha esposa não vai apoiar o regresso desta tradição. 😂😂
Boas Festas, divirtam-se!
#carlosnevesagricultor
#palha
#feno
Em boa hora a Marisa Costa organizou o passatempo de Natal na página “Leite é vida”. Foi uma forma de manter a distância física por causa da Covid19 e aproveitar esta autoestrada de comunicação que é esta rede social.
Com as vacinas para o novo Coronavírus quase a chegar, vieram também as velhas dúvidas. Fui buscar um texto meu de 2018, na altura por causa do regresso do Sarampo devido á recusa da vacina, fiz uns recortes para não vos maçar, acrescentei alguns tópicos de reflexão e ficou assim:
Escrevo depois de uma semana de chuva e com mais chuva prevista nos próximos 10 dias. Não posso ir ao campo buscar erva para as novilhas, dou graças a Deus por ter comida armazenada para todos os animais e tenho finalmente o tempo e o motivo para explicar porque é que a maior parte das vacas leiteiras em Portugal estão dentro de vacarias.
Quando recebo visitantes na minha vacaria, costumo apresentar-lhe um estranho reboque amarelo que costuma estar acoplado ao trator e parado próximo das vacas como “a minha bimby” 😊. Para ser exato, tenho de reconhecer que os reboques misturadores que temos nas vacarias portuguesas, mais conhecidos como “unifeeds”, não são ainda os “robots” ou sistemas automáticos de alimentar vacas que já existem noutros países, mas andam perto. São a segunda máquina mais importante, a seguir ao sistema de ordenha.
Até há 40 anos, as vacas eram alimentadas com erva ou silagem de milho carregados à mão (com gancho e forquilha) para o reboque ou caixa de carga e às vezes levados em cestas para alguns corredores estreitos dos velhos estábulos. Em pequenas vacarias, esse trabalho duro ainda subsiste, mas ao longo destas 4 décadas fomos aliviando essa tarefa, primeiro com “desensiladores” e depois com o reboque misturador “unifeed”.
O princípio do sistema “unifeed” ou TMR (total mixed ration – ração totalmente misturada) baseia-se em colocar à disposição das vacas, 24 horas por dia, toda a comida que precisam, devidamente misturada, sob análise e conselho do nutricionista. Carrega-se para o unifeed a palha ou feno, que podem ser recortados e junta-se depois a silagem de erva, silagem de milho, ração ou outros alimentos, mistura-se tudo como numa “picadora 1-2-3“ e distribui-se imediatamente às vacas. Estas, conforme a sua produção de leite ou estado corporal (mais ou menos gordo) podem ainda receber um suplemento individual de concentrado na ordenha ou “estações de alimentação”.
Oferecer sempre a mesma comida pode parecer monótono, mas é mais eficiente porque, na verdade, nós não alimentamos as vacas. Nós alimentamos a “flora ruminal”, que vive na sua pança ou rúmen, o primeiro dos seus 4 estômagos. Para a digestão de cada alimento, depois de triturado na boca, misturado com saliva, ruminado e fermentado, há uma equipa de digestão, composta por bactérias e protozoários específicos. Quando mudamos o alimento, temos de esperar que se desenvolva a nova “equipa” e só depois o animal vai alcançar todo o seu potencial de produzir leite ou engordar para produzir carne. É essa “bicharada pequenina” que é capaz de degradar a celulose e tornar disponível a digestão complementar nos 3 “estômagos” seguintes. É isto que permite alimentar os bovinos e outros ruminantes com pastagens (há áreas enormes que não poderiam ter outra forma de servir para nos alimentar) e aproveitar todo um conjunto de subprodutos para alimentação animal que doutro modo iriam para o lixo.
Nos últimos anos, os reboques misturadores, puxados por tratores, tem sido substituídos por “misturadores automotrizes” mais modernos, inclusive com sensores capazes de analisar imediatamente os alimentos para ajustar as doses de modo a equilibrar o alimento a fornecer. Tal como nos robôs de cozinha para uso humano, também para as vacas podemos escolher entre diferentes cores, marcas e sistemas. Para além das imagens, podem ver aqui um pequeno filme de 2 minutos a mostrar uma dessas maquinas em funcionamento.
#carlosnevesagricultor