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Entre os meus avós, a única que ainda vivia quando nasci era a minha avó paterna, que se chamava Esperança Rosa da Silva mas era mais conhecida como “Esperança Painça”. “Painço” é uma espécie tradicional de “milho” pequeno, parecido com o sorgo, já cultivado por estas terras antes do atual milho chegar da América com os descobrimentos e que era e é usado na alimentação humana e animal (para aves). Não sei exatamente como chegou essa alcunha à família, mas o bisavô Bernardino, pai da avó Esperança, já foi nomeado como "Painço" quando foi notícia no jornal em 1897, por ter sido espancado por dois capangas contratados, alegadamente num caso de ciúmes. Não sei se foi calúnia, caso isolado ou sintomático, mas a minha avó, bem-disposta apesar de austera e religiosa, que teve um filho padre e 3 sobrinhas freiras, parece ter puxado mais ao lado da mãe, de quem herdou os nomes de família.
Esta semana, na data marcada, entreguei na cooperativa os plásticos que usei ao longo do ano para conservar alimentos para as vacas e regar o milho (fita de rega gota a gota). Quem vende tem obrigação de recolher as embalagens ou plásticos usados. Para pequenas quantidades há os ecocentros. A cooperativa organiza a concentração e chama depois um operador qualificado para levar o plástico para reciclagem.
Antes da pandemia, estava na moda dizer mal do plástico. Parecia que todo o plástico era levado em rios de plástico até ao mar. Parecia que o plástico não podia ser reutilizado, reciclado, que as pessoas não podiam ser educadas, pelo menos, a usar o contentor do lixo, parecia que a única maneira de salvar o mundo era acabar com o plástico, sobretudo o descartável. Lembram-se? Talheres e pratos descartáveis tinham os dias contados.
Depois veio a pandemia deste vírus contagioso e de repente tudo o que era descartável tornou-se precioso. Sacos de plástico destinados a conter lixo foram adaptados para servir de bata e proteger profissionais de saúde. Se a pandemia viesse um ou dois anos mais tarde encontraria o mundo sem plásticos descartáveis e seria ainda pior.
Mesmo sem pandemias de doenças contagiosas, trocar plástico por vidro ou papel também tem custos ambientais na sua produção. O vidro é mais pesado para transportar. Lavá-lo devidamente para voltar a usar sem risco de transmitir covid ou qualquer outra coisa tem custos energéticos e ambientais. Se é melhor ou pior, não sei. Não sou fabricante, nem vendedor, nem especialista em plástico. Procuro ser um utilizador consciente. Mas não aceito a "narrativa" de que trocar o plástico por outra coisa não tem custos. Estudem bem o assunto, façam todas as contas e expliquem-nos bem as coisas antes de tomar decisões dessa natureza. Porque eu repito e insisto: O plástico, por si, não é bom, nem mau, não tem vontade própria, não tem perninhas, asas ou barbatanas, não vai sozinho para o mar. Quem deve ser censurado e castigado são as pessoas "porcas" que atiram o plástico para o chão, para os rios, para o mar ou para o campo do agricultores, com um contentor a poucos metros.
#carlosnevesagricultor
A polémica que nasceu e desapareceu há dias com a hora de abertura do Pingo Doce (ups, já tinham esquecido, não?) fez-me recordar uma aventura que vivi nas lutas do leite, a 22 de Março de 2016, e cuja leitura vos pode ajudar a passar estes dias de recolhimento…
Antes de mais, puxo atrás o filme para fazer o enquadramento: a 1 de Abril de 2015, acabaram as quotas que limitavam a produção de leite na Europa. Isso levou ao aumento de produção, à importação de leite barato pelos hipermercados, à baixa de preço do leite ao produtor, à redução de compras de leite português por parte de Espanha e à redução dos contratos que muitos produtores portugueses tinham com as cooperativas. Perante o desespero, as opções eram: 1) fazer barulho à porta das fábricas ou cooperativas e ficar num eterna discussão entre produtores e dirigentes; 2) arranjar problemas com a policia atacando e estragando camiões de leite importado, como faziam então os colegas espanhóis; 3) de forma pacífica mas persistente, apontar a solução mais lógica, que seria os hipermercados darem preferência ao leite português e fazer isto sem voltar a sociedade contra os produtores e sem problemas com polícia ou tribunais para os colegas que aceitavam participar nas nossa ações, porque somos gente de trabalho que tem família e animais que dependem da nossa presença (um dia conto a minha experiência de arguido nestas cenas).
Assim, numa estratégia de comunicação e pressão contínua da APROLEP, a 17 de fevereiro de 2016, fizemos a primeira ação de “marketing direto” à porta de um Pingo Doce na Avenida da Boavista, no Porto, mostrando os produtos lácteos importados que se vendiam lá dentro e que previamente havíamos comprado; a 23 de fevereiro, domingo à tarde, repetimos a ação no Continente de Barcelos; A 6 de Março, os colegas do Sul fizeram uma ação de Marketing Direto à porta do Centro Comercial Vasco da Gama em Lisboa; E a 14 de Março, numa enorme manifestação organizada em conjunto por APROLEP, CNA e FENALAC, colocámos 200 tratores e um milhar de pessoas na Circunvalação do Porto, com paragens na DRAPN (Governo), no Pingo Doce e no Continente de Matosinhos. Entretanto, o Continente deu resposta positiva, mas o Pingo Doce queria esperar pela sua nova fábrica para aumentar as suas compras de leite nacional. Que mais podíamos fazer?
No maior secretismo possível, a 22 de março organizámos um “raide surpresa” à loja do pingo doce na Póvoa de Varzim. Um grupo de 15/20 produtores entrou na loja, cada um com um carrinho de compras (um deles levava uma câmara “go pro”), outros com telemóvel a filmar, alguns com fita cola e cartazes bem visíveis para afixar no leite e produtos lácteos importados, tendo o cuidado de nada danificar. Os cartazes foram facilmente retirados pelos funcionários, mas já depois de fotografados pelos nossos telemóveis e por alguns jornalistas que nos acompanharam; Além disso, para dar o exemplo ao Governo e Comissão Europeia sobre o que fazer com o leite excedentário, comprámos cerca de 1000 litros de leite nacional que entregámos depois no banco alimentar contra a fome. Entretanto, a gerência da loja chamou a polícia que identificou 2 voluntários do nosso grupo, mas não houve consequências.
Sabiam desta história? É provável que não, porque quase não foi notícia. Por azar, à mesma hora em que terminámos a ordenha da manhã antes de iniciar esta “invasão”, terroristas rebentaram uma bomba no aeroporto de Bruxelas. Ainda pensámos abortar a iniciativa, mas as primeiras notícias falavam de um pequeno rebentamento. Não foi pequeno, o atentado foi grave, foi a notícia do dia, ocupou todos os noticiários da TV durante dias, não houve tempo para nós e só no dia seguinte um dos canais passou a reportagem da nossa ação. Mas, apesar disso, pouco tempo depois o Pingo Doce chegou a acordo com uma indústria nacional para embalar leite português até à abertura da sua nova fábrica que permitiu aumentar as suas compras nacionais. Hoje, os preços aos produtores ainda continuam demasiado baixos, ainda há muita gente aflita com os limites de produção dos contratos, mas, curiosamente, alguns dos colegas nesta aventura já vendem leite diretamente para o Pingo Doce e, pelo que vejo, todos os hipermercados vendem leite nacional nas suas marcas próprias e declaram-no com orgulho.#carlosnevesagricultor
"As "As castanhas são os aquénios (geralmente três) do ouriço, o fruto, com espinhos, do castanheiro-da-europa (Castanea sativa).
Presume-se que a castanha seja oriunda da Ásia Menor, Balcãs e Cáucaso, acompanhando a história da civilização ocidental desde há mais de 100 mil anos. A par com o pistácio, a castanha constituiu um importante contributo calórico ao homem pré-histórico que também a utilizou na alimentação dos animais.
Os gregos e os romanos colocavam castanhas em ânforas cheias de mel silvestre. Este conservava o alimento e impregnava-o com o seu sabor. Os romanos incluíam a castanha nos seus banquetes. Durante a Idade Média, nos mosteiros e abadias, monges e freiras utilizavam frequentemente as castanhas nas suas receitas. Por esta altura, a castanha, era moída, tendo-se tornado mesmo um dos principais farináceos da Europa.
Com o Renascimento, a gastronomia assume novo requinte, com novas fórmulas e confeções. Surge o marron glacé, passando de França para Espanha e daí, com as Invasões Francesas, chega a Portugal.
A castanha que comemos é, de facto, uma semente que surge no interior de um ouriço (o fruto do castanheiro). Mas, embora seja uma semente, como as nozes, tem muito menos gordura e muito mais amido (um hidrato de carbono), o que lhe dá outras possibilidades de uso na alimentação. As castanhas têm mesmo cerca do dobro da percentagem de amido das batatas. São também ricas em vitaminas C e B6 e uma boa fonte de potássio. Consideradas, atualmente, quase como uma “guloseima” de época, as castanhas, em tempo idos, constituíram um nutritivo complemento alimentar, substituindo o pão na ausência deste, quando os rigores e escassez do Inverno se instalavam. Cozidas, assadas ou transformadas em farinha, as castanhas sempre foram um alimento muito popular, cujo aproveitamento remonta à Pré-História." (Da Wikipédia)
Comecei este texto numa tarde soalheira de início de Outono. Mais cinzentos e preocupantes são os números crescentes de casos diagnosticados de Covid-19 que nos deixam apreensivos quanto ao futuro próximo. Dificilmente teremos magustos e feiras de S. Martinho e o que houver será muito limitado.
Tenho pena da falta de convívio, da festas e do “arejar” que as feiras agrícolas e as feiras das colheitas permitiam. Podemos manter o contacto e passar o tempo com as redes sociais e todos os meios de comunicação à distância, mas não é a mesma coisa. Mesmo assim, mesmo com as limitações, devemos fazê-lo. Fazer o pouco, pequeno que for possível. Manter o contacto através dos novos meios. O “confinamento geral” que passámos e os confinamentos locais ou individuais que teremos de fazer seriam muito mais duros há alguns anos quando não havia internet, telemóveis e redes sociais. Com o outono, o inverno, os dias cinzentos e chuvosos, o cansaço e depressão serão maiores e será mais difícil aguentar.
Como podem ler no texto acima, a castanha já foi peça fundamental da nossa alimentação. Hoje é uma iguaria, uma sobremesa, ainda assim uma produção muito importante em algumas regiões do interior do nosso pais. Comer castanhas também alimenta muitos portugueses.
Comprem castanhas. Vão à feira, ao supermercado ou mandem vir pela net. Coloquem-nas a assar, seja no fogareiro com brasas ou no grelhador elétrico. Convivam em família. Bebam um copo da vossa adega (pelo S. Martinho, vai à adega e prova o vinho), da adega de um amigo (aquele mesmo amigo a cuja horta vocês recorreram no confinamento) ou um copo de qualquer bom vinho, sumo ou o que vos apetecer. Celebrem o S. Martinho em família, em segurança, mas celebrem. Isto vai melhorar! Saúde! (publicado na revista mundo rural de Novembro 2020) Carlos Neves
Morreram 57 pessoas em acidentes com tratores em 2019, mais duas que em 2018. Uma morte por semana. Os números mais altos da Europa. Segundo o “Correio da Manhã” de 2/01/2020, “a maioria dos sinistros aconteceu em ambiente agrícola, fora de estrada, sendo que o distrito onde se registaram mais vítimas mortais foi em Bragança, com 11 óbitos. Seguiram-se Braga e Guarda, com seis. Nesta estatística não entram eventuais vítimas que sofreram ferimentos graves e acabaram por não resistir e morrer em ambiente hospitalar.” A notícia mostra-nos ainda que os acidentes ocorrem nas regiões montanhosas. Como bem afirmou Gonçalo Leal, Diretor-geral da DGADR (Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural) no programa “Sociedade civil”, RTP2, no passado dia 29/10, os acidentes devem-se a 3 causas: orografia, condutores idosos e tratores velhos, sem sistemas de proteção.
Há três sistemas de proteção: o arco de segurança, a cabine de proteção e o quadro de segurança, que basicamente é uma cabina sem vidros. Os sistemas de proteção são obrigatoriamente instalados em tratores novos vendidos desde 1994. Mas temos cerca de 80.000 tratores velhos, com mais de 25 anos, boa parte sem qualquer sistema de proteção. Não sei quantos serão e duvido que alguém tenha feito esse levantamento. Fica a sugestão.
Pelo “Jornal de Notícias” de 16/11/2020 ficámos a saber que no futuro código da estrada, “quem não tiver o arco de segurança no trator arrisca multa até 600 euros”. É esta a grande solução do governo para o problema? Como vimos atrás, só uma pequena parte das mortes ocorre na estrada. A maioria ocorre em propriedade privada. Não é com multas na estrada que vamos evitar essas mortes!
O que podemos fazer para mudar isto? Proponho investir uns trocos da “basuca europeia”:
- Para agricultores e empresas que tenham muito trabalho para o trator, proponho um programa para a troca/abate dos tratores velhos, poluentes e perigosos, substituindo por tratores novos, mais seguros, económicos e ecológicos, talvez com um apoio a fundo perdido de 60%;
- Para quem apenas usar o trator poucas horas por ano, se estiver em bom estado de mecânica, proponho um apoio de 90% para a instalação do arco de proteção, que certamente custará muito menos que os 7.000 euros citados na notícia do J.N. Isso já deve pagar uma cabine.
- Por último, é preciso uma boa campanha de comunicação para meter na cabeça dos mais casmurros que o arco da segurança só protege se for usado corretamente. Trazer o arco dobrado para passar debaixo das árvores ou ramadas não funciona, é como levar o capacete no braço para o caso de aparecer a polícia. Só então, depois dos apoios e da comunicação é que as multas farão sentido.
Além de poder salvar algumas vidas todos os anos, este dinheiro não vai ficar nos agricultores. Vai dar trabalho às pequenas empresas, aos mecânicos e serralheiros que vendem e reparam tratores e máquinas agrícolas. Acima de tudo, quanto vale uma vida? Quanto custa o socorro, o tratamento dos feridos e as reformas por invalidez aos sobreviventes? Temos a vacina disponível, de que estamos à espera para usá-la?
#carlosnevesagricultor
Eu sei que chego um bocado atrasado à pancadaria, porque o primeiro-ministro já veio hoje dizer que acabou o recreio e às 13h00 de sábado vai tudo para casa, mas não resisto a comentar o que se passou no meu feed do Facebook durante os últimos dias. Se me permitem, vou pegar no comando e andar atrás na gravação automática para rever o filme dos últimos dias:
Sexta-feira, 7 de novembro, 19h00 – o Governo reúne-se para tomar as medidas para conter a segunda vaga que quase todos os países da Europa já tomaram e que, na opinião de muitos médicos que estão na frente da batalha, chegam atrasadas.
Sábado, 8 de novembro – Acordamos, vamos ao Facebook e ficamos a saber as medidas que o primeiro-ministro anunciou à meia noite, nomeadamente o recolher obrigatório ao fim de semana das 13h00 às 6h00 do dia seguinte; Imediatamente, e durante todo o sábado e o domingo, o meu feed de noticias do Facebook (aquilo que vemos quando rolamos o dedo) enche-se de críticas e indignações porque fechar os supermercados à tarde vai concentrar toda a gente nas lojas durante a manhã. Só ao fim do dia vejo uma pequena publicação a lembrar que antigamente não havia hipermercados abertos ao domingo e também se vivia.
Domingo à noite, 9 de novembro – quando finalmente é publicada a lei que regula o recolher obrigatório, aparece a exceção para ir ao supermercado, mercearia e etc. comprar comida durante a tarde; imediatamente começo a ler críticas porque são muitas exceções e assim não adianta nada…
Quarta-feira, 11 de novembro – O Facebook fica inundado de publicações indignadas porque o Pingo Doce vai abrir as lojas às 6h30 aos sábados e domingos. Eu pensei que fosse para evitar a tal concentração de pessoas na loja que toda a gente criticava no sábado, mas devo ter sido o único a entender assim. Hoje os autarcas e sindicatos juntaram-se às criticas, referindo a injustiça de horários dos hipermercados face ao pequeno comércio e o sacrifício que seria para os empregados estar nas lojas às 4h00 da madrugada, sem transportes, etc – e eu acho que estas críticas tem razão.
Quinta-feira, 12 novembro – o Pingo doce percebe que fez asneira, pede desculpa e volta ao horário normal; A situação da epidemia está pior e o primeiro-ministro diz que fecha tudo às 13h00 exceto farmácias, combustíveis e mercearias até 200 m2.
Entretanto, não percebo as críticas ao Pingo Doce porque a empresa proprietária destes supermercados mudou a sede para a Holanda de modo a pagar menos impostos. Aliás, pela análise do meu Facebook, não sei como é que tem lucros, ou como conseguem manter as lojas abertas, ou vender alguma coisa! Ninguém vai ao pingo doce ou outros hipermercados, toda a gente diz que só compra no comércio local…
Eu, que devo ser insuspeito de defender os hipermercados, que já organizei várias manifestações contra as práticas do pingo Doce e de outros hipermercados, incluindo duas “invasões” pacíficas de lojas por causa da importação de leite (que entretanto acabou, fruto dessa pressão que fizemos), não acredito que o pingo doce esperasse vender mais por causa de abrir às 6h00, parece-me que queriam talvez ficar bem na fotografia. Fiaram-se nas opiniões das redes sociais e correu mal. As opiniões mudaram mais depressa que o vento de incêndios traiçoeiros e queimaram-se bem. Basicamente, acho que andamos todos zangados com o vírus e disparamos indignação sobre tudo o que mexe. Mas, no Pingo Doce, no Continente, nos outros hipermercados, nas mercearias do bairro ou dos centros comerciais, nos mercados municipais e nas feiras de levante, em todos os lugares vendem-se produtos dos nossos agricultores; em todos esses sítios trabalham pessoas que precisam do salário para sustentar a família. Não deixem de comprar o que precisam no sítio em que confiam e se sentem seguros. Ah, a mim não me apanhavam lá às 6h30 nem conto lá ir durante o fim de semana. Vou ficar em casa e só sair em caso de extrema necessidade. Temos de reduzir saídas e contactos. Vai doer para muita gente (restauração, etc), que vai precisar de muita ajuda, ma tem de ser. Quanto mais a sério levarmos este assunto, mais depressa recuperamos e com menos vítimas.
#carlosnevesagricultor
Em comunicado, o Grupo Parlamentar do PAN – Pessoas-Animais-Natureza afirmou que “conseguiu o acolhimento do Governo, em sede de discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2021, de uma medida que visa agravar a taxa de IVA dos adubos sintetizados e fertilizantes não-orgânicos de 6% para 13% em 2021, com o objetivo de fomentar a prática da agricultura em modo biológico.”
Tal como muitos colegas agricultores, passei os últimos dias de outubro a todo o vapor para concluir as sementeiras antes do final do mês. Porquê? Por um lado, avizinhava-se mais chuva que podia impedir a entrada do trator nos campos mais encharcados. Este, na imagem, já foi semeado em setembro, para prevenir essa situação. Por outro lado, se atrasarmos a sementeira para o tempo frio de dezembro ou janeiro não teremos as ervas crescidas e maduras para colher no início de abril. Mas há uma terceira razão, uma regra que um e-mail e uma sms do Ifap (Instituto de financiamento da agricultura e pescas) me recordaram: “Como aderente da “prática equivalente” no Pedido Único 2020, relembra-se que ao abrigo do Despacho Normativo n.º1-C/2016 é obrigado a instalar pelo menos uma cultura de cobertura outono/inverno elegível até 31 de outubro. A sua destruição, colheita ou incorporação apenas é permitida a partir de 15 de março de 2021. “
Passo a explicar: Para receber os “subsídios agrícolas anuais” que Bruxelas definiu para compensar a perda de rendimento, os agricultores tem de cumprir várias obrigações de carácter ambiental. Neste caso concreto, por cultivar mais de 15 hectares, tenho de deixar 5% da área em pousio (sem cultivar) ou com culturas de interesse ecológico. Optei por semear luzerna nesses campos. Além disso, para promover a diversidade de culturas, apenas poderia semear 75 % da área com a cultura principal (no nosso caso, o milho) ou, em alternativa, posso semear 95% de milho (que preciso para alimentar os animais) se me comprometer a semear a tal “cultura de cobertura” (erva) no outono/inverno. Quais as vantagens ecológicas? Desde logo, temos duas culturas anuais e, portanto, diversidade. Depois, vamos evitar a erosão da terra por ter a cobertura vegetal durante o período de maior precipitação. As raízes da erva impedem o arrastamento da terra (podem ver isso nos taludes de autoestradas recentes). Por último, essa cultura vai utilizar o adubo que sobrou da cultura do milho, sobretudo o azoto, que as chuvas de inverno poderiam arrastar para a água dos rios ou infiltrar nas correntes subterrâneas aumentando o teor de nitratos.
Os agricultores são depois auditados / fiscalizados por uma empresa acreditada ou pelo próprio Estado. Isto é a sério. Um colega que atrasou a sementeira da erva por causa da colheita do milho e da chuva abundante de um outono passado ficou sem largos milhares de euros a que teria direito. E não adiantou reclamar. Regras são regras e há auditorias de Bruxelas.
A Política agrícola comum nasceu num momento de fome na Europa, após a segunda guerra mundial. Teve tanto sucesso que gerou excedentes e foi preciso colocar limites como as quotas de produção. Além disso, ao longo das últimas décadas passou a ter cada vez mais objetivos ecológicos, pagando aos agricultores pelas medidas agro-ambientais adotadas ou exigindo um conjunto de práticas de bem-estar animal ou de proteção ambiental, sem descurar o primeiro objetivo de produzir os alimentos que a população precisa, ao custo que o nível de vida permite pagar. Há quem ache que as exigências são poucas, apesar de aumentarem para a próxima PAC. Produzir alimentos e proteger o ambiente exige bom senso. Na teoria, atrás do teclado é fácil ser puro e criticar. Na prática temos de procurar equilíbrios.
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#pac
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