Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Sabem o que é um “contrastador”? Segundo o dicionário, é “aquele que contrasta, que confronta, que compara”. Mas, em Portugal, é também o nome de uma profissão rara, que engloba apenas algumas dezenas de elementos em todo o país que são agentes credenciados do “contraste leiteiro”. Uma vez por mês, estes técnicos visitam as agro-pecuárias aderentes para registar a produção de leite de cada vaca ou pequeno ruminante e colher uma amostra. Essa amostra vai ser analisada para verificar a qualidade do leite (teores de gordura e proteína) e o estado de saúde do animal. Poucos dias depois o agricultor recebe no telemóvel um alerta que pode consultar através da internet os resultados e relatórios.
Este serviço, que em Espanha e França se chama “controlo leiteiro”, permite ao agricultor escolher os animais mais produtivos e saudáveis, que vale a pena manter e dos quais deve criar a descendência. Com a partilha dos dados obtidos em todas todos os países, pode-se avaliar como está a evoluir o melhoramento da raça e como se comporta a descendência dos touros usados em inseminação artificial. Foi este trabalho de recolha e análise de dados, ao longo de décadas, que permitiu selecionar os animais mais produtivos, saudáveis e eficientes. Com a melhoria da eficiência hoje produz-se o mesmo leite com menos animais, menos consumo de água, energia, alimento e outros fatores de produção.
O contrastador vem uma vez por mês acompanhar uma ou duas ordenhas, regista a produção no tablet e colhe uma amostra de cada vaca. Para quem tem robô, traz o equipamento de recolha automática das amostras e tira no computador uma listagem da média de produção de cada vaca na última semana. Para as ordenhas convencionais, tem de se adaptar à hora normal de ordenha na vacaria: Há quem comece às 6h00 e outros só às 8h00. Muitas vezes o contrastador é também “agente de identificação”, fazendo o registo obrigatório dos vitelos recém-nascidos e colocando os brincos com o número oficial. E é uma visita agradável que traz companhia para uma atividade de rotina às vezes solitária como é a ordenha diária dos animais.
Nas várias associações e cooperativas e nos laboratórios, há depois uma equipa que faz a coordenação, as análises e o lançamento de dados. Um trabalho discreto, ao longo de todo o ano (o regulamento permite um mês de férias, sem contraste) para recolher, analisar e partilhar os dados que nos permitem comparar e melhorar a eficiência dos animais e das nossos efetivos leiteiros.
#carlosnevesagricultor
Estava Portugal em plena pandemia, estava eu em plenas lavouras antes da sementeira do milho e estava o meu trator quase sem gasóleo. Parei para abastecer por uns minutos e aproveitei para fotografar as minhas luvas de trabalho.
Porquê? Porque horas antes tinha sido publicado um vídeo de agradecimento às “mãos calejadas” dos agricultores que não pararam de produzir e alimentar o país. O vídeo mereceu vários aplausos mas também uma crítica porque “as mãos calejadas das enxadas já não são a realidade da agricultura portuguesa” e retratar assim é um “desprestígio”.
Fiquei a pensar no assunto e decidi fotografar as minhas luvas porque, por causa delas e de muitas outras que já rompi, quase não tenho calos nas mãos. Comecei a usar luvas muito cedo para evitar os arranhões frequentes nas mãos quando ajudava a família nos trabalhos agrícolas. Não era normal usar luvas. Era até motivo de gozo por parte de alguns trabalhadores mais velhos. Equipamentos de proteção individual sempre incomodaram os portugueses. Só passámos a usar cinto de segurança no carro e capacete na mota quando a multa passou a doer. Ainda há resistência ao uso de coletes salva-vidas na pesca e arcos de segurança ou cabines nos tratores.
Hoje o trabalho agrícola é menos manual do que já foi, hoje usamos menos enxadas e forquilhas, usamos mais computadores, volantes com direção assistida e alavancas de velocidades que exigem menos esforço e fazem menos calos.
Não há uma única “agricultura” portuguesa. Há muitas agriculturas, de muitas dimensões, com atividades e tarefas diferentes, mais mecanizadas ou mais manuais, com mais ou menos calos. Não há motivo para ter vergonha das mãos calejadas porque são mãos que cuidam e produzem para alimentar. Isso é motivo de orgulho, qualquer que seja a idade do agricultor e a dimensão da agricultura que desenvolve, para sua subsistência, da sua família ou capaz de alimentar uma cidade. Mas orgulho pelo trabalho, não pelos calos, pelos arranhões ou outras agressões, por exemplo da lixívia usada para desinfetar. Vai trabalhar na agricultura? Proteja as suas mãos. Ao princípio as luvas podem incomodar, fazer comichão, mas depois a gente habitua-se. Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Mãos de agricultor são importantes. Mãos que cuidam e alimentam. Alimente quem o alimenta! Cuide das mãos que cuidam!
#carlosnevesagricultor
#aagriculturanaopara
#alimentequemoalimenta
Todas as casas agrícolas tem as suas relíquias. Este nosso tractor Fordson Super Dexta de 45 cv é o meu preferido. Comprado pelo meu pai em 1963, foi o primeiro trator da casa, fazia todos os trabalhos e nesses primeiros anos lavrou muitos campos de Vila do Conde. Foi neste trator que aprendi a conduzir, na década de 80.
Em 2008, o melhor preço do leite de sempre permitiu-me fazer a última revisão ao motor e à pintura. Em 2009, o preço do leite caiu a pique e levei-o à manifestação de tratores na Póvoa, quando oferecemos leite junto à praia. Hoje ainda trabalha diariamente, por breves minutos, na limpeza da vacaria e noutros trabalhos adequados ao trator mais pequeno da casa, como arrancar as batatas da terra na altura da colheita.
Fordson era a marca de tratores da Ford, fabricados em Dagenham, na Inglaterra. O Super Dexta tem um motor Perkins de 2500 cm3, tal como o ferguson 35, o modelo com que veio concorrer. A partir de 1964 a Ford acabou com a marca Fordson e assumiu o nome próprio nos renovados tratores da linha 1000 (2000, 3000…), modelo que aparece na série da Ovelha Choné😀 . Em 1986 a Ford Tractors comprou a marca New Holand e em 1991 foi comprada pelo Grupo Fiat, pelo que os tratores atuais herdaram a cor azul da Ford e o nome New Holland.
Ainda há vários tratores como este a trabalhar aqui no concelho e pelo país fora. Não sou fanático de máquinas e mecânica nem tenho a mania do “antigamente é que era bom”, mas tenho um gosto especial por tratores antigos. Quando o Covid passar ou ficar controlado e pudermos voltar a organizar feiras agrícolas, espero que possamos também organizar concentrações e desfiles de tratores antigos. A mecanização da agricultura portuguesa tem uma longa história e muitas histórias que merecem a nossa atenção.
#carlosnevesagricultor
Há 150 anos atrás, quando Júlio Dinis escreveu nas "Pupilas do Senhor Reitor" que a "A desfolhada fez-se na eira espaçosa de José das Dornas"... foi avisando que "Quando um dia a máquina agrícola fizer ouvir nas aldeias portuguesas o silvo estridente do vapor; quando a força prodigiosa de suas alavancas, o movimento de suas rodas gigantes e complicadas articulações dispensar o concurso de tantos braços, nestes trabalhos rurais (...); lembrar-se-ão com
saudades das desfolhadas os felizes que as puderam ainda gozar".
Efetivamente, demorou ainda um século a concretizar-se a profecia, mas há 50 anos atrás as desfolhadas de convívio e trabalho coletivo foram trocadas pela silagem individual feita com os pequenos tratores e máquinas que cortavam uma linha de cada vez, e cada família de agricultores passou a guardar o seu milho...
Mas o mundo dá muitas voltas e há 20 anos atrás trocámos as pequenas máquinas de ensilar pelas grandes automotrizes de cortar milho, o que exigiu chamar novamente os vizinhos agricultores com vários reboques para ajudar na colheita. Já não vem toda a aldeia à procura do milho rei, mas como agora somos poucos agricultores, vem quase todos os agricultores de cada aldeia... e depois cada um de nós vai com o reboque ajudar a recolha da silagem do milho dos vizinhos que nos ajudaram... ou da silagem de erva... e da "festa" da desfolhada de antigamente passámos para um almoço-convívio de trabalho, na casa de casa um ou no restaurante mais próximo...
Em plena pandemia, este ano a silagem da erva não permitiu convívios. Os restaurantes fecharam e a DGS aconselhou evitar ajuntamentos. Evitaram-se almoços conjuntos, comeu-se farnel ou marmita na cabine do trator, ou cada um na sua casa. O que foi pena, porque perdemos esse convívio. Mas, como disse a rainha de Inglaterra no discurso de 5 de abril, "...melhores dias virão. Vamos estar de novo com os nossos amigos. Vamos estar de novo com as nossas famílias. Vamos estar juntos de novo". Desejo-vos um "desconfinamento" com cuidado, na esperança que possamos estar juntos de novo na hora de colher o milho que agora semeamos.
#carlosnevesagricultor