Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Na margem da sementeira de milho de uma parcelas, numa faixa de terreno com 2,5 metros, semeei uma mistura de várias leguminosas, desenvolvida pela fertiprado para a operation pollinator, proposta pela Syngenta. Coentros, colza, sanfeno, trevos, ervilha e tremocilha. Tinha pensado semear um tradicional azevém plurianual mas depois ouvi falar desta iniciativa da Syngenta, a cujos técnicos agradeço a colaboração apesar das dificuldades logísticas atuais por causa da pandemia.
O terreno fica junto a um curso de água e no Outono passado sofreu erosão por causa das várias cheias. A intenção é, portanto, evitar erosão (porque a cultura deve ficar vários anos na margem do terreno sem mobilizar) e ajudar ao desenvolvimento de insetos auxiliares e promover a biodiversidade. Vamos ver como corre a experiência. A sementeira está feita!...
#carlosnevesagricultor
#biodiversidade
#operationPollinator
Terminei ontem, 12 de maio, as sementeiras do milho de 2020. Ok, quase terminei... Faltam 2 remates em dois cantos de terreno ainda alagado que precisam de esperar algumas semanas, mas já podemos abrandar o ritmo, recuperar o fôlego e pôr em dia outras tarefas que ficaram para trás!
Curiosamente, a primeira recordação que tenho de semear milho foi também na véspera das celebrações do 13 de maio (ou da procissão de velas que se costuma fazer cá na terra no fim de semana após o 13 de maio). Recordo que o meu pai tinha um semeador antigo, mecânico, com uma tábua atrás a fazer de banco onde eu ia a controlar se a semente não falhava. Depois o meu pai comprou um semeador novo, pneumático, com duas linhas e deixou de ser necessário vigiar a sementeira num banco atrás. Há 20 anos troquei - o por este da foto.
Era costume começar as sementeiras por esta altura, agora já terminei e, por causa das chuvas deste Abril e Maio, até andei uma semana atrasado em relação à média dos últimos anos. Gosto de semear cedo para colher cedo em Setembro e evitar as outras lembranças que tenho da infância, com milho tombado após temporais ou impossível de colher com terras alagadas após as chuvas do início do Outono. Tem ainda a vantagem de ter menos ataques de pragas de insetos quando o milho é pequeno, por causa da temperatura baixa e de aproveitar os melhores dias de verão para o crescimento do milho. Também tem desvantagens. Exige colher a cultura anterior, a erva, mais cedo, com menos quantidade, e o desenvolvimento inicial do milho sofre com a falta de calor. Não há escolhas perfeitas, tudo tem prós e contras...
#carlosnevesagricultor
Ver aqui (7 minutos): https://youtu.be/2Dn5uOdf1dc
Quando o meu pai tinha a idade do Luís, já a nossa família se dedicava em exclusivo à agricultura, produzindo e vendendo algum leite. Antes disso o meu bisavô fora carpinteiro-naval em Vila do Conde e cultivava alguns terrenos. Depois o meu avô foi agricultor a tempo inteiro praticando a policultura normal da região: milho, batata, vinho, feijão, linho (para fazer roupa ou velas para os barcos), alguma vitela que se vendia e algum leite. O Ti António Serôdio, empregado da casa que também andava com os miúdos ao colo, ordenhava de madrugada e levava o leite ao “Trama”, o comboio da linha da Póvoa que passava às 4 da manhã levando leite para a cidade do Porto. O meu pai era o mais velho de 5 irmãos e ficou órfão de pai aos 12 anos. Então, algum tempo depois ele e o meu Tio António alternavam o dia em que tinham de se levantar para fazer a ordenha, mas quando era a vez do irmão também ouvia a minha avó Esperança chamar várias vezes “António, António, ó valha-me Deus!” e acordava na mesma . E quando levavam 15 litros na cântara até ao “Trama” já era uma festa! Beber leite em casa só ao domingo, quando não havia comboio. Todos os agricultores mais velhos recordam o Trama, mas curiosamente não aparecem referências no google, exceto uns versos de memórias num jornal local, cuja imagem coloco abaixo. Provavelmente o nome terá vindo de “Tram” ou “tramway”, relativos a veículos sobre carris.
A família tinha então 2 ou 3 vacas que levava ao campo a pastar e guardava na “corte”, à noite. Ainda antes de casar, o meu pai construiu a primeira vacaria, para 12 vacas. Algum tempo depois veio a máquina de ordenha, com baldes de inox que se levavam para ordenhar as vacas no estábulo. Foi a segunda cá na aldeia. A primeira fora comprada algum tempo antes pelo Sr. Zeferino Castro, avô do Jorge Oliveira, atual presidente da APROLEP. Terá sido há 52 anos. Nessa altura o destino do leite já era o Posto de recolha do leite da Agros, aqui no lugar do Souto, gerido pelo Sr Marcelino Gomes (Neves) na “Casa Formiga” que começou a receber leite em 12 de Dezembro de 1953 (obrigado ao Sr. Semião e à D. Cremilde pelo apontamento da data). Na década de 70, pouco antes de eu nascer, o meu pai comprou o primeiro tanque de refrigeração do leite, que instalou ao pé da “porta da Carreira”, a 60 metros da vacaria e lembro-me com 3 ou 4 anos não queria ficar no quarto com a avó apesar das bolachas e andava atrás da minha mãe e das viagens com as bilhas do leite.
A falta de Espaço para aumentar o estábulo levou o meu pai a mudar-se e construir em 1980 a primeira vacaria, para 28 vacas, no local onde agora nos encontramos (ainda me lembro de tocar a forja para dobrar os ferros usados na construção). Na altura as vacas estavam presas, com tapetes de borracha e sistema de colar suíço (ainda há algumas por aí e muitas no mundo) e ao longo da vacaria circulava o “lactoduto” com tubo de vácuo para a pulsação e tubo de vidro para recolha do leite. Em 1987, com ajuda do “programa 797” fizemos a primeira sala de ordenha, para ordenhar 7 animais de cada vez. Para distribuição a ração a cada vaca puxava-se a corda de um doseador. Havia umas vacas espertas que aprendiam a puxar a corda, de modo que a gente ia tapando o fio e elas iam descobrindo novos truques…
Em 1996, deixámos o velho estábulo para a recria, construímos ao lado o atual em sistema semi-livre, passámos a sala de ordenha para 2x7/7 e instalámos as “boxes” para fornecimento automático da ração às vacas. Em 2006 comprámos uma ordenha usada 2x6/12, mas já com identificação eletrónica, retiradores automáticos e medição eletrónica. Finalmente, em 2012 remodelámos o estábulo para permitir as atuais 60 vacas ordenhadas pelo robô instalado a 20 de fevereiro de 2013.
A área cultivada para alimentar os animais também aumentou. Ao longo de décadas, a alguns terrenos herdados juntaram-se outros comprados, desmatados e, mais recentemente, alugados a outras famílias que deixaram a agricultura. Hoje é normal cada um de nós, produtor de leite no “ativo”, cultivar os terrenos de várias “casas de lavoura” de há 30 anos atrás.
A produção de leite tem 10.000 anos de história no mundo e tem dezenas ou centenas de anos de história nas nossas famílias, cooperativas e empresas de lactícínios. A minha história não é importante por ser extraordinária, é importante por fazer parte de mim. É semelhante à de alguns colegas e diferente de outras. Estas histórias dizem-nos que a produção de leite não nasceu ontem e não vai acabar amanhã. Tem lastro, raízes e tradição, por isso merece respeito e confiança.
#carlosnevesagricultor
(versos do "jornal vilacondense" e "tabela de preços" do jornal "A Ordem")
A domesticação de animais
"O processo de domesticação animal iniciou-se, de acordo com evidências arqueológicas, há mais de 30.000 anos. É desse período o fóssil de cão (“Cão de Goyet”) encontrado numa gruta no atual território belga e que se encontrava misturado com evidências da presença humana.
Contudo, a domesticação de animais para consumo humano ocorreu mais tarde, tal como sugerem os dados arqueológicos recolhidos no Médio Oriente e na China. Há cerca de 10.000 anos o Homem procedeu à domesticação da cabra, da ovelha e da galinha. Um pouco mais tarde ocorreu a domesticação de animais de maior porte, como a vaca e o cavalo, com o intuito de ajudar no processo agrícola. O aproveitamento do leite como fonte alimentar é ainda mais recente.
Suméria
Apesar de existirem provas da domesticação de gado bovino na região da Suméria desde 8000 a. C., as evidências arqueológicas demonstram que as vacas leiteiras só se tornaram expressivas por volta de 3000 a.C.. Foi nesse período que se construiu o templo de Ninhursag, na cidade Suméria de Tell al Ubaid (atual sul do Iraque), onde existe um friso escultórico que mostra a ordenha, o armazenamento do leite, o processo de coalhar e a produção de manteiga.
Egipto Antigo
Há provas arqueológicas da domesticação da vaca desde 3100 a.C.. Apesar dos textos do Egipto Antigo não descreverem o uso do leite, da manteiga e do queijo como parte da dieta do seu povo, existem numerosas imagens (pinturas e gravuras) onde é visível a ordenha de vacas. Há ainda imagens que representam homens a carregar potes cheios de leite. Num túmulo de Tebas, datado da décima nona dinastia (1293 a. C. até 1185 a. C.), há também a representação de uma mulher a manipular queijo.
Igualmente por provar está o banho de Cleópatra (69 a. C. a 30 a. C.) em leite de burra. Devido ao extremo calor da região, o leite azedava muito rapidamente, tornando o banho numa experiência desconfortável.
Grécia Antiga
Na Grécia antiga há evidências do consumo de leite e do uso da manteiga, embora bastante limitado. Estes produtos estavam muito associados à colunária Trácia, adquirindo um significado depreciativo. Os Trácios foram retratados por um autor grego como sendo “comedores de manteiga”. Para os Gregos o uso mais nobre do leite traduzia-se na produção de queijos, nomeadamente de cabra e de ovelha. Este era ingerido sozinho, ou acompanhando pratos de carne ou de peixe.
Mithaecus (século V a.C.), um cozinheiro grego autor do primeiro livro culinário conhecido, descreve o uso de queijo misturado com peixe. Contudo, o seu uso em pratos de comida era controverso. Archestratus, um poeta grego da cidade-estado de Siracusa (atual Sicília – Itália), escreve que os cozinheiros de Siracusa “estragavam” bom peixe quando adicionavam queijo ao cozinhado.
Roma Antiga
A necessidade de utilizar o leite na alimentação foi, durante muito tempo, uma questão secundária. A principal fonte de gordura na zona do mediterrâneo era fornecida pelo azeite, relegando o leite para uma posição secundária na alimentação. O seu uso no interior do Império Romano desenvolveu-se com maior pujança em áreas onde o azeite não estava disponível em quantidade suficiente.
Contrariamente ao que acontece atualmente, não existiam raças leiteiras e os animais eram usados principalmente como animais de trabalho, ou valorizados como fornecedores de lã, de peles e de carne. Por essa razão a produção leiteira era diminuta e o consumo de leite estava confinado ao mundo rural.
Contudo e especialmente nas áreas mais afastadas do mediterrâneo, o leite era um produto alimentar valorizado e com uma hierarquia própria. O leite de ovelha e de cabra era mais apreciado do que o leite de vaca. Mas entre os produtos lácteos, o queijo assumia uma importância adicional, especialmente o queijo seco, pela facilidade de transporte e pela capacidade de conservação. O uso de manteiga não fazia parte dos hábitos alimentares romanos, sendo conotados com usos dos bárbaros (povos não romanizados e tidos como inferiores).
Idade Média
O uso do leite enquanto produto alimentar sofreu, durante a Idade Média, dos mesmos problemas encontrados em épocas mais remotas: o da conservação. A forma mais eficaz de prolongar o período de validade do leite era transformá-lo rapidamente em queijo e em manteiga. Enquanto o leite era um produto alimentar mais usado no meio rural, o queijo e a manteiga tinham a capacidade para serem transportados para os meios urbanos.
Devido ao seu sabor, o leite de vaca era mais apreciado que o leite de ovelha ou de cabra. Dado encontrar-se em maior quantidade na Europa, o leite de vaca era frequentemente transformado em manteiga, especialmente em área ricas em gado, como era o caso do Norte da Europa. O seu uso era essencialmente culinário. O queijo era a forma mais duradoura de preservar o leite, sendo que poderia ser fresco ou curado.
Na Europa medieval o aproveitamento do leite para fins alimentares entrou numa rota de crescimento que, em épocas mais recentes, beneficiou de avanços agrícolas e da seleção e apuramento de raças produtoras de leite. O crescimento exponencial do uso do leite, ou dos seus derivados, está bem patente em inúmeras iluminuras e pinturas das Idades Medieval e Moderna."
(texto do Gabinete de Arqueologia Municipal de Vila do Conde, exposto na feira Portugal Rural e publicado depois na Revista "Produtores de Leite)