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Hoje de manhã fechámos o silo da erva que ensilámos ontem. Curiosamente, há 46 anos atrás, na manhã do 25 de abril de 1974, também o meu pai andava a ensilar erva quando escutou na rádio que acontecera uma revolução no país.
O processo de conservar forragem sob a forma de silagem é ainda mais antigo, tendo já sido usado por egípcios e romanos, em fossas, silos e depois em barris de vinho, durante a época medieval. No século 19 o processo de ensilagem desenvolveu-se na Europa e chegou aos Estados Unidos, de tal modo que em 1888 decorreu o 5º congresso da Silagem em Nova Iorque (para quem quiser saber mais, coloco abaixo o link para um interessante artigo do Beefpoint com a história da silagem).
Este processo de conservação baseia-se na fermentação láctica da matéria vegetal rica em açúcares, nomeadamente milho ou ervas como azevém, trigos, aveia, cevada, em que as bactérias lácticas, na ausência de oxigénio, degradam a matéria orgânica produzindo ácido láctico e outros ácidos orgânicos, baixando o pH, o que permite a conservação ao longo de todo o ano, podendo-se assim aproveitar as plantas da época de maior produção para alimentar os animais ao longo de todo o ano de forma estável e regular. Perdem-se alguns nutrientes em relação à erva fresca, mas a silagem é mais nutritiva e digestiva que o feno (mais informação em link no final).
O milho é cortado e ensilado diretamente, quando já tem cerca de 30-35% de matéria seca. Como a erva verde tem mais humidade, cortámos, espalhamos e deixamos secar 2 ou 3 dias antes de recortar, carregar para os reboques, transportar para o silo, calcar a silagem para tirar o máximo de oxigénio e cobrir com plástico para que não possa voltar a entrar oxigénio. Se houver um buraco no plástico do silo (ou do rolo de erva plastificado) o oxigénio que vai entrar vai permitir o desenvolvimento de bolores e apodrecimento da matéria vegetal.
É possível que algumas pessoas tenham a ideia que alimentar as vacas com silagem é um processo moderno e artificial, por oposição às alimentação direta na pastagem com erva fresca. Pelo contrário, como expliquei atrás, a silagem é um processo natural com milhares de anos. Nem todos os países ou regiões têm condições de pastagem durante todo o ano ou possibilidade para deslocar os animais ao pasto. Por isso as silagens de milho e erva são a base da alimentação das vacas que produzem a maior parte do leite no mundo.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Silagem?fbclid=IwAR04NctQpguMUJf_jsW1wHtjspHKkGKSLdMW5pFcDPZOpI_i0vP6sr3870A
#carlosnevesagricultor
A colheita é para o agricultor motivo de alegria e realização, mas no caso concreto da colheita da erva escolher a data é uma decisão difícil, sobretudo se o objetivo é fazer feno. Decidir primeiro quando cortar a erva e depois decidir quando “enfardar” para guardar são duas angústias habituais na primavera de um agricultor (com a vantagem de nos fazer esquecer angústias mais graves😉).
Aqui na região “Entre Douro e Minho” o risco de chover é sempre elevado, o que é bom porque não falta água, mas dificulta fazer feno. Por isso os agricultores guardam a maior parte da erva sob a forma de silagem. Bastam 3 dias de sol para cortar, mexer para secar um pouco (fazer uma “pré-fenação”) e ensilar, no silo ou em rolos plastificados, mas a silagem é uma técnica relativamente recente. Eu também guardo a maior parte da erva sob a forma de silagem e rolos de fenosilagem, mas procuro fazer sempre algum feno, principalmente por causa dos vitelos mais pequenos.
Antigamente, a única forma de conservar e armazenar a erva era colocá-la, depois de seca, em pequenos montes, as “medas” de feno. Depois, há cerca 40 anos, quando muitos emigraram, vieram as máquinas de enfardar. Com ajuda de família e amigos, quase todos fazíamos feno em fardos pequenos, carregados à mão para os reboques bem amarrados e novamente descarregados à mão para o armazém (e às vezes carregados duas vezes porque se perdiam-se uns fardos com os solavancos dos caminhos de cabras de então). Dias de trabalho duro e também por isso ao lanche, aqui em casa, o pão de ló torrado que sobrara da Páscoa tinha um sabor ainda melhor...
Seria mais fácil deixar o corte de feno para o Verão, mas como a terra disponível é pouca, precisamos de cortar na primavera para semear o milho no mesmo terreno. Noutros tempos a previsão do tempo era uma lotaria, quando o Instituto de meteorologia anunciava “chuva para o Norte” não sabíamos se era apenas aguaceiros no Gerês ou chovia no Porto. Depois os meus colegas começaram a telefonar para o Aeroporto✈️ (na altura, Aeroporto de “Pedras Rubras”), a perguntar a previsão. Ao princípio davam resposta, depois começou muita gente a ligar a acabou-se a história… Hoje temos na internet previsões mais rigorosas e localizadas mas sempre com algum grau de incerteza. Às vezes temos uma previsão para 10 dias sem chuva, cortámos a erva e ao fim de 5 dias, com a erva ainda mal seca, temos de escolher se arriscamos guardar com alguma humidade, sujeita a ganhar bolor, ou deixar ser “lavada” pela chuva e perder nutrientes. Há uma terceira opção, mais cara mas que evita os problemas anteriores, que é enrolar e plastificar, como já mostrei em publicação anterior. Da silagem falarei numa próxima oportunidade. Fiquem bem, com poucas angústias e, para os colegas, boas colheitas!
#carlosnevesagricultor
O governo aprovou esta semana medidas para os trabalhadores em lay-off ( funcionários de empresas com atividade temporariamente suspensa e a receber 70% do salário) poderem trabalhar na agricultura e acumular o vencimento. É uma boa notícia para quem precisa de fazer face às despesas familiares e para os setores agrícolas que precisam de mão de obra, nomeadamente na colheita de frutos.
Pois sejam bem-vindos ou bem regressados ao campo. Não tenham vergonha! Tenham orgulho de trabalhar numa atividade essencial, que não pode parar. Precisamos uns dos outros. Precisamos de gente desenrascada que não tem vergonha de voltar a deitar a mão ao trabalho agrícola enquanto não pudermos todos regressar, mais ou menos, à vida normal. Protejam-se do Covid e adotem as medidas de segurança para não se magoarem.
Este “regresso à terra”, embora diferente por ser imediato e temporário, lembra-me o regresso à agricultura nos tempos da crise da Troika. Em Dezembro de 2012 escrevi um texto sobre isso no “mundo rural”, do qual deixo aqui um excerto: “Era uma vez um pai que tinha dois filhos. O mais velho ficou com ele a trabalhar a terra. O mais novo partiu, faliu e voltou mais tarde, arrependido e foi recebido com alegria pelo pai (para mais detalhes, ler Evangelho de Lucas 15, 11-32). Era uma vez um país com 10 milhões de filhos. Os mais velhos e meia dúzia de jovens agricultores ficaram a trabalhar a mãe terra, os outros partiram á procura de vida melhor. Partiram muitas vezes aconselhados pelos pais, como cantaram os Rio Grande no “Postal dos Correios” - “…o rapaz estuda nos computadores, dizem que é um emprego com saída…” - e regressam agora em alta velocidade (para mais detalhes, vejam a TV e leiam os jornais). (…)
A agricultura melhorou assim tanto? Não, foi o resto que piorou. A agricultura portuguesa vai seguindo o seu caminho, entre as vozes ignorantes que decretaram o seu fim vezes sem conta e os que de vez em quando tem paixões arrebatadoras pelo sector primário. (…)” Fiquem bem.
#puxarparacima
#aagriculturanãopára
#carlosnevesagricultor
Em tempo de preparar e decorar os ovos da Páscoa, venho mostrar-vos como fazemos uns "ovos" maiores, aquelas coisas brancas que se vêem nos campos. Eu costumo chamar-lhes "ovos de dinossauro"😜😁. Ok, estou a exagerar um bocadinho. Os ovos de dinossauro só chegavam a 60 cm e estes rolos têm entre 120 a 150 cm de diâmetro.
Os rolos de erva, plastificados, são uma das formas que nós, agricultores, usamos para armazenar a erva cultivada no inverno, para alimentar os animais ao longo do ano. No caso deste terreno, a erva era composta por azevém e aveia, além de uma parte com cevada.
Tecnicamente, estamos a fazer uma "fenosilagem", porque fazemos uma pré-fenação para reduzir a humidade, mas depois a erva é enrolada e plastificada ainda com humidade suficiente para fermentar e conservar-se ao longo de um ano, se necessário.
A erva é sobretudo rica em proteína, importante para os animais jovens (novilhas) que estão em crescimento, ou para equilibrar a alimentação das vacas leiteiras, baseada em silagem de milho, rica em amido (energia).
#carlosnevesagricultor