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Já não preciso de falar mais sobre a importância da agricultura. Vocês disseram tudo quando correram a esvaziar as prateleiras dos supermercados dos alimentos essenciais que produzimos.
Já não preciso explicar que separamos os vitelos nos primeiros dias de vida para evitar os contágios de grupo. Vocês agora já sabem porque temos de fazer isolamento individual para proteger os mais frágeis.
Já não tenho motivos para lamentar, por causa da agricultura, nunca poder levar os miúdos de férias na Páscoa. Neste mundo ao contrário, nós que estamos no campo, que temos um quintal grande para os miúdos correr e tarefas para os ocupar, somos agora os privilegiados.
Nós, agricultores, não precisamos de palmas, não somos os heróis da frente da batalha dessa guerra. Também somos essenciais, mas somos soldados de retaguarda, precisamos apenas que nos respeitem e deixem trabalhar, agora ou na hora de levantar pó, fazer barulho ou deitar na terra o estrume que cheira mal mas vai alimentar as plantas que vos vão alimentar.
Não corremos o mesmo risco de contágio de quem só tem transportes públicos para se deslocar ou tem atender muitas pessoas, mas também corremos riscos e podemos adoecer. E se adoecermos e a família não puder ajudar, não vai ser fácil substituir.
Apesar de (alguns) sermos menos afetados no meio de tanta dificuldade (porque a alguns de nós, agricultores, também lhes caiu o céu em cima, aos que produzem flores, leitões, borregos, queijinhos que agora ninguém compra porque não pode), também estamos apreensivos, angustiados, preocupados com a nossa saúde , dos nossos mais velhos, dos nossos mais frágeis e com a crise que virá depois. Mas lutamos e resistimos, um dia de cada vez. Cada dia que passou é menos um que falta para o fim disto. Mais perto ou mais longe, estamos todos no mesmo barco. Precisamos que vocês comprem como vocês precisam que nós produzamos. Por isso, fiquem em casa e saiam só para fazer as compras essenciais e, por favor, não venham agora fazer turismo para o campo onde já quase só ficaram os mais velhos. E se tiverem um refúgio vosso, tragam tudo, metam-se em casa e não falem com ninguém, acenem só ao longe, sorriam mas por trás do vidro. Um abraço. Fiquem bem.
#carlosnevesagricultor
#puxarparacima
#vamostodosficarbem
Tirei esta foto há cerca de um mês, num momento de “isolamento social”, coisa normal para um agricultor. Fui ao campo ver como crescia a erva, a paisagem do pôr do sol ao fim da tarde pedia uma foto (que já usei aqui noutra publicação) e tirei esta selfie “para mais tarde”. Nesse momento, ao pegar no telemóvel, fiquei aliviado com a mensagem de que a “taxa sobre a carne” tinha sido rejeitada na votação do orçamento de estado. Ainda se lembram disso? Em poucos dias, a nossa vida e as nossas preocupações deram uma volta completa. Nos momentos de crise somos obrigados a escolher o essencial. Acabou o debate sobre os gazes das vacas enquanto se esvaziavam as prateleiras de leite e carne. Pediam-nos para poupar água e acabar com os produtos descartáveis, agora passamos o dia a lavar as mãos e a deitar fora máscaras e luvas, se as tivermos.
Nesta guerra pela nossa sobrevivência, os agricultores não estão na linha da frente a correr o mesmo risco que os profissionais de saúde, mas são essenciais na cadeia de abastecimento das tropas e das populações. Por isso fiz o que pude nos últimos dias para informar os colegas sobre como nos protegermos para continuar a trabalhar. Como setor essencial, temos de continuar a funcionar para cultivar os campos, cuidar dos animais e produzir alimentos que outras pessoas, também essenciais, vão transportar, transformar e comercializar. E precisamos que os nossos fornecedores também continuem a trabalhar. Vejo como muito positivo que todos, empresas, cooperativas de fornecimento ou recolha do leite, adotaram medidas de segurança para manter a atividade. Não vejo motivo para faltar leite. Pelo contrário, há produtores de leite de cabra com dificuldades para escoar a produção. Queijarias que vendiam para restaurantes / destinos de turismo tem um enorme problema para resolver.
Ao problema da saúde, que vai doer ainda mais nos próximos dias (basta ver as previsões, basta ver o que acontece na Itália e na Espanha que vão uns dias à nossa frente) vai suceder-se o problema económico. Vai doer e ainda está a começar.
Entretanto, nesta aldeia/multidão global que são as redes sociais, vejo muita gente enervada, desesperada, a discutir, a romper amizades e a partilhar informação sem verificar. É normal, porque não estávamos a contar com isto, mas somos nós, todos, que temos de lidar com isto. Isto vai demorar, vai doer, mas se entrarmos em desespero e em pânico, como a corrida ao papel higiénico, ainda vai ser pior. Por isso vos peço o que vou também tentar: respirar fundo, manter a calma, “desligar” e descansar. Porque amanhã e nos próximos dias precisamos do melhor de cada um de nos. Eu estou bem, fiquem bem! #carlosnevesagricutor
Desde que se agravou a crise do coronavirus não escrevi nada sobre a minha agricultura. Nada do que vos possa dizer ou mostrar será mais importante do que dizer como lavar as mãos, não cumprimentar, ficar em casa e só sair para assuntos essenciais. "Aos vossos avós foi exigido ir para a guerra, a vós só vos pedem para ficar no sofá!". Dito isto, é tempo de resistir, manter as atividades essenciais como produzir e vender alimentos, (não precisam entrar em pânico, estamos a produzir normalmente todos os alimentos!) fazer intervalos nas redes sociais, ler livros, fazer o exercício possível, organizar a vida com a família, telefonar à família mais idosa, aos que estão nos lares, telefonar aos amigos, não ligar às teorias da conspiração (vão pesquisar sobre a peste negra e a gripe espanhola, ok, aí não havia guerra biológica de americanos e chineses) não partilhar conselhos manhosos que não sejam da OMS ou DGS... E começar a puxar para cima! Não estar todo o dia a ler e partilhar notícias tristes. Vou tentar retomar também as agro-publicações para haver assuntos diferentes. A "coelha", a nossa gata mais velha, já teve gatinhos. Já chegaram as primeiras andorinhas. A vida continua. Ânimo! E dêem umas gargalhadas!
Esta foto é de uma vacina que usamos, sob orientação veterinária, para prevenir diarreias de vitelos provocadas por E.coli, rotavírus e coronavírus. Não, lamento, não serve para o Covid19!
Curiosamente, não vacinamos os vitelos. Vacinamos as mães, vacas ou novilhas, cerca de 3 semanas antes do parto e, depois, o primeiro leite após o parto, chamado colostro, transmite os anticorpos que reforçam a imunidade do vitelo e o ajudam a resistir, neste caso às diarreias. Perante doenças, é assim que devemos trabalhar, com medidas preventivas e curativas sob orientação médica (neste caso, de médicos veterinários) e recorrendo ao trabalho dos investigadores, sem dar ouvidos aos vendedores de banha da cobra que inundam as redes sociais.
É só isso que quero dizer sobre o Covid19: até que os investigadores desenvolvam vacinas e tratamentos eficazes, e também depois, procuremos informação credível (Direção Geral de Saúde, Organização Mundial de Saúde...) e sigamos as recomendações de prevenção, que podem evoluir porque a situação evolui e estamos todos a aprender com esta nova epidemia. Sem pânico mas com respeito.
Saúde animal. Uma vez por ano, um veterinário e um técnico de sanidade da OPP (organização de produtores pecuários, no nosso caso, inserida na cooperativa), deslocam-se à nossa vacaria para fazer a prova da Sanidade. É feita uma colheita de sangue para pesquisar a existência de algum animal portador de Leucose ou brucelose e é feita uma inoculação com “tuberculina” para pesquisar tuberculose. Depois disto os animais ficam em “quarentena” cerca de uma semana, não podendo ser vendidos para outras vacarias. Passados uns dias o veterinário volta à vacaria para inspecionar os animais, procurando alguma reação que existiria se houvesse a tuberculose bovina. Uma semana após a colheita das amostras de sangue temos os resultados de laboratório. Se estiver tudo bem o “passaporte” de cada animal (uma espécie de boletim de vacinas) é carimbado e já podemos voltar a comprar ou vender animais. Algumas doenças dos animais podem ser transmissíveis ao homem (daí ser importante o leite ser fervido ou pasteurizado), outras apenas são transmissíveis entre animais, mas causam prejuízos, por isso todas tem de ser controladas. Cada animal tem um número oficial que está no seu passaporte. Além do “passaporte carimbado” em papel, cujo uso já é opcional, toda esta informação está registada numa base de dados oficial, a nível nacional e nenhum animal pode circular sem ser emitida uma guia eletrónica a partir do SNIRA – Sistema Nacional de Informação e Registo Animal. Tudo isto para vos contar que, do prado ao prato, há gente que usa galochas, luvas, microscópios e computadores para garantir a saúde dos nossos animais e da população. Devemos agradecer, valorizar o seu trabalho e seguir as suas instruções, sem excesso de alarmismo nem excesso de confiança. Ah, e este ano os resultados, mais uma vez, deram todos negativos, portanto a “quarentena” bovina aqui já acabou!
#carlosnevesagricultor