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A silagem está feita, o silo está fechado e nós estamos cansados. O stress agora é menor mas não podemos parar. Ainda temos de ajudar na silagem quem nos ajudou e começar a preparar as sementeiras dos terrenos mais frescos no imediato e dos restantes até ao fim de Outubro.
Terminámos a silagem de 2024 no dia 11 de Setembro. Nesse mesmo dia, em 2001, quando caíram as torres gémeas, eu também andava a ensilar, ainda com o trator e a máquina de ensilar uma linha de cada vez, num campo mais distante, mas estava ainda a começar as colheitas. No ano 2000, na primeira vez que usámos uma automotriz para cortar o milho, a data escolhida foi o 5 de Outubro. Alguns dias antes veio uma cheia e tivemos que deixar uma parte da área para desfolhar… de galochas.
Mais atrás, as minhas memórias de silagem na infância e juventude, para além de incluir cortar à foucinha as 3 linhas para abrir caminhos e meter o milho à posta na máquina, ir para cima do reboque fazer a carga com o ancinho e espalhar a silagem com o gancho também à mão no silo, tiveram ainda anos de milho caído por causa dos temporais e outro cortado à mão por causa da chuva. Por isso procuro colher o mais cedo possível, mas sem comprometer a qualidade da silagem.
Para colher cedo semeio o mais cedo possível. Este ano tive como objetivo semear o milho a 15 de Abril, fazer a silagem no final de Agosto e tirar agora uns dias de férias. A chuva abundante da primavera e do início do verão trocou-me as voltas, mas apesar dos atrasos consegui fazer as sementeiras entre 20 e 25 de Abril. A sementeira precoce tem ainda a vantagem de reduzir os ataques de insetos do solo após a sementeira.
Tendo semeado 10 dias mais cedo do que no ano passado, só foi possível colher uma semana mais tarde, porque a temperatura foi inferior. O ano passado foi excepcionalmente quente. Apesar disso, a chuva ajudou-nos a ter uma colheita mais abundante.
E as férias? Conseguimos tirar dois dias no final da sementeira, mais dois dias em Junho e uma semana no início de Agosto, o que foi a melhor opção porque agora não há tempo para parar.
#carlosnevesagricultor
#agricultura #milho #milhosilagem
Durante séculos, os agricultores da minha região regaram os terrenos com “engenhos”, tocados por vacas ou mulas, que tiravam a água de poços. Os poços estavam no ponto mais alto dos terrenos e a água corria por gravidade, regando por alagamento, “ao rego”. Ainda era assim quando o meu pai nasceu e cresceu. Ainda hoje se rega muita área por alagamento, desconheço se ainda funciona algum engenho desses. Há 73 anos, o meu pai comprou o primeiro motor de rega a petróleo, da marca “Winsconsin”. Havia outros motores, Bernard, mais caros e com um som característico. Há 60 anos comprou o primeiro trator, este Fordson Super Dexta e meia dúzia de anos mais tarde esta bomba de rega para o trator, “Perrot”. Os três trabalharam em conjunto por mais de 35 anos consecutivos, nos meses de verão, tirando água de uma pequena ribeira e de pequenos poços onde em tempos funcionou o “engenho” tocado pelas vacas.
Depois de fazer a ordenha e alimentar as vacas pela manhã, o meu pai saía com o trator, a bomba, o aspersor, o tripé e meia dúzia de canos de rega (tubos de plástico com 56 metros) tudo encavalitado no trator. Tivemos “canos de rega” brancos da “Facar”, com uns fechos que parecem molas da roupa, depois tubos amarelos e por fim tubos brancos com engates azuis e orelhas brancas, da Heliflex, acho…
Há cerca de 15 anos a bomba de rega deixou de ser necessária e ficou arrumada. O trator foi destinado à limpeza diária do estábulo. Deixámos de cultivar um terreno mais pequeno, deixámos de regar outros e no campo maior colocámos motor elétrico com sondas de nível e comando à distância por telemóvel.
Entretanto surgiu a oportunidade de cultivar novos terrenos, com água de rega disponível mas sem eletricidade e a bomba de rega voltou ao serviço com outros tratores. Agora, neste fim de verão e de tempo de rega, uma pequena avaria no Massey-Ferguson fez-me voltar a colocar o “velhinho” Ford Dexta ao serviço, agora que já está livre do trabalho diário na vacaria. Trabalhou 3 dias e portou-se bem.
Para ligar a bomba de rega às mangueiras que conduzem a água usamos engates “Bauer”, em metal, com uma pequena alavanca e ganchos. Ao conduzir o trator num caminho de pedras ou numa estrada irregular, esses engates pendurados na bomba de rega têm um tilintar característico. Não é igual às campainhas que anunciam o compasso, mas é um tilintar que anuncia… o trabalho da rega. Há dias, ouvi esse tilintar do trator a voltar a casa conduzido pelo Hugo, recuei na memória até à minha infância e lembrei-me do meu pai a voltar da rega e fiquei a pensar no que já andámos para aqui chegar…
Sobre a “sucessão nas empresas agrícolas”, Marcelo Cavalcanti, agricultor brasileiro e formador na empresa “Agrotalento”, num curso em que participei, contou que, no Brasil, as grandes fazendas de criação de gado tem várias cercas desde a entrada da rua até chegar ao centro da fazendo onde estão a casa, os armazéns e abrigos dos animais. Quando é preciso entrar ou sair da fazenda de carro, se os filhos acompanham os pais na viagem, é normal serem as crianças, a partir de certa idade, a sair do carro, abrir o portão da cerca e fechar o portão depois do carro passar. «As crianças ficam muito orgulhosas com essa tarefa, mas tem gente com 30, 40 e 50 anos que continua a ser apenas o “abridor de portões” da fazenda».
Esta história lembrou-me outra que já contei no meu blog e nas redes sociais. Há alguns anos, no programa “Parabéns” que tinha na RTP, Herman José, para celebrar Alfredo Marceneiro, entrevistou um neto do fadista:
- O que faz na vida?
- Sou reformado do cinema.
- Que idade tem?
- 48.
- Ui! Se fosse agricultor ainda era jovem!
Herman exagerou, mas pouco. Em Portugal podemos ter o estatuto de “jovem agricultor” até aos 40 anos. Isto significa que podemos “instalar-nos” ou melhor, apresentar ao Ministério da Agricultura um “projeto de instalação e investimento” até ao dia anterior a completar 41 anos. Depois de muita burocracia e com a formação exigida, podemos receber um “prémio de instalação” a fundo perdido, uma majoração nas ajudas e prioridade no acesso a essas ajudas.
Há algumas razões para este limite de “40 anos”, quando se costuma considerar 30 anos a idade para ser “jovem”. Esta regra foi um pedido à Europa dos países do Sul, porque a instalação de um jovem agricultor ocorre por sucessão, portanto é preciso esperar que o pai se reforme.
Em Portugal os agricultores costumam ser como as árvores – morrem de pé. Trabalham até não poder mais. Isto acontece por necessidade, porque as pensões de reforma são muito baixas, mas às vezes também por teimosia, por quererem continuar a mandar na empresa agrícola até não poder mais. Deixar o “poder” é difícil. Preparar essa transição é um desafio. São frequentes as queixas de falta de sucessão na agricultura. Há muitas razões para isso, mas devemos começar pela nossa parte, por dar progressiva autonomia aos jovens, para que sejam capazes de tomar decisões.
A sucessão deve ser preparada com tempo e com diálogo entre todos os membros da família. Quem vai “deixar” a empresa deve fazer contas ao rendimento que precisa para a “reforma”. Deve pensar que tarefas vai continuar a fazer, e a que novas atividades se vai dedicar (bricolage, jardim, quintal, turismo…) para deixar os mais novos tomarem decisões e responsabilidades. Quem vai assumir deve fazer um plano de negócios para ver se vai ter rendimento para si, para desenvolver a empresa e para pagar a “renda” a combinar aos pais ou irmãos co-herdeiros, se for caso disso.
Há depois a formação agrícola, essencial, que pode ser no ensino profissional ao nível secundário ou no nível superior.
Haverá também que procurar bons estágios, para além da experiência “de casa”, para que os novos agricultores possam ganhar “mundo” e experiência para além da empresa familiar onde se poderão instalar.
Há depois todo o contexto do mercado, do valor dos produtos agrícolas e do valor da agricultura na sociedade. Se os filhos crescem a ver os pais em dificuldades financeiras, desanimados, naturalmente vão fugir e procurar uma vida melhor fora da agricultura.
Se a sociedade desvaloriza a atividade agrícola ou condena a agricultura desde os livros escolares como atividade poluente, causadora do aquecimento global e que maltrata os animais, cada uma destas etapas é um “puxão para baixo” no futuro da agricultura.
Há um provérbio que nos diz “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Também a preparação dos futuros agricultores, sendo uma decisão pessoal, é responsabilidade da família e da sociedade. (escrito para o Mundo Rural de Julho e Agosto de 2024)
Temos esta placa no nosso jardim, em Árvore, Vila do Conde. Foi colocada pelo meu pai há uns bons pares de anos, quando remodelou o jardim, talvez inspirado por outras placas mais conhecidas, as que diziam "Sorria, está na Maia" que encontrávamos na nacional 13 a caminho do Porto.
Serviu para fazer sorrir quem nos visitava e para nos divertirmos. Quando perguntava à minha mãe "onde está o pai" a resposta era "está no Algarve".
O Algarve não era destino de férias do meu pai. Quando era mais novo, limitado pelo trabalho, não podia ir mais longe do que a "Praia de Árvore". A partir da altura em que pôde sair porque eu já ficava a substituir, preferiu viajar pelo mundo. Nos últimos anos da vida, teve aqui o seu espaço para ler, descansar e apanhar sol.
Nem sempre podemos ir para o Algarve, mas quase sempre podemos arranjar o nosso espaço de descanso dentro dos nossos limites.
Li um dia que "A vida é como um cobertor curto. Puxamos para cima e destapamos os pés, puxamos para baixo e destapamos a cabeça, mas as pessoas que encolhem um pouco as pernas conseguem dormir aconchegadas".
Desejo-vos boas férias, dentro do que for possível...
#carlosnevesagricultor
#férias
Os “pequenos” e os “grandes”.
Os que cultivam um pequeno canteiro ou uma grande herdade.
Os que estão no interior rural profundo ou no litoral urbanizado.
Os que comunicam com “pronuncia do Norte”, com sotaque alentejano, de S. Miguel dos Açores ou de qualquer outro lugar.
Há lugar para os jovens que se instalam cheios de sonhos e para os idosos que persistem apesar do cansaço.
Para os que fazem “agricultura de subsistência”, para os que ocupam o tempo livre, para os que tem uma pequena empresa agrícola, uma média empresa ou uma grande empresa.
Há agricultores que recorrem às mais avançadas tecnologias, aos mais modernos equipamentos e há quem ainda use carroças e “carros de vacas”. E mesmo assim cultivam a terra, criam animais e produzem alimentos .
Não há nenhum motivo para ter vergonha da pequena dimensão da nossa agricultura, das nossas parcelas de terra ou dos pequenos tratores, alfaias e ferramentas. Um “pequeno agricultor” é tão digno como um “agricultor grande”.
Pode até acontecer que uma pequena parcela de terra, cultivada de forma intensiva, com uma estufa, ou com horticultura ao ar livre, seja mais produtiva ou mais rentável do que uma grande propriedade sem água de rega. E, porque tudo é relativo, um pequeno agricultor numa região pode ser grande face a outra região onde sejam todos ainda mais pequenos.
Somos cada vez menos agricultores em Portugal. Isso pode ser mau, mas não tem de ser mau.
Pode ser mau se ficarem os campos abandonados, as aldeias vazias e as florestas e campos abandonados com mato a crescer para ser pasto dos incêndios.
Pode ser bom se aqueles que saem da agricultura encontrarem uma vida melhor, com mais conforto e com mais qualidade de vida.
Pode ser bom se aqueles que ficam na agricultura puderem cultivar os campos e criar os animais que os outros deixaram livres e assim ganharem dimensão para também eles, permanecendo na agricultura, terem um rendimento que lhes permita conforto e qualidade de vida.
Ao longo dos últimos anos, das últimas décadas, a dimensão média das empresas agrícolas é cada vez maior. Se no passado os pais foram repartindo os campos entre os filhos e “parcelando”, dividindo as parcelas de terreno até ficarem tão pequenas que se tornou quase impossível cultivá-las, hoje os agricultores vão fazendo o emparcelamento possível com as parcelas que vão arrendando.
Crescer, aumentar a dimensão da “quinta”, da “casa de lavoura”, da “herdade”, pode ser uma necessidade de sobrevivência. Quem não tem uma dimensão mínima, em cada atividade, não tira rendimento para alimentar a sua família e para todos os gastos necessários a uma vida digna e confortável.
Nas últimas décadas, regra geral, os produtos agrícolas tornaram-se mais baratos e foi preciso produzir mais para ganhar o mesmo.
A cada ano, a cada década, a cada geração, tornou-se “obrigatório” aumentar a dimensão das empresas agrícolas. Quem ficou parado, quem não aumentou a dimensão, a produtividade, a qualidade, ou se diferenciou, dificilmente consegue assegurar a sucessão na empresa agrícola.
Mesmo que a empresa agrícola já tenha uma boa dimensão, não é “pecado” ter ambição de crescer, de melhorar, desde que isso não seja feito “passando por cima” das regras e dos outros.
Curiosamente, há um “paradoxo de tamanho” na agricultura. Somos “obrigados” a crescer para sobreviver, temos de continuar a crescer para que a nossa empresa sobreviva e perdure no tempo, mas depois os “grandes” são vistos como os “maus da fita”.
É certo que para além dos agricultores “tradicionais”, grandes ou pequenos, também há “fundos de investimento” e outras novidades que compram terrenos e investem na atividade agrícola ou florestal. Há que ter alguma atenção, há que vigiar, aplicar as regras existentes ou criar novas regras, porque essas empresas, por definição, não são como o agricultor ou a família que tem uma visão de longo prazo porque “não herdou a terra dos seus pais, recebeu-a emprestada dos filhos”.
É compreensível que os mais pequenos e mais pobres, sejam mais apoiados na agricultura ou em qualquer atividade económica. Mas quem cresceu, quem se tornou grande, ou deu continuidade ao trabalho das gerações que antecederam, não tem de ser mal visto por causa disso. Ser grande não é ser mau, por definição. Não há uma linha vermelha, uma fronteira, que separe claramente os “simpáticos pequenos agricultores” dos “grandes e maus”. Há muita terra para cultivar e muita gente para alimentar. Na agricultura há lugar para todos. Todos, todos…
(escrito para o "Mundo Rural" de Maio / Junho de 2024)
Passou mais um Natal e passaram os anúncios comoventes que nos incentivam a comprar telemóveis para ligar às avós. É assim em Portugal e no resto do mundo. Tim May, um agricultor canadiano que sigo no facebook, como “Farmer Tim”, lembrou depois do Natal que “os bancos alimentares continuam a precisar da sua ajuda, os sem-abrigo continuam a precisar de apoio, os doentes continuam a sofrer e os solitários continuam a precisar de companhia.”
Isto veio na continuação de outra publicação sua, antes do Natal, um texto fantástico sobre a situação do seu velho pai, limitado pela doença e sozinho após a morte da mãe: “Foi um ano de perdas para todos nós, especialmente para o meu pai. Perdemos uma mãe e uma avó, mas ele perdeu a sua esposa de quase 60 anos. Parte-se-nos o coração quando o ouvimos desejar-lhe boa noite ao passar pela sua fotografia a caminho da cama.
A sua artrite debilitante tirou-lhe as liberdades num abrir e fechar de olhos. Deixou de conduzir, de cortar a relva, de plantar e de ir rapidamente ao seu restaurante preferido ou à igreja. O mundo que ele conhecia reduziu-se às poucas visitas que ocasionalmente aparecem e às mensagens de texto ou zooms que recebe nos seus dispositivos.
Duas vezes por dia, os assistentes ajudam-no a tomar banho e a vestir-se - até comer é um desafio. É difícil acreditar que este foi um dos homens mais fortes que já viveu - pelo menos aos meus olhos. O trabalho era a sua vida e a sua quinta e família eram tudo para ele.
O nosso celeiro está cheio de madeiras cortadas, secas e empilhadas. As pilhas de madeira eram o seu projeto de reforma que ele nunca irá terminar. Os arquivos de revistas de carpintaria e os armários de ferramentas acumulam pó.
No entanto, mesmo nestes tempos difíceis, há esperança. Tenho-me esforçado por encontrar formas de o manter ativo no corpo e na mente. Depois do desfile dos Tratores de Natal passei com o carro alegórico por casa dele para lhe dar um espetáculo privado. Ele sorriu pela primeira vez desde há muito tempo. Ainda há pouco era ele que conduzia o nosso carro alegórico.
Esta semana vi-o a escrever postais de Natal. Perguntei-lhe o que estava a fazer e ele respondeu: "Estou só a fazer o que a tua mãe faz todos os anos." A tradição e a rotina dão-lhe obviamente um sentido de vida.
Hoje liguei-lhe da loja de ferragens para ir buscar a sua encomenda de material - fita-cola, fechos de correr e tubos de plástico para equipar o andarilho e a cadeira de rodas elétrica. Ele está sempre a mexer. O martelo e os pregos podem ser substituídos por cola e rolos de papel higiénico, mas isso mantém-no ocupado e seguro.
Por isso, aqui fica uma pergunta para si. Que tipo de coisas podem sugerir para ajudarmos um velho agricultor? A mente dele é afiada, mas o corpo está partido. Nunca tomem as pequenas coisas como garantidas - a vida pode mudar num instante. Com amor para todos vós" (Tim May)
Nas respostas à publicação houve inúmeras sugestões que decidi selecionar, copiar e traduzir para aqui, na esperança que vos possa ser útil, para uso pessoal ou para alguém de quem sejam cuidadores. Não vou referir os nomes, mas poderão ver estes e todos os comentários na publicação do Farmer Tim antes do Natal de 2023.
“-Peça-lhe para gravar as suas memórias. Todos os seus sábios anos de agricultura, com a sua voz, seriam um tesouro. A sua ideia da melhor maneira de fazer o que ele fazia. Lembro-me de muita informação do meu pai, mas há muita coisa que nem sequer sei. Uso a sua sabedoria diariamente na quinta. Gostava de ter mais. Especialmente sobre as vacas e a terra. Abraços para si, é difícil vê-los não poderem fazer a única coisa que amaram e viveram toda a sua vida.
- O meu avô fazia reparações e devia ter várias patentes de coisas que inventou e transformou em vida real. Passou de dono do seu próprio negócio e de mecânico ocupado e respeitado a inválido assim que se reformou. Tornou-se um autêntico feiticeiro/mágico na costura/confeção dos projetos maiores e no trabalho do couro. As mãos ociosas são quando o diabo dança... por isso, mantenha-o ocupado e passe o máximo de tempo possível a ouvir e a amar.
- Arrependo-me de não ter uma história da vida de meus pais. Há tanta coisa que nunca saberei. O teu pai estaria interessado em documentar a sua vida? Talvez haja alguém que o possa ajudar a fazer isso? É só uma ideia e há tanta coisa que se perde por estarmos demasiado ocupados com o nosso dia a dia.
- Com as minhas tias e tios idosos, escrevi perguntas num caderno. A escrita era difícil, por isso forneci um gravador. Talvez um telemóvel ou gravador digital. A chave para o sucesso está nas perguntas que podem dar início às memórias, e trabalhar a partir daí....
- Grave as histórias dele, transforme álbuns de fotografias em livros ilustrados, publique as receitas da sua mãe, leve-o a passear de carro, a tomar o pequeno-almoço, adicione controlos de alfaias agrícolas à cadeira dele, ponha música e sente-se a ver qualquer programa. Leia-lhe um livro ou arranje-lhe audiolivros, são apenas algumas ideias.
- Certifique-se de que todas as fotografias têm os nomes das pessoas que nelas aparecem. Ano aproximado em que foi tirada. Há sempre uma história que acompanha cada uma.
- O meu pai adorava passear de carro.
- Os jovens agricultores poderiam visitá-lo para obterem os seus conselhos, ficarão espantados com os seus conhecimentos e ele gostará de ajudar.
- O que fazer? Talvez haja um grupo de amigos também idosos viriam tomar café. Sei que isso implicaria uma organização da sua parte, mas se preparasse o café e se certificasse de que havia bolachas ou uma espécie de lanche, talvez a cozinha dele pudesse ser o ponto de encontro. Mantê-los envolvidos e ocupados mantém a mente ativa quando o corpo não o permite.
- Jogos online (pensar em baixa mobilidade e manter a mente ativa).
- Será que ele pode vigiar as vacas que estão para parir através das câmaras de vídeo? E outras áreas importantes da quinta?
- Depois de o meu pai, também ele agricultor, ter sido submetido a um triplo bypass, ficou bastante doente durante muito tempo. Comprámos-lhe um pequeno aquário com peixes dourados. Ele adorava estar sentado na sua cadeira a falar com eles e a alimentá-los. Não é exatamente o mesmo que trabalhar na agricultura, mas ele gostava de poder cuidar de algo novamente.
- Os comedouros para pássaros no parapeito da janela são divertidos (quando funcionam).
- Talvez construir uma horta de canteiros que ele possa aceder e trabalhar a partir da sua cadeira de rodas? A minha mãe gostava muito disso.
- Mantenha-o envolvido. Pergunte-lhe sempre a sua opinião sobre as coisas. Peça-lhe ajuda. Continue a fazer com que ele faça parte das decisões da quinta.
- Procura alguém com quem ele se sinta confortável e lhe faça perguntas. Tenho a certeza que sabes quais são as perguntas certas. Façam um livro com fotografias e memórias, tanto para ele como para si. Ele pode pegar nele em qualquer altura e tu também.
- As visitas provavelmente significam mais para o teu pai agora, tal como eu, que ajudo a minha mãe de 91 anos que ainda vive sozinha em casa, digo que ter família e amigos a fazer pequenas coisas como telefonemas e visitas significa mais para eles agora. Ver álbuns de fotografias antigas pode, por vezes, ser reconfortante.
- Quando a minha mãe ainda era viva e estava confinada a uma cadeira de rodas devido à poliomielite, mas com a mente intacta, gostava de fazer puzzles com serras de recortes. Há alguns cortados com peças maiores, se isso o ajudar.
- Quando o meu avô ficou com Parkinson e já não podia trabalhar na agricultura, sentiu o mesmo que o seu pai. Estávamos sempre à procura de coisas para o manter ocupado. Ele adorava passear de carro e dizer-me quais eram as quintas, quem vivia e que tipo de agricultores eram. Tenho saudades desses passeios.
- Um gato para o colo dele!
- Que tal uma história registada de todas as várias peças de equipamento agrícola de que se lembra ao longo dos anos. Aposto que ele se lembrará de quando e onde muitas peças foram compradas e das reparações que fez.
- Quando o meu pai estava no hospital, um vizinho usou o seu drone para captar imagens da quinta e/ou das colheitas para lhe mostrar, para que ele estivesse a par de tudo. Ele também gostava dos meus aquários quando não podia ajudar nas tarefas domésticas. Também está cientificamente provado que o ronronar de um gato reduz o stress e a dor, por isso talvez um gato de abrigo mais velho? Muitos deles são negligenciados por serem considerados demasiado velhos, mas ainda têm muito amor para dar!” (…)
Legenda da imagem: o pai de Tim May com o neto Andy
Tim é produtor de leite em Ontário, Canadá. Tem uma licenciatura em Ciência Animal pela Universidade de Guelph. Tem dois filhos e a sua mulher é veterinária. É apaixonado pela agricultura e pela educação do consumidor. Nos últimos 40 anos, a sua família tem recebido visitas de escolas, grupos de interesse geral e indivíduos. Foi das crianças da escola que recebeu a alcunha de "Agricultor Tim". Menos de 2% dos canadianos são agricultores. Os consumidores estão muito afastados dos agricultores que os alimentam. Não é de admirar que as pessoas tenham tantas dúvidas sobre a origem dos alimentos e a forma como são produzidos. Os agricultores têm dificuldade em lutar contra a desinformação que os consumidores têm de enfrentar todos os dias quando fazem escolhas alimentares. Se todos os agricultores divulgassem a sua história, os seus esforços contribuiriam muito para dar aos consumidores alguma paz de espírito. Tim afirma que todos que os agricultores também são consumidores. Nós somos o que comemos. Queremos nutrir o nosso corpo com alimentos saudáveis, por isso faz todo o sentido que façamos o mesmo por toda a gente!
(Escrito para o Mundo Rural de Janeiro e Fevereiro de 2024)
“Nós não herdamos a terra dos nossos pais, recebemo-la emprestada dos nossos filhos”. Um ditado que o meu pai gostava de repetir e de que me lembro sempre quando tenho de colher amostras de terra para analisar o solo, preparando as culturas da próxima primavera.
O tempo incerto com frio, chuva, constipações e outras atividades concorrentes não permitiu levar os miúdos a todos os campos mas ainda consegui colher algumas amostras em conjunto.
Como expliquei noutros anos, em cada parcela de terreno, caminhamos em zig-zag, levando uma sonda com um tubo metálico que se espeta no solo até 20 cm, se roda e retira para colher uma pequena amostra. As amostras dos vários pontos juntam-se no balde e depois são colocadas num saco, devidamente etiquetado, que os técnicos encaminham para o laboratório de solos. O objetivo é saber como evolui o pH do solo, o teor de matéria orgânica e de alguns nutrientes como fósforo, potássio, magnésio e manganês…
As análises regulares ao solo e o aconselhamento técnico permitem-nos escolher o adubo e calcular a quantidade a aplicar, consoante o estado do solo e as necessidades da cultura, o que protege o nosso rendimento e o ambiente, porque o excesso de adubo iria causar poluição.
Cultivamos a terra ao longo de gerações. O objetivo de todos os agricultores é melhorar e conservar o solo. Deixar a terra o melhor possível para os que vierem a seguir.
#carlosnevesagricultor
#agricultura
#solo
Numa recente publicação da minha página do facebook sobre o percurso do leite desde a vaca até à fábrica, perante o relato de como decorria o processo de recolha do leite há 60 anos, sem refrigeração e pasteurização, alguém comentou: “Bons tempos. Agora já nem sei se é leite que bebo". Não respondi na altura, porque este pensamento, muito comum, precisa de uma resposta mais longa e fundamentada.
O valor de uma coisa depende da quantidade em que existe no mundo, da quantidade que temos e da falta que nos faz (no fundo, da oferta e da procura). Ouro e diamantes valem muito porque são raros, mas se estivermos numa estrada do deserto e longe de tudo, uma garrafa de água vale mais do que ouro nesse momento.
Quando temos fome, damos valor aos alimentos. Quando sentimos que existe risco para a saúde, damos valor à segurança dos alimentos. Na nossa sociedade, no “mundo ocidental”, temos fartura. A maioria das pessoas tem dinheiro suficiente para comprar comida e tem a poucos metros de casa ou à distância de um clique uma enorme variedade de alimentos seguros e controlados, mas também tem saudades da sua infância passada no campo onde viveram os seus avós e tem saudades porque era mais jovem, tinha mais saúde, mais sonhos e mais anos de vida pela frente, mas a vida não era mais fácil e o leite não era melhor.
Antes de haver máquinas de ordenha, tanques frigoríficos para guardar o leite e fábricas para pasteurizar e tirar gordura do leite, as vacas eram ordenhadas à mão, em cima do estrume, debaixo de pó e o leite era transportado em bilhas de metal levadas por carroças, sem arrefecer, até à fábrica ou ao consumidor da cidade. Na primeira metade do século XX, a qualidade da leite era tão baixa que surgiram em Portugal modernas vacarias ou “lactários” dentro das cidades, promovidas por benfeitores ou pelas autoridades, para alimentar as crianças mais pobres com leite melhor do que era levado do campo pelas leiteiras, as senhoras que transportavam e vendiam leite. Não havendo cadeia de frio, era preciso adicionar algum conservante ao leite. Não havia análises. Muitas crianças nasciam mas não sobreviviam até à idade adulta por causa da fome e de doenças de origem desconhecida, muitas vezes devido à falta de higiene.
Hoje as vacas são criadas em modernos estábulos muito melhores do que os velhos “aidos”. Têm acompanhamento veterinário. São obrigatoriamente controladas para as doenças que se podem transmitir aos humanos . São ordenhadas com máquinas de ordenha que se lavam automaticamente com água quente e detergente. O leite é imediatamente arrefecido, armazenado no tanque frigorífico e transportado em camiões isotérmicos até à fábrica onde não pode entrar sem ser analisado para garantir que não tem resíduos de antibiótico. É filtrado, homogeneizado, pasteurizado ou ultrapasteurizado para eliminar as bactérias patogénicas e podem tirar-lhe uma parte da gordura. É colocado em embalagens esterilizadas e não leva conservantes, podendo dispensar a conservação em frio no caso do leite UHT. É certo que nesse processo perde algum sabor, mas é mais fácil, mais barato e mais cómodo de transportar, conservar e consumir. É a forma mais razoável de oferecer o leite ao consumidor de forma segura e económica.
Houve uma evolução equivalente na produção da manteiga, do queijo e dos iogurtes. Mantém-se e recuperam-se produtos artesanais e todos os dias surgem novidades no mercado. Apesar de todos os ataques ao “leite” por parte de quem pretende ocupar o “espaço no estômago” com outros produtos mais caros e menos nutritivos, os corredores de supermercados têm uma variedade enorme de leite para beber, de queijos, de iogurtes e agora recentemente muitos produtos à base da proteína do leite. Produzimos um alimento com 10.000 anos de história e temos motivos para dar valor a toda a evolução, toda a tecnologia e toda a gente que trabalha na cadeia do leite para oferecer ao consumidor toda esta variedade de alimentos com mais controlo e segurança alimentar do que existia “antigamente”.
Publicado em https://vacapinta.com/es/hemeroteca/vaca-pinta-42.html