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Em 1980, depois de mudarmos da velha casa e da velha vacaria para o novo estábulo e a nova casa junto ao Sinal, começou a vir um senhor acompanhar as ordenhas um dia cada mês. Chamava-se Serafim, era funcionário da cooperativa e era “contrastador”. No final do dia a minha mãe registava na agenda o leite que cada vaca tinha produzido.
Escrevi em 2020 no blog “Carlos Neves Agricultor”: «Segundo o dicionário, contrastador é “aquele que contrasta, que confronta, que compara”. Mas, em Portugal, é também o nome de uma profissão rara, que engloba apenas algumas dezenas de elementos em todo o país que são agentes credenciados do “contraste leiteiro”. Uma vez por mês, estes técnicos visitam as agro-pecuárias aderentes para registar a produção de leite de cada vaca ou pequeno ruminante e colher uma amostra. Essa amostra vai ser analisada para verificar a qualidade do leite (teores de gordura e proteína) e o estado de saúde do animal. Poucos dias depois o agricultor recebe no telemóvel um alerta que pode consultar através da internet os resultados e relatórios.
Este serviço, que em Espanha e França se chama “controlo leiteiro”, permite ao agricultor escolher os animais mais produtivos e saudáveis, que vale a pena manter e dos quais deve criar a descendência. Com a partilha dos dados obtidos em todas todos os países, pode-se avaliar como está a evoluir o melhoramento da raça e como se comporta a descendência dos touros usados em inseminação artificial. Foi este trabalho de recolha e análise de dados, ao longo de décadas, que permitiu selecionar os animais mais produtivos, saudáveis e eficientes. Com a melhoria da eficiência hoje produz-se o mesmo leite com menos animais, menos consumo de água, energia, alimento e outros fatores de produção(...)»
Quero chamar a atenção para as duas vacas mais produtivas de então: a “Mansinha”, que tinha sido comprada ao meu tio Álvaro, um criador de referência que levava animais a concurso na década de 70, e a “Canadiana”, que tinha vindo de avião do Canadá, numa importação organizada pela AGROS para que os agricultores tivessem vacas mais produtivas. Estas vacas comiam na mesma manjedoura do que as outras, mas produziam mais porque tinham uma genética mais selecionada. É possível que também tivessem tido o parto mais recente, mas a genética mostrava a diferença.
Ao longo destes 40 anos, fomos sempre tentando escolher as filhas das melhores vacas e cruzando com os melhores touros do mundo (dentro de limites de preço), disponíveis através da inseminação artificial. E também fomos escolhendo as melhores sementes, procurando fazer melhor feno e melhores silagens. Fomos a reuniões e procuramos aprender a cuidar melhor dos animais. Fizemos obras procurando dar mais conforto.
Ao mesmo tempo, as empresas que fornecem os fatores de produção também fizeram esse trabalho, com particular destaque para os fabricantes de rações. Nas universidades, os investigadores fizeram experiências. Isto aconteceu na produção de leite como em todos os setores da pecuária e da agricultura.
Toda a gente sabe que se comprar para criar em casa um pinto “branco”, de “aviário, e lhe der a mesma farinha de milho, ele vai engordar mais rápido do que um pinto “vermelho”, que tem outro sabor. Ao longo dos anos, foram selecionados assim. As vacas mais leiteiras, os touros mais gordos para engordar, os touros mais bravos para a tourada, as galinhas mais poedeiras, os coelhos com mais filhos a crescer mais rápido e as batatas mais produtivas.
É natural que as pessoas não se tenham apercebido desta evolução, sobretudo as que estão fora do setor agrícola, que compram o leite empacotado ou o frango em bifinhos fatiados na cuvete do supermercado ou mesmo aqueles que cultivam o quintal para subsistência. É natural que digam que agora “é tudo feito à pressão” e, desconfiadas, pensem que este aumento de produção só é possível à custa de hormonas e antibióticos ilegais. Mas ao pensar, ou dizer isso, estão a fazer uma acusação grave sobre todas as pessoas que trabalham tanto na produção agrícola como no controlo, porque nunca houve tantas análises e tanto controlo.
É tudo gente séria na produção agrícola? Não é e nunca foi. Estou convencido que maioria dos agricultores é gente séria e cumpridora das regras e depois, como em todos os setores, há sempre alguém a furar o esquema. Provavelmente somos tão sérios como o resto da sociedade, como eram os nossos pais e como serão os nossos filhos. Nunca vi uma estatística de que as sucessivas gerações sejam mais ou menos honestas do que as anteriores. O que é evidente é que o saber acumulado ao longo de gerações, a melhoria da genética, do maneio e de tudo o resto explica como hoje é possível produzir mais e mais rápido.
(Escrito para o "Mundo Rural" de Maio / Junho 2023)
Faltavam 20 minutos para as 9 da noite, faltavam 20 minutos para terminar a sementeira mas faltavam também dois sacos de adubo no semeador. Voltei a casa e fui jantar com a família.
No final do jantar, voltei ao campo e terminei a sementeira.
Pelo caminho cruzei-me com o vizinho que também andou toda a tarde desse dia feriado a preparar o seu terreno para a sementeira e regressava então a sua casa certamente ainda sem jantar.
Por estes dias os agricultores correm contra o tempo para que a semente chegue à terra e a comida chegue a tempo à mesa de todos.
#carlosnevesagricultor
#sementeiras
#milho
A necessidade de cultivar mais terrenos em menos tempo e com menos trabalhadores disponíveis obriga os agricultores e prestadores de serviços a investir em máquinas de maior dimensão. Uma pequena oscilação por causa de uma lomba ou buraco na estrada pode ser perigosa.
Ao virar, as máquinas suspensas no trator vão ocupar o lado contrário da manobra. Às vezes temos dificuldade em fazer rotundas por sermos ultrapassados pela direita junto ao trator. Outras vezes ficamos parados no eixo da via, à espera que os condutores dos dois sentidos percebem que precisamos de espaço para manobra. Mantenham a distância de segurança e colaborem! Com paciência e boa vontade há espaço para todos!
Bom trabalho e boas viagens!
#carlosnevesagricultor
Para conseguir fazer um bom feno na Primavera é preciso ter sorte, muito trabalho e usar alguns truques.
Quando queremos produzir feno, o nosso objectivo é secar rapidamente a erva, sem apanhar chuva que iria tirar qualidade, mas ficando suficientemente seca para não ganhar bolor. Fardos grandes com humidade podem aquecer de tal forma até entrar em combustão e provocar incêndios.
Com o feno deste ano já guardado no celeiro e mais algumas imagens para mais tarde recordar, pensei que também seria útil partilhar algumas dicas para quem enfrenta o mesmo desafio.
1. Na sementeira, escolher uma erva boa para feno, que seja precoce e seque rápido. Eu uso azevém Galego. Tem menos produção, menos folha e acama mais do que outras ervas, mas é o mais fácil para fenar.
2. Se possível fazer um corte de limpeza para reduzir a presença de infestantes ou ervas mais difíceis de secar.
3. Cortar com azevém já espigado, com fibra, pois seca mais rápido.
4. Estar atento às previsões do tempo, que são relativamente seguras para uma semana. Ver antes de cortar e ver todos os dias como evoluiu a previsão. Nesta altura confio nas previsões do IPMA e no Weather Wunderground, tem acertado bastante.
5. Se possível cortar a erva de tarde, pois está mais enxuta e tem mais açúcares.
6. Se possível cortar com uma gadanheira condicionadora para esmagar ou partir a erva, para secar mais rápido.
7. Mexer a erva várias vezes para secar, mas se for em excesso a palha começa a partir e perde-se algum feno.
8. Encordoar em horas de calor, por exemplo a partir das 11h.
9. Fazer pequenos cordões de feno (não juntar dois para um), para a erva secar melhor e ser mais fácil para enfardadeiras pequenas e velhinhas como a minha welger.
10. Ajustar os fardos para um aperto mínimo, para respirarem sem aquecer ou ganhar bolor e para não ficarem pesados para quem os vai carregar. Boas colheitas!
#carlosnevesagricultor
“Quando a preguiça morrer
Até o monte maninho
Até os fraguedos da serra
Darão rosas, pão e vinho”
(Do poema “A preguiça”, de António Correia de Oliveira)
Em março do ano passado, quando a guerra tornou difícil o acesso aos cereais da Rússia e Ucrânia, surgiram apelos para a sementeira imediata de trigo no Alentejo. Em resposta a esse apelo, através do meu artigo “Portugal não é um país agrícola”, expliquei, usando uma expressão que o meu pai citava muitas vezes, que “Portugal é um país pedrícola”. Temos muitas serras cheias de pedra, muitos montes onde é impossível fazer agricultura como nas planícies da Ucrânia, da Rússia ou da França. Também temos algumas planícies sem água e temos poucos terrenos bons para agricultura de cereais em grande dimensão com área, solo e água.
Descobri, entretanto, que eu estava em parte enganado, afinal as pedras podem dar pão, ou, pelo menos, davam no século passado. No livro “Das Pedras, Pão”, editado pelo Museu da Paisagem e profusamente ilustrado com fotografias de Duarte Belo, Henrique Pereira dos Santos, Arquiteto Paisagista, explica-nos como os rebanhos de cabras aproveitavam as ervas que cresciam nas “terras marginais”, nos terrenos limítrofes das aldeias do Nordeste de Portugal e ao regressar aos abrigos produziam estrume que era depois usado para fertilizar a terra onde se produzia o trigo ou centeio que davam o pão. O autor explica que “A função coproiética permite a introdução de matéria orgânica no solo para compensar a exportação de nutrientes que decorre da produção de cereais. (…) O sistema digestivo dos animais disponibiliza matéria orgânica já em fases adiantadas de decomposição, permitindo às plantas usar imediatamente os nutrientes que a estrumação devolve ao solo”. Fixem isto, decorem isto, para explicarmos às pessoas a importância das vacas, cabras e ovelhas na agricultura e na paisagem.
Entretanto, os rebanhos quase desapareceram, mas não faltou trigo em Portugal. O trigo é importado, mas temos que nos importar também com o Portugal que vai ardendo todos os anos nos terrenos que eram limpos pelas cabras a pastar ou na floresta cujo mato era cortado para fazer as camas dos currais, para “astrar”, como aqui se dizia, a mesma floresta onde os pobres iam buscar lenha para se aquecer e cozinhar.
Henrique Pereira dos Santos tem defendido que comer cabrito ou chanfana é um contributo válido para evitar incêndios e tem defendido maiores apoios para usar rebanhos de cabras na limpeza da floresta. O problema é que as cabras bravias precisam de pastor, como explicou Avelino Rego, agricultor transmontano numa publicação recente:
“As cabras bravias são animais que precisam de andar muito e de um pastor que as acompanhe. Ao contrário das ovelhas por exemplo, que ficam felizes da vida com um prado de erva abundante, as cabras precisam de fazer quilómetros diariamente, precisam de correr, precisam de turrar umas nas outras, precisam de risco - percebe-se isso claramente quando optam por descer um penedo, com um carreiro alternativo ao lado. (…) A necessidade do pastor em permanência deve-se essencialmente a duas razões: lobo e optimização do percurso de pastoreio para garantir uma melhor alimentação.
A questão do lobo é fácil de compreender. Como percorrem áreas imensas, distantes dos povoados, ficam muito susceptíveis a ataques, a que as cabras não têm capacidade inata para resistir - ao contrário das vacas por exemplo, que para além do seu porte muito maior que é dissuasor, têm a capacidade inata de se organizem em grupo, para se defender dos ataques.
Quanto à optimização do percurso de pastoreio, refiro-me por exemplo à água. O pastor encaminha o rebanho para passar na água na altura do dia em que sabe que os animais vão estar com sede, cálculo que as cabras por si não fazem. O pastor faz também a leitura do dia, se vê trovoada no horizonte, garante que os seus animais vão estar numa encosta resguardada quando a chuva puxada a vento chegar.(…)”
O problema que eu vejo é que há cada vez menos pastores. Como diz o povo, estamos cada vez mais “fidalgos” e menos disponíveis para trabalhos duros na pesca, nas obras ou na agricultura. Somos cada vez menos gente, menos jovens no meio rural e na agricultura. E os poucos que somos, dentro dos limites da nossa atividade, também estamos mais “fidalgos”. Ordenhamos as cabras, ovelhas e vacas em salas de ordenha. Ordenhamos cada vez mais vacas com robô. Deixamos a cavadeira e lavramos a terra ou colhemos os frutos dentro da cabine de um trator com ar condicionado.
Não vale a pena ficar com pena do que já passou. Não vale a pena romantizar o passado e ter saudades do sacrifício, da pobreza e do trabalho duro.
Henrique Pereira dos Santos tem sugerido pagar por esse serviço de “cabras sapadoras” e limpeza da floresta. Por mim tudo bem, já há apoios para criar cabras, cerca de 20 euros por animal, talvez não sejam suficientes, mas já agora, para dar apoio às cabras, não tirem as ajudas às vacas autóctones ou às vacas leiteiras. “Não abram um buraco para tapar outro”.
Outra coisa que vale a pena olhar a sério é o “fogo controlado”, uma técnica que consiste em usar o fogo no inverno para controlar a vegetação, os “combustíveis finos” por onde os incêndios lavram de forma descontrolada. Talvez o “fogo controlado”, que também já é usado há muito pelos pastores como forma de renovar as pastagens, talvez seja um sistema mais adaptado ao país de fidalgos em que nos tornámos.
Vale a pena ler “Das pedras, pão” e “ler” as suas paisagens, editado pelo “Museu da Paisagem”. Vale a pensar nisto. Vale a pena estudar isto. Vale a pena fazer alguma coisa, experimentar, para não termos cada vez mais incêndios mais incontroláveis. (Publicado no Mundo Rural de Março - Abril 2023)
No livro “As Guerras do Trigo” (Edições Zigurate, 2022), o autor Scott Reynolds Nelson percorre os últimos 12 000 anos da humanidade para explicar como o controlo e organização da produção, armazenamento e distribuição do trigo para o fabrico do pão condicionou a história dos impérios e das guerras que os formaram e destruíram. A narrativa deste livro começa precisamente em Odessa, o porto Ucraniano cujo bloqueio na atual guerra aumentou o preço dos cereais e colocou em risco a alimentação de muitos países, em particular dos mais pobres, até que um acordo mediado pela ONU e pela Turquia permitiu retomar a exportação.
Não é meu objetivo fazer um resumo das 382 páginas do livro, mas apenas partilhar um aspeto que me chamou a atenção na página 158, num capítulo relativo ao período entre 1864 e 1884, quando a Europa abriu as suas portas ao trigo americano para combater a terrível fome causada pelo míldio da batata. Na Bélgica, Antuérpia tornou-se um dos principais portos de entrada e processamento do trigo. O farelo e a sêmea que sobravam da moagem foram usados para alimentar porcos e vacas. “Os agricultores de Antuérpia e das regiões que se estendiam pelo Reno e pelos seus afluentes trocaram os arados por pocilgas, os campos por pastagens e as plantas por animais (…) os trabalhadores europeus começaram a consumir alimentos a que apenas os mais abastados tinham tido acesso até então, como manteiga, bacon, queijo e chocolate”.
Reparei neste pormenor porque, para além da guerra do trigo na Ucrânia, temos atualmente no mundo ocidental uma guerra à proteína animal presente na carne, leite, ovos e até peixe, tendo as rações como pilar fundamental da criação. Uma das armas mais usadas nesta guerra é a acusação de que a produção de alimentos para a pecuária ocupa a maior parte das terras agrícolas no mundo bem como os novos terrenos que resultam da desmatação de florestas. Na realidade, para além de muitas das terras usadas para pastagem não terem capacidade agrícola, muitos dos cereais e proteaginosas são primeiramente destinadas à alimentação humana (óleo de soja, por exemplo) ou à produção de energia (biocombustíveis) e só os restos, os subprodutos, são incorporados nas rações: bagaços de soja, de colza, a polpa de beterraba, a polpa de citrinos, destilados de milho, etc, etc. Os animais, em particular os ruminantes, são "recicladores" de sobras que iriam para o lixo se não fossem desta forma aproveitados. Isto acontece naturalmente nas casas agrícolas onde o porco ou outros animais domésticos comem os restos do almoço e acontece no setor pecuário de forma organizada através das fábricas de rações.
Antiga jacista e responsável do “mundo rural”, a minha mãe nasceu em 1935 e faleceu em outubro de 2022. Em jeito de homenagem, partilho convosco os versos que ela escreveu para se rir com as visitas na convalescença de uma perna partida durante o trabalho agrícola em abril de 1995 que levou à colocação de prótese no fémur. (publicado na Revista Mundo Rural de janeiro - fevereiro de 2023)
Foi na nossa vacaria
Que dei um trambolhão,
Caí, tive muitas dores,
Mas era a semana da paixão
Foi no dia 4 de Abril,
Ai que grande aflição!
Caí, parti uma perna
Fui logo p'rá operação!
Dei um passo em falso,
Voei como o papel.
Comecei logo a gritar:
"And' aqui ó Manuel!"
Levou-me nos braços,
disse "que tens na perna?"
a almofada que me deu
foi um monte de erva.
O Manuel ficou aflito
porque eu tinha muitas dores;
mas eu tudo ofereci
pela conversão dos pecadores.
Como não era pesada,
mas tinha coisa quebrada,
chamou o Carlos Manuel;
eu já estava desmaiada.
O David e a Fernanda
vieram logo a correr,
para me ouvir gritar;
e ficaram sem comer...
Perguntaram "O que foi?"
Pois eu estava mal.
"O melhor e o mais rápido
é levá-la para o hospital".
Ao chegar à Clipóvoa
fiquei admirada:
O letreiro diz "Urgência",
mas de urgência não tem nada!...
Logo rezei ao Senhor:
"Oh! Pobres dos doentes!
Os especialistas foram embora,
e não tinham suplentes".
Passado um certo tempo
O radiologista teve esta saída:
"Olhe, minha senhora,
está partida e bem partida!"
Já era muito tarde
Quando o meu marido diz:
"Tem que ficar internada?"
-Tem, e esperar pelo Dr. Dinis!"
O Dr Dinis chegou e disse:
-"Tem que ser operada"
-"Mas eu tenho tantas dores!"
- Vai p'ró 310 e fica curada!
De enfermeiras e empregadas
eu não tenho que dizer;
Olharam-me para me ajudarem
e deram-me de comer!
Visitas, foram muitas,
apontei-as até ao fim;
Porque eu não me quero esquecer
de quem não se esqueceu de mim!
Tive oferta de flores
e uma visita fresquinha;
Foi o meu afilhado Álvaro
que levou a minha madrinha!
Quando a vi entrar
fiquei muito admirada:
Com noventa e três anos
veio visitar a afilhada!
Que tenha paciência,
toda a gente me diz:
Até o meu médico,
Que é o Dr. Dinis.
Que tenho bom aspeto
isso são lindas tretas;
Agora eu só posso
andar de muletas!
Até o Dr. Ferreira, homem sem tempo,
(todos veem, ninguém é cego);
Pedi-lhe um conselho, e ele disse:
"- Não meto estopa nem prego!"
Sexta-Feira Santa,
foi o dia de partida:
"é preciso ter coragem
que esta parte está vencida".
Todos rezaram por mim,
causaram-me grande alegria!
mas a penitência maior
foi a carta da secretaria...
Essa foi para o marido,
que é um homem sensato;
Perguntei: "- Quanto foi?"
"- Se ficares boa, foi barato!"
Dor de corpo e da carteira,
foram dois grandes degredos;
Mas lá dizia o ditado:
"Vão-se os anéis, ficam os dedos".
Que aprenda a andar,
eu vou obedecer;
Mas tenho tanto medo
de tudo desfazer...
No regresso à cozinha,
parecia um melro a dar à asa;
Telefonei aos irmãos e amigos:
"-Atenção: Já estou em casa!"
O Carlos e a Celeste
foram uns amores:
Regaram-me o Jardim
E eu já olhei para as flores.
A Celeste é mulher boa
que não gosta de discórdia;
Deu de comer a todos,
fez obra de misericórdia.
A Aldina visitou-me
com ternura e carinho;
Também veio arrancar
a margem do cebolinho.
Da Cachada veio o Álvaro
para comigo falar;
Ainda trouxe as filhas
que ajudaram a trabalhar.
Do Porto veio a Aurora
que tem coração de veludo;
Veio trazer os folares
e eu falei-lhe de tudo.
Dia de Páscoa alegre:
Jesus ressuscitou! Aleluia!
Veio o Armando com a Nini
para me fazer companhia.
De Rio Mau também veio
A Nelita, que é enfermeira;
Disse que eu estava segura:
"- Saia, deixe a cadeira!"
Querer andar e não poder
Deu-me muito que pensar
Mas agora, com perna de ferro,
isto é que vai ser andar!...
Veio o Armando do Penas
Que é um moço com gana;
Conseguiu trazer aqui
a minha irmã Ana!
A menina Anabela,
Que é minha vizinha
foi a minha companheira
para eu não estar sozinha.
Com as galinhas a pôr ovos
e os coelhos a crescer;
O Carlos Manuel perguntou:
"Quem os ovos vai vender?"
Chama cá a prima Lurdes
Que tem habilidade e canseira;
Ela ajuda , vende os ovos,
e traz dinheiro p'rá carteira!...
Agora na vacaria
Eu não meto a colher;
É pra eles darem valor
ao trabalho da mulher...
O Carlos Manuel dá aos vitelos,
faz tudo muito bem;
O Manuel tira o leite
E não ralha com ninguém.
"Jesus, Maria Santíssima"
E os santos a ajudar;
Os amigos a pedir
para eu poder andar.
Às vezes, ai, quantas vezes,
adormecer bem queria;
mas quem faz versos não dorme,
não tem essa regalia.
há um ditado que diz:
"Virtude é saber ouvir"
Peço desculpa a todos
Escrevi isto só p'ra rir!...
Sem Jesus não somos nada,
disto eu estou ciente;
espero ficar boa;
Deus é Omnipotente.
Adélia Dias Figueiredo (1935-2022)
Nos últimos meses, nos Estados Unidos, o preço dos ovos subiu para valores nunca vistos, passando os 5 dólares por dúzia (4,6 euros). Para acalmar as pessoas assustadas com o preço dos ovos e as teorias da conspiração que entretanto surgiram, o meu colega Derrick Josi, mais conhecido por TDF Honest Farming, publicou um pequeno vídeo. Não sendo produtor de ovos, ele é agricultor e produtor de leite no Oregon e apresentou 3 razões para a subida do preço dos ovos:
Primeira razão, o aumento dos custos de produção, sobretudo combustíveis, energia e rações para alimentar as galinhas à base de cereais;
Segunda razão, a gripe das aves levada por aves migratórias para os aviários, obrigou ao abate de milhões de galinhas. A gripe das aves não é novidade nos Estados Unidos ou na Europa, mas as novas regras de bem-estar animal que proibiram as gaiolas nos aviários e obrigam à saída das galinhas para o exterior aumentaram os casos de contágio.
Terceira razão, que toda a gente que tenha um galinheiro no quintal conhece, as galinhas produzem menos ovos quando está frio. Quando as galinhas estavam fechadas no aviário com temperatura e luz controlada isso não as afetava, tendo acesso ao exterior reduzem a produção. Também na Nova Zelândia a mudança de regras nos aviários levou à falta de ovos e aumento do preço.
Pelo que vi no gráfico que encontrei e partilho aqui, o preço já está a baixar e é provável que o setor encontre um novo equilíbrio e resolva essas dificuldades com alguma nova técnica ou aumentando o número de galinhas nos períodos frios, mas outra coisa chamou - me a atenção. Por estes dias surgiu também no jornal Público um artigo a dizer que esta é uma boa ocasião para experimentar os ovos artificiais, à base de plantas, porque os ovos naturais já estão mais caros. Isto fez-me recordar que as regras de bem-estar animal são muitas vezes adotadas como solução de compromisso após a pressão de quem pretende proibir a criação de animais mas sabe isso é impossível de repente e portanto vai fazendo o que pode supostamente para melhorar as condições de vida dos animais mas também para tornar mais difícil a produção animal e mais caros os produtos de origem animal. Assim, pouco a pouco, vão apertando o cerco. Eu concordo com a adopção de regras de bem-estar animal devidamente fundamentadas na ciência, mas temos que estar atentos, avaliar as consequências e rever as decisões, se necessário.
(Foto de Mary’s Farming Minute, gráfico de Trading Económics)
#carlosnevesagricultor
A jornalista Fernanda Câncio decretou (twetou) que “está oficialmente tudo doido” porque encontrou leite à venda a 4,99€ e o assunto “viralizou”. Acontece que não se tratava de leite de vaca, o que subentendemos quando escrevemos apenas “leite”, mas neste caso era “leite de cabra biológico” importado.
Fiquei curioso e fiz uma pequena pesquisa na net. Não encontrei à venda de origem nacional, mas podem comprar leite de cabra a 2,35 ou 2,55 nos hipermercados de referência, leite francês ou espanhol de marca do fabricante. Entretanto, um colega que é criador de cabras explicou-me que o leite nacional, usado para produzir queijo, é vendido pelos produtores entre 90 cêntimos e 1€ por litro.
Em relação ao leite de vaca, é possível encontrar o leite meio gordo UHT a 86 cêntimos nas marcas brancas e na casa dos 90 cêntimos nas marcas do fabricante. O leite meio gordo UHT é o leite mais vendido e tem o melhor preço. Os leites especiais (com cálcio, sem lactose, leite fresco, etc) estão quase todos acima de 1 euro. Em setembro de 2021 ainda era normal encontrar leite meio gordo a 43/44 cêntimos e às vezes a 39. O que se passou?
O custo do leite aumentou ao longo dos últimos anos, em particular nos últimos dois anos, mesmo antes da guerra na Ucrânia. Aumentou o custo das rações, dos adubos e dos combustíveis, por causa do arranque da economia mundial pós-pandemia e por causa de grandes compras da China, que pareceu “adivinhar” o que vinha aí. Apesar disso, o leite continuou a ser usado como produto-isco para atrair os consumidores aos supermercados. Estava sempre em promoção, tanto em Portugal como na Espanha. Tivemos o pior preço aos produtores em toda a Europa nos últimos anos, apesar do aumento de custos e seca severa. Chegou a ser possível comprar mais barato leite UHT embalado num supermercado português do que leite cru vendido por um agricultor holandês à sua cooperativa. Os produtores foram abatendo animais, foram desistindo, encerrando vacarias, a indústria e a distribuição começaram a sentir falta de leite no mercado e a situação tornou-se evidente no verão de 2022, quando compradores espanhóis vieram comprar leite aos maiores agricultores portugueses. Surgiram aumentos significativos aos produtores portugueses e espanhóis entre setembro e novembro, de modo que preço médio do leite ao produtor em Portugal subiu para 54,4 cts/ kg, em novembro, um aumento de 72% face a 2021 (dados da EU), apesar de ainda ficar abaixo da média comunitária, que em setembro era 57,8 cts/kg de leite cru. Esses 54 cts são a média de um preço de 50,4 cts nos Açores e 56,7 cts no continente. Com 6% de Iva vai quase para 60 cts, mas o agricultor entrega o Iva do leite ao Estado.
Desde 1 de novembro não houve aumentos aos produtores e penso que o preço deverá manter-se estável nos próximos meses, mas é muito difícil fazer previsões.
P. S. - Para além dos custos de produção, também aumentaram os custos de transporte, pasteurizaçao e embalagem.