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Dias de campo, dias da rádio

por Carlos Neves, em 11.05.25

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Ouvi o anúncio do "fumo branco" no rádio do trator, quando estava a terminar as sementeiras do milho. Por curiosidade, o fumo branco contém lactose, mais uma utilidade do leite.
Ouvi o nome do novo Papa no rádio do trator, já abrigado no armazém. Acompanhei a evolução do apagão também via rádio, dentro do trator, primeiro a semear milho, depois a enfardar erva. Notícias nunca me faltaram.
Tal como na estrada, a rádio é a companhia de quem anda no campo, sobretudo nestas alturas de longas horas no trator a colher, lavrar ou semear. Rádios nacionais ou locais, com vários tipos de música, com mais ou menos informação. Pessoalmente, dou prioridade à informação e vou alternando entre rádios quando o noticiário já se torna repetido e juntando alguma música.
As redes sociais espreitam-se nos intervalos, porque a atenção é precisa no trabalho, para que as lavouras e sementeiras não fiquem tortas, porque o autoguiamento por GPS ainda é muito raro.
Não foi preciso faltar a luz para descobrirmos a rádio, entre o os agricultores. É a nossa primeira companhia nestas longas jornadas. Obrigado aos animadores, técnicos e a todas as equipas que mantêm a rádio "no ar".
#carlosnevesagricultor #agricultura #desconfinaraagricultura #sementeiras #radio

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publicado às 22:53

As notícias da morte da charrua são claramente exageradas

por Carlos Neves, em 09.05.25

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Consegui lavrar a última parcela para a sementeira do milho, o que ainda não tinha sido possível por causa da chuva e da humidade da terra. Ficam ainda para trás dois pequenos pedaços ainda mais encharcados, à espera de dias mais secos.
Pelo que vou observando, ao vivo entre os meus vizinhos e ao longe através das redes sociais, andam todos os agricultores a aproveitar estes dias de sol para colher ervas, fertilizar a terra, lavrar e semear.
A propósito de lavrar, li há meses um daqueles textos muito "cheios de razão", com alguém a defender que as charruas deviam estar no museu. Quando é que já ouvi isso?
Em 1998, eu tinha acabado de me instalar como jovem agricultor e, seguindo os meus colegas, decidi atualizar o meu equipamento de preparação da terra e sementeira. Comprei um trator com 90cv, acrescentei um ferro / aiveca na charrua que já tinha, comprei uma rotofresa de 2,5 metros e um semeador de milho de 4 linhas. Como jovem agricultor, tive na altura um apoio de 25%.
Nesse mesmo ano, ou no ano seguinte, aderi, apenas com uma parcela de 1 hectare, a um projeto experimental de "sementeira direta", num grupo de 25 agricultores, processo que dispensa a mobilizaçao da terra. Perante as vantagens que ouvia sobre o novo sistema, lembro-me de ter pensado que tinha feito asneira ao investir na charrua e na fresa. Ao fim de 5 anos, quase todos abandonámos a experiência da sementeira direta e voltamos a 100% à lavoura. As razões foram dificuldades com infestantes, pragas (no meu caso, tive um ataque de uma espécie de pulgões que invadiram as casas vizinhas ao terreno), falhas na sementeira e necessidade de incorporar o chorume na terra. Também houve quem tivesse bons resultados, mas aqui na minha zona a percentagem de sementeira direta é muito baixa.
É uma técnica muito interessante para evitar a erosão, mas aqui, até agora, não teve sucesso. Pelo contrário, as charruas, nas suas variadas formas e tamanhos, sucessoras dos arados usados há centenas ou milhares de anos, continuam a atualizar-se e virar a terra. Os lavradores continuam a lavrar.

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publicado às 23:02

Viver a Páscoa como agricultor

por Carlos Neves, em 20.04.25

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O “compasso” ou “visita pascal” é uma tradição do dia de Páscoa, no Norte de Portugal, organizada em pequenos grupos que em cada paróquia levam um crucifixo ornamentado com flores, anunciado por campainhas, a todas as casas que o queiram receber, abrindo a porta e colocando no chão um pequeno “tapete” com algumas folhas e flores. A tradição tem muitas variantes, a começar pelas roupas. Aqui no topo Norte da Diocese do Porto usamos umas capas vermelhas a que chamamos “opas”, noutras zonas usam vestes brancas ou apenas uma faixa.
Quando eu tinha 10 anos, o meu pai foi o “Juiz da Cruz” que tinha a responsabilidade de organizar o compasso e dar o almoço aos participantes e eu fui pela primeira vez no compasso, a tocar a campainha. Nos anos seguintes raramente voltei a participar no compasso porque me competia ficar na vacaria a “segurar as pontas” enquanto o meu pai participava e depois ajudar a minha mãe a preparar a mesa com um pequeno lanche para a comitiva do compasso. Só nos últimos anos voltei a participar no compasso de forma ativa.
Para um agricultor e criador de animais, participar nestas atividades pode ser difícil ou quase impossível. O trabalho nos campos ainda pode esperar, mas é preciso assegurar a ordenha, a alimentação e providenciar os cuidados necessários.
Apesar disso, através das fotos publicadas nas redes sociais, vi com satisfação que muitos colegas agricultores participaram ativamente nesta tradição pascal. Para isso certamente adiantaram o trabalho possível, levantaram-se mais cedo, organizaram as coisas e deixaram algum trabalho para depois.
Regra geral, os agricultores trabalham a terra que herdaram dos pais, a terra onde viveram os seus pais e avós e são, portanto, gente da terra e das terras, gente que conhece e mantém viva as tradições. Por isso as tradições precisam dos agricultores e os agricultores, mesmo que tenham de fazer um esforço extra, também precisam de participar nas tradições, integrar-se na comunidade e manter vivas estes momentos de festa, de encontro, de partilha, de esperança, de contacto direto com as pessoas.
Votos de uma Páscoa feliz e bom descanso para quem “andou” no compasso!
#carlosnevesagricultor #pascoa #compasso #visitapascal

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publicado às 22:43

O trator é uma ferramenta útil e perigosa

por Carlos Neves, em 20.04.25

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A civilização foi uma consequência da descoberta da agricultura. Quando os homens começaram a produzir os alimentos de que necessitavam sem precisar de serem nómadas para ir caçar e colher num sítio diferente, para além de poderem construir cidades “permanentes” ficaram com tempo livre para se dedicarem a todo um conjunto de atividades, como a escrita.
As ferramentas sempre foram essenciais para a agricultura. Primeiro pequenos utensílios de pedra lascada, depois ferramentas de metal, mais tarde alfaias de tração animal e finalmente os tratores.
Os primeiros tratores e debulhadoras, a vapor, surgiram por volta de 1850 e terão chegado a Portugal algumas décadas mais tarde. Ao longo do século XX, chegaram também a Portugal e a tração animal, de vacas, burros e cavalos, foi progressivamente substituída pelos tratores.
O primeiro trator da nossa “casa de lavoura” foi este Fordson Super Dexta que o meu pai comprou em 1963. Ainda funciona, mas faço apenas pequenos trabalhos com ele para o manter a funcionar, como “museu vivo”. Há muitos tratores como este, desta e de outras marcas, alguns ainda mais velhos, outros mais novos, que ainda funcionam e são úteis por todo o nosso país.
Neste momento existem cerca de 200.000 tratores em Portugal. Metade desses tratores não tem sistemas de proteção, como cabine ou o “arco de segurança” ou “arco de S. António”. Por causa da falta de proteção, dos terrenos perigosos, com muitos declives, por causa da falta de cuidado típica dos portugueses e da idade avançada de muitos condutores, todos os anos morrer dezenas de agricultores esmagados por tratores que capotam, que viram sobre si próprios.
Em 2019, morreram 57 pessoas debaixo de um trator. Em 2020, no artigo “Temos vacina para as mortes com trator, vamos usar?”, sugeri o seguinte:
- “Para agricultores e empresas que tenham muito trabalho para o trator, um programa para a troca/abate dos tratores velhos, poluentes e perigosos, substituindo por tratores novos, mais seguros, económicos e ecológicos com apoio a fundo perdido.
- Para quem apenas usar o trator poucas horas por ano, se estiver em bom estado de mecânica, um apoio de 90% para a instalação do arco de proteção.
- Uma boa campanha de comunicação para meter na cabeça dos mais casmurros que o arco da segurança só protege se for usado corretamente. Trazer o arco dobrado para passar debaixo das árvores ou ramadas não funciona, é como levar o capacete no braço para o caso de aparecer a polícia.
Além de poder salvar vidas todos os anos, este dinheiro não fica nos agricultores. Vai dar trabalho às pequenas empresas, aos mecânicos e serralheiros que vendem e reparam tratores e máquinas agrícolas. Acima de tudo, quanto vale uma vida? Quanto custa o socorro, o tratamento dos feridos e as reformas por invalidez aos sobreviventes?”
A primeira medida que propus, apoio à troca de tratores muito velhos (enviados para abate) por novos, foi colocada em prática nos anos seguintes, numa primeira fase com muitas limitações, depois mais abrangente. Falta a segunda parte, colocar estruturas de proteção, os arcos de segurança, nos tratores existentes. Vamos a isso?
(Escrito para a revista Mundo Rural de Março - Abril 2025)

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publicado às 22:40

Os soldados também precisam de comer

por Carlos Neves, em 09.03.25

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Mais cedo ou mais tarde, com mais ou menos diplomacia, com mais ou menos justiça, haverá paz na Ucrânia. Espero que seja mais cedo do que tarde, porque a guerra é algo muito mau e espero que seja com o máximo possível de diplomacia, respeito e justiça, porque uma paz sem justiça é uma paz podre.
Qualquer que seja o futuro que agora nos parece incerto, uma coisa parece certa: vamos gastar mais dinheiro com a defesa. Seja para a guerra efetiva, seja para a paz, porque "quem quer a paz prepara-se para a guerra", seja para reconstruir a Ucrânia destruída pelas bombas, seja para integrar a Ucrânia na União Europeia, isso vai custar dinheiro.
Um orçamento, nacional ou comunitário, é sempre uma escolha na gestão de uma manta curta. Para tapar uma coisa destapa-se outra. Temos de estar conscientes que aumentar o orçamento da defesa irá pressionar cortes nos outros setores, como a agricultura.
Governar é fazer escolhas e as escolhas atuais não são fáceis nem são simples como pode parecer quando teclamos furiosamente no telemóvel e vivemos em bolhas informativas, com manipulação cada vez mais sofisticada. Convém manter o espírito aberto para ponderar entre os valores que não podemos esquecer e as limitações da realidade com que temos de viver. Convém estudar a história para não repetir os erros do passado e antecipar o que pode acontecer. O meu pai lembrava muitas vezes que "a história é uma velha chata que se repete com frequência".
Quando estive em Paris com a família há poucos dias, pelo interesse de visitar o túmulo de Napoleão, fomos visitar o museu militar que fica nos "Invalides", o antigo hospital para os feridos da guerra. Num museu repleto de armas, chamou-me a atenção este cartaz do Ministério da agricultura francesa na primeira guerra mundial, "Semear batatas, pelos soldados, pela França". Lembra-nos que o povo e os soldados precisam sempre de comer. A agricultura faz parte da segurança estratégica de um país ou de uma comunidade democrática, como devemos defender que seja a Europa.
#carlosnevesagricultor

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publicado às 10:43

Três recordações de uma viagem a Paris

por Carlos Neves, em 19.02.25
 

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Fui passar um fim de semana a Paris com a família e quero partilhar convosco três recordações:
 
Liberdade. Perguntaram-me há pouco tempo se concordava que "a produção de leite é uma prisão". Respondi que às vezes estamos presos, mas temos de fazer sempre um esforço para sair. Cada saída, cada viagem, seja a Aveiro ou ao estrangeiro, é um objetivo de “libertação” que me proponho alcançar. O meu pai dizia que havia quem chamasse ao nosso trabalho "escravatura branca" (por causa da cor do leite). E cada publicação minha sobre férias é um desafio, um incentivo que vos faço para também sair desta "prisão" que, às vezes, é psicológica.
 
Igualdade. Viajar é uma aula prática de igualdade, diversidade e encontro com o diferente em múltiplas situações. Descontando a excepção das pessoas muito ricas que viajam em jatos privados, a igualdade começa logo na revista de segurança do aeroporto que nos obriga, todos, a colocar os pertences na caixa que vai ao raio-x e passar o detetor de metais com as calças na mão e às vezes descalsos. Diversidade que depois continua com os turistas de todos os cantos do mundo que nos pedem para tirar uma foto junto à Torre Eifel ou com os imigrantes de todas as origens que nos vendem souvenirs, conduzem os táxis ou ubers e nos atendem nos cafés, restaurantes e hotéis.
 
Fé e fraternidade. A fraternidade vem de fraterno, frater, irmão. A “fraternidade”, enquanto valor da sociedade ocidental, tal como outros valores, bebe na fonte do cristianismo, à luz do qual todos somos irmãos por sermos “filhos de Deus”. Sejamos ou não crentes ou praticantes, a nossa cultura, aquilo que somos, tem um chão comum que nos marcou nos últimos 2000 anos, que devemos conhecer e proteger. Por isso todos nos comovemos com o incêndio da Catedral de Notre-Dame e rejubilámos com a sua recuperação. De cara lavada, a catedral, onde fomos à missa no domingo, tal como o Sacré-coeur (igreja jubilar) ou a igreja de S.Severin, que encontrámos por acaso, são casas de porta aberta para os crentes que queiram rezar, para os turistas que querem visitar enquanto obras de arte ou para quem quiser simplesmente entrar e meditar ou descansar.
#carlosnevesagricultor #ferias #feriasdosagricultores #paris #turismo #europa #france

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publicado às 13:50

O preço dos ovos e o custo das regras

por Carlos Neves, em 10.02.25

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Para o “Dia dos namorados” de 2025, o “presente de luxo” mais sugerido pelos utilizadores de redes sociais nos Estados Unidos são… ovos!

O site AGDAILY mostrou várias dessas publicações e deu um exemplo de Lisa Shepard que publicou: “Não sou de me gabar, mas o meu marido comprou-me 4 dúzias de ovos de presente de dia dos namorados hoje!”
As piadas multiplicaram-se à medida que o sentido de humor acompanhou a subida do preço dos ovos registada nos últimos meses. A principal causa desta subida parece ser a gripe aviária, que tem levado ao abate de muitas galinhas e consequente redução da produção, mas o meu colega Derick Josi, TDF Honest Farming, não sendo produtor de ovos, chamou a atenção para outra hipótese que merece ser considerada: Esta subida do preço dos ovos acontece depois da imposição de uma série de regras nos últimos anos ao nível de aviários, nomeadamente a obrigação das galinhas terem acesso ao ar livre, regras que aumentam os custos.
Já agora, convém lembrar que a gripe aviária é transmitida pelas aves migratórias e quando as galinhas têm acesso ao exterior o risco de contrair a doença é maior.
E outra coisa ainda: as regras de bem-estar animal, que podem parecer razoáveis, que muita gente defende preocupando-se genuinamente com o bem-estar dos animais de produção, também podem ser um “truque” para causar o aumento do preço da proteína animal, nomeadamente o custo dos ovos e da carne de frango e assim favorecer o mercado das alternativas de base vegetal ou as imitações de carne produzidas em laboratório...

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publicado às 07:40

Gente como vós

por Carlos Neves, em 07.02.25

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Lembram-se do filme Forrest Gump? Protagonizado por Tom Hanks, conta-nos 40 anos de história dos Estados Unidos de uma forma divertida, através das histórias da vida de um rapaz com Q.I. abaixo da média. Numa das cenas mais comoventes do filme, Forrest, com o coração nas mãos, pergunta se uma certa criança (ao contrário dele) é normal. Noutra cena, corta a relva. Cortar a relva também é uma coisa que eu gosto de fazer. Sinto-me “normal”, igual a qualquer outra pessoa de classe média, de qualquer profissão, que corta a relva do seu jardim. 

Na cabeça de muita gente, trabalhar na agricultura não é ser normal, é estar um bocadinho abaixo do normal na pirâmide da sociedade. Lembro-me, ainda criança, de ouvir coisas como “desperdiçar na agricultura uma cabecinha boa para estudar”. Lembro-me mais tarde de me aperceber que muitos e muitas jovens preferiam trabalhar numa fábrica de confeções a ganhar o salário mínimo (que já foi muito mais mínimo do que é hoje) em vez de trabalhar na agricultura da família. Lembro-me ainda de ler George Stilwell relatar o “orgulho de ser agricultor” que observou no Royal Show em Inglaterra, por oposição à baixa autoestima dos agricultores em Portugal… 

Com tudo isto, com o trabalho às vezes duro, com os preços baixos dos produtos agrícolas, não admira que uma parte significativa dos agricultores tenha saído do meio rural em direção à cidade ou ao estrangeiro ou diga aos filhos para fugirem da agricultura e procurarem um trabalho atrás de uma secretária.

Entretanto, se antigamente os portugueses tinham pena dos agricultores, por causa da dureza do trabalho e da pobreza da maioria dos trabalhadores agrícolas, hoje, por vezes, têm medo e veem os agricultores como malfeitores que poluem o ambiente, maltratam animais e enchem a comida de químicos que fazem mal. 

No entanto, com as novas tecnologias, a agricultura pode ser mais confortável e cativante. Há muitas pessoas descontentes noutras profissões, a trabalhar por turnos, a fazer trabalhos duros e repetitivos que na agricultura poderão encontrar um trabalho mais compensador… se forem chamados, se lhes for proposto um ordenado compensador, se o preço dos produtos agrícolas compensar esse pagamento e ainda se não acontecer a resistência social que referi atrás. 

Com a saída da mão de obra agrícola, com a redução normal do número de filhos por família, com o fim do trabalho infantil, a solução de quem fica na agricultura manter a atividade passa pela mecanização possível e pela contratação de imigrantes para o trabalho agrícola. 

Neste momento, 40 em cada 100 trabalhadores agrícolas em Portugal já são estrangeiros. São 40% da força de trabalho e também são 40% das pessoas que fazem descontos para a segurança social… 

Por muito que alguns possam ter saudades do passado em que não faltava gente (pelo contrário, havia tanta gente que emigrar era a única forma possível de fugir à pobreza), por muito medo que possa haver em relação a rostos e línguas estranhas que chegaram, esta é a realidade atual da nossa agricultura. 

A dignidade desses imigrantes é posta em causa pelas redes de tráfico humano, pelas condições miseráveis em que por vezes são alojados, pela falta de resposta dos serviços do Estado que deviam proceder ao seu registo e tratar da documentação e pela insegurança que a população portuguesa vai percecionando com o aumento da imigração. Os imigrantes são essenciais na agricultura e noutras atividades económicas, são essenciais para manter viva essas atividades, para manter vivo o meio rural português, mas tem de ser integrados e acompanhados para não serem marginalizados ou se tornarem marginais com todas as consequências sociais que se podem esperar. Escrito para Mundo Rural - Janeiro / Fevereiro 2025

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publicado às 19:00

Tempo de discussões sobre o tempo

por Carlos Neves, em 25.01.25

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Tenho saudades do tempo em que o estado do tempo era um desbloqueador de conversas e não um detonador de discussões entre guerreiros do teclado. Uma pessoa chegava à sala de espera do médico, comentava que estava frio ou vinha chuva e uns acenavam com a cabeça, outros ficavam calados e outros, se quisessem, tinham conversa para ocupar o tempo de espera comentando o calor das férias do Algarve, o frio de Trás-os-montes ou a nortada da Póvoa. As discussões aconteciam entre os adeptos dos boletim meteorológico, das fases da lua, do almanaque ou dos ditados antigos como o humor da Senhora das candeias.
Agora, aparece uma notícia sobre vento e chuva e começa a discussão entre os adeptos da teoria do “fim do mundo” (que vai acabar por causa do aquecimento global) e do “fim do mês” (o que interessa é ganhar o dia a dia e depois vê-se). Para os primeiros, no limite, cada vez que alguém espirra a culpa é das alterações climáticas, para os segundos ventos de 200 km / hora é normal no inverno. Pelo meio, ou por trás de tudo isto, há sempre negócios. Uns tentam manter as vendas e outros vender novas coisas e às vezes até são os mesmos que vendem gasóleo e eletricidade, que furam num lado e colocam painéis solares no outro e ganham em ambos enquanto nós, o povo, nós consumimos a consumir, a discutir e a fazer publicidade grátis.
Para complicar, a própria meteorologia “privatizou-se” e agora em vez do boletim meterológico no fim do telejornal temos 20 canais de televisão, 40 jornais e 400 páginas “meteo” a lutar por likes e visualizações, e se alguns tentam manter o rigor, outros não se importam de anunciar a “tempestade do século” em letras garrafais quando o centro da tempestade está a milhares de kms e aqui “só” está previsto um bocado de vento e chuva. E depois, como na história do Pedro e do lobo, o povo deixa de dar atenção aos avisos e responde sempre “é inverno, é normal”, e não toma os cuidados que devia ter…
Ó gente, quando a Proteção civil faz avisos, é como quando a vossa mãe dizia “Está frio, leva o casquinho! Vem chuva logo à noite, leva o guarda-chuva ou anda para casa mais cedo!” Vocês respondiam “Ó mãe, é normal, estamos no inverno?” Então…
#carlosnevesagricultor #tempo #meteo #chuva #vento #herminia

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publicado às 19:34

Leite inteiro e "gordofobia"

por Carlos Neves, em 22.01.25

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Andam por aí "mosquitos por cordas" com um polémica por causa de algumas marcas terem passado a chamar "Leite inteiro" ao que até agora se chamava "leite gordo". Eu não tenho tempo para discutir o assunto nem tenho qualquer esperança de acabar com essa polémica, porque polémica é precisamente o que toda a gente quer (a comunicação social, os donos das redes sociais e as pessoas que estão aborrecidas e querem resmungar com alguma coisa), mas venho aqui dar o meu contributo, não sei se estou a deitar "água no lume" ou "achas para a fogueira", mas cá vai.
Eu acompanhei a "luta" de dezenas de anos de pessoas como o Dr Pedro Pimentel, que foi secretário-geral da ANIL, Associação dos Industriais de Lacticínios, para que se pudesse chamar "inteiro" ao leite gordo. Fez-se essa luta porque nos diziam que as pessoas não bebiam leite gordo com medo da gordura e portanto seria bom para o setor mudar o nome para "leite inteiro", como sempre se chamou nos outros países, e portanto, posso testemunhar que, na origem, isto não teve nada a ver com as modas "woke" dos últimos anos.(C.N.) Passo a palavra ao Pedro Pimentel:
"O tema da 'gordofobia' no leite tem uma história longa.
Em Portugal vingou, de há muito, a designação de magro, meio-gordo gordo para os leites que apresentam um teor de gordura inferior a 0,5%, a entre 1,5 e 1,8% e acima de 3,5%.
Refira-se que quando o leite é ordenhado tem, em média 3,7% de gordura. Ou seja o leite tal como é produzido pela vaca tem essa parcela de gordura, mas convencionou-se - noutros tempos - que essa seria a designação de venda do produto.
Como refere a notícia do DN a designação INTEIRO (a também as designações DESNATADO e SEMI-DESNATADO) é a que prevalece na generalidades dos países: Espanha, França, Alemanha, Bélgica, Itália, Reino Unido, EUA, Canadá, Brasil e em muitos mais e corresponde ao que efetivamente acontece: leite com a gordura natural ou leite a que foi parcial ou totalmente retirada a respectiva nata (a gordura do leite).
Em boa verdade, é muito redutor falar num produto GORDO quando o mesmo contém apenas 3,5% de gordura, quando existem no mercado inúmeros produtos magros ou light que têm 5 ou 10 vezes mais gordura.
No final dos anos 90, quando exercia as funções de secretário geral da associação de lacticínios portuguesa, fiz inúmeras démarches para alterar a nomenclatura utilizada ou, pelo menos, permitir às marcas que tivessem a hipótese de utilizar a designação de venda que entendessem.
Na altura, a autoridade portuguesa que poderia propor essa alteração legal opôs-se sempre a essa modificação com o extraordinário argumento, apresentado pelo responsável à época, de que "a minha mulher está habituada a essa designação e não perceberia a nova terminologia".
A coisa, não tendo qualquer graça, converteu-se em piada e dizia-se que as leis teriam que ser previamente validadas pela mulher do Eng.º X.
Contudo, num contacto totalmente fortuito com os serviços de tradução da União Europeia, consegui convencer a tradutora de um Regulamento sobre as designações de Leite, a - na versão portuguesa - referenciar as duas famílias de terminologias: gordo, meio-gordo, magro ou inteiro, desnatado e semidesnatado.
Ou seja, 'venceu-se' na secretaria um jogo que estava engalinhado dentro de campo.
Apesar disso, as marcas mantiveram a terminologia utilizadas por muitos anos, não sei se por temerem confundir o consumidor se por alguma cristalização de raciocínio.
E, sim, acredito que a mudança de designação de venda é um sinal-dos-tempos. Mas que poderia estar em prática, já não tenho de cor, mas há pelo menos dezena e meia de anos.
Uma das peripécias que, um dia, farão parte, por certo, de um livro de memórias que esses tempos me deixaram."(PP)

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